Olha, não olhes, não voltes a olhar.
Sempre o mesmo que espreita escondido,
Cintando o nariz à cara na falta de ar
Complexada do vidro da janela partido,
Esburacado, com calhas de vales abertos.
Vergonhoso!
Vergonha na vontade de voltar
Aos verdes vales abertos da janela
Dessa corrente de ar e ver…
Ver que se espelham montanhas,
Torres que tocam no céu do mar
Num delicado, enternecido beijar
De ceda feita a cetim
Mergulhado no ouro ornamentado,
Rico, rugoso rubi afogueado
Da face de um jasmim.
Chega! Recua!
Não consumas o paradoxo do sonho!
Não te risques da vida,
Não te obliteres da morte.
Não queiras ser um Deus morto
Nem em morto queiras ser um Deus,
Pois não o serás, mesmo que a imortalidade te mate
E te erga da morte neste sonho vivo.
Não terás jasmins,
Não terás torres que toquem no mar do céu ou no céu do mar,
Não terás nada, nada terás.
Cansas-me…
Não persistas mais e vai.
Deixa a janela, o vidro, o espelho,
O reflexo, a verdade, a mentira, o que for.
Nem tentes compreender que a compreensão é divina,
E tu Deus não és, ninguém o é,
Todos o somos e tu não és todos.
Tomando em consideração sem fim teorias,
Peço-te, imploro-te! Ordeno-te!
Vai… Não! Volta!
Não sei já o que digo. Confundes-me
Ao tentar nadar nesse riacho navegante,
Submerso na verdade mentirosa,
Romeira antiga.
Se o Sol se põe na morte,
Se nasce na vida destinada a morrer,
O que faço aqui contigo? Espero o final?
Recuso-me, assim como recusaste ir.
Bom-dia para ti, boa-noite para ninguém,
E que ninguém seja a vida.
A vida depois da morte?
A vida depois da vida!
Grandiosa, bela, imortal na imortalidade.
Nasce por nascer,
Nasce por viver,
Nasce por nascer e viver.
Brinca no arco-íris da vida,
Do claro ao escuro e do escuro ao claro.
Sê criança. Sorri, chora, faz chover.
Harpas, violinos,
Cordas que embalam o medo de morrer,
Embalem-no até ao sono eterno
Porque nós queremos viver!
Conhecer o fogo que gela
E o gelo que queima,
Ver os anjos que se dizem demónios
E os demónios que se dizem anjos,
Queremos o tudo que parece nada na insignificância,
Queremos o sonho surreal da realidade,
Queremos algo.
Destabilizado,
O bater de um coração parado que reanima,
Doce, seguro, extasiado,
Encantado junto a todo o corpo,
Em harmonia com o ser,
Com a mente afadigada.
Estilhaça a janela que te entrava,
Enigma reflectido nas asas do tempo.
Dá-me a mão e voemos!
Percamo-nos nessas montanhas de vales verdes
Com jasmins de vidro rubro.
Percamo-nos no céu do mar,
Nas torres infinitas.
Percamo-nos num mundo finito sem fim
Onde não há morte, nem o fado maldito
Que se reflecte em mim.
Ó antiga donzela invisível,
Princesa temporal do tempo incontestável,
Hei-me aqui, servo, Deus, algo mais,
Se algo mais houver para servir.
Ó sonho sonhado em suspiros
No recobro da vida por ti!
Só a ti sou fiel,
Só a ti, borboleta pálida verde em mim.
Verde da natureza, verde de esperança,
Ver de verde, vale verde,
Cansaço da alegre vida onde por fim morri.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Contradição
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6 comentários:
Fiquei sem palavras.....
Os paradoxos que nos preenchem o vazio, são as antíteses do sofrimento....
Adorei!!
Blood Kisses
É impossível ao sofrimento preencher o vazio, e as suas tentativas são vãs. E isso faz o próprio sentimento sofrer...
Muito obrigada, Blood Tears ^^
Beijinhos!
Fiquei quase sem fôlego, ao ler este poema. E, no entanto, foi como se eu mesma, se tivesse eu teu jeito, conseguisse construí-lo, tão parecidos aos sentimentos do sujeito poético são, por vezes, os meus. E tu traduziste-os de forma excelsa. ^^
Acho que és dos meus preferidos, se não mesmo o meu preferido.
"se tivesse eu teu jeito, conseguisse construí-lo"
Mas o teu jeito supera o meu! Eu fiz um bom poema no meio de uns quantos moderados, ao contrário de ti, que fazes um moderado entre imensos poemas lindíssimos.
--' Que mentira. Tu és muito melhor escritora que eu, seja em que aspecto for. ^^
Não é mentira!
Hmpf!
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