segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Nos Bolsos do Tempo
Flown With the Wind, by Vladimir Kush
Albergo a voz inconstante do pranto, nos alforges roubados.
Fugiram nos bolsos do Tempo que corria célere,
Num corrupio de dança ousada, sapateado louco de dia de chuva
E canoro canto de rouxinol enrouquecido.
Mas vi-os saltar, de súbito, na lama esborratada do trilho sinuoso,
Que, ao longe, tropeçou Ele num pedaço caído d’alma.
Quem perdia pedaços de si, sem se aperceber que desfaleciam
Donde a vontade se esquecia de viver?
Quedei-me a observá-lo, apanhando os restos deixados no caminho
Contido dos que gritavam sem se ouvir.
O vento restolhava aos Seus ouvidos e apanhou-o também
Conservando-o nos alforges de caminhante que coleccionava o mundo.
Depois saltou a fronteira e precipitou-se do limite do que era para o que será.
Franzi as sobrancelhas, que o deixara de ver por entre as folhas crespas.
Fora consumido pela visão matreira, levando o furto de um dia,
De mãos untadas no sangue castanho da terra.
Quem sabe, construiria um novo castelo de cartas, para além do que vi.
E quando pronto, libertaria o vento guardado no bolso fundo de fim do mundo,
Sopraria o pranto unido no calor do cerne para, na distância do inalcançável,
O perecido pedaço d’alma se encontrar com o apartado.
sábado, 29 de janeiro de 2011
Pontos Negros
A neve caía, atapetando os escombros que se amontoavam nos recantos assombrados. Almas pintadas de cinzento espreitavam sob os ramos despidos de vida das árvores que floresciam espíritos desnutridos. Nada mais havia para comer. A vida, na sua essência mais clara e radiosa, murchara e perdera as suas pétalas enraizadas no cerne do coração. Contavam-se os dias que tinham passado desde o Fim. Um, dois… na verdade, eram somente segundos que se prolongavam, arranhando o que ainda suspirava, esventrando o que gritava. Não por quererem, que o Tempo nada mais quer senão decorrer no seu apressado corrupio. Porém, quem o obrigava a prolongar-se indefinidamente, como se parado num momento grotesco de um retrato surreal? Os atentos conheciam a resposta, viam-na olhá-los na sua mortandade desfalecida. Que muitos eram os olhos que abarcavam o horizonte, aproximando-se, sequiosos. Os crocitares encheram o céu em uníssono, qual canto de outro mundo. Que se não havia vida para devorar, a morte seria alimento para os corvos. Enquanto os segundos adensassem o seu trilho no Presente, aquele momento perduraria.
sábado, 15 de janeiro de 2011
Cântico do Mar
The Mermaid, by Howard Pyle (1910)
Cessou a sinfonia.
Quem ceifou à sereia a vida,
O cântico daquele dia
À beira-mar?
Foi barco que aportou,
De pés pesados e alma una.
Que quem aqui voltou
Não mais irá retornar.
Que foi da alma colhida
O cerne da paixão,
O cerne de uma vida,
A brisa do meu amar.
Vai longe o desejo.
Do querer ser o que era
Quedou-se somente almejo
E a questão do sonhar.
Que é a musa perdida.
Mas serão minhas as palavras,
Que num adeus de despedida
Afastarão de nós o Mar?
(Parte integrante de um conto intitulado "O Cais do Poeta")
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
O Dia
Seabird Mimicry, Tom Chambers
Um fim se avistava
Na maresia que o olhar alcança.
O perfume que emanava
Insurgia o som da Esperança.
Era o grito que urgia
Pela madrugada daquele dia.
“Que dia?” perguntou o Ente
D’uma alma que eram várias unas.
E respondi eu, dito demente,
Sussurro que varreu da alma as brumas:
O dia cego do Anjo e do Fado,
Que o proclamaram Deus e Diabo.
E esconjurou-me com palavras,
O ouvinte que ouvia o paladar.
Que se desvirtuaram almas amargas
Num trôpego passo do meu bailar.
A corda partira-se e fugira
Do acorde que do Ente emergira.
Mas que bailado era o meu
Na sinfonia desse dia!
Um sopro de vida de Romeu
Um suspiro de Julieta que se perdia.
E uma caravela rumando ao largo,
Era chegada a vinda do Aventurado.
(Parte integrante de um conto intitulado "Uma Alma Lisboeta")
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Flor do Deserto
No horizonte era uma flor. Com passos suaves de pés descalços, Hely aproximou-se daquela gigantesca maravilha de pétalas lilases que despontava do meio do nada. Nas suas costas, duas asas azuis tremeluziam sob o Sol escaldante que atingira o zénite. O calor era imenso, porém a pele ebúrnea, incapaz de senti-lo, continuava fresca qual ribeiro dos montes. Querendo ser mais célere, a fada abandonou a locomoção do Homem e tomou para si a das aves, dos morcegos e dos dragões, subindo nos céus e avançando para a pequena maravilha que se agigantava perante o olhar. A ânsia metamorfoseou-se em choque, ao deparar-se com o longe, agora perto. As mãos de dedos pequenos e singelos tocaram na superfície metálica da outrora planta. Recolheu-os de imediato de encontro ao peito, salvando-os de uma queimadura que lhe devoraria a pele. Aquilo não era a sua flor do deserto, não possuía a vida pulsante, nem a alma de um ser natural. Os olhos grandes e expressivos encheram-se de lágrimas face à desilusão. Quem colhera todas as flores do mundo e deixara apenas o espectro da vida? Hely sabia a resposta, mas não queria admiti-la…
Lacunas de
Conto,
Dedicatória
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Essência de Liberdade
Potencial, by Puimun
A liberdade é um fio de cabelo
Que sufoca a independência
Do que se estende ao vento para voar.
Se lhe cortares o corpo que se adensa,
Removes a fuga e a interacção,
E será apenas uma árvore expectante
De que sejam pés suas raízes
E que seja a madeira um coração.
No entanto, continua retida ao físico
Da mente temerosa, escrava
Do que é ou pensa ser por sê-lo.
Cabelo ou árvore, a liberdade vive
Apreendida por querer o que será.
Que quando não o quiser
Ao erguer braços ao céu em fogo,
O seu corpo sê-lo-á.
E será pó polvilhado nas estrelas,
Que decairão a sua liberdade num refulgir
Do espírito prisioneiro do Tempo.
Conta os dias, e será água.
Conta os anos, e será morte ou vida.
Conta os séculos, e pensa.
Conclusão advinda é vasta e livre.
Essência reavida.
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Vass Therna Cellor Heligire
E esta foi a prenda de Natal para o Fred, algo meio atribulado de se fazer, porque alguém se lembrou de brincar com o Sibelius 6
Lacunas de
Dedicatória,
Élfico,
Poesia
domingo, 2 de janeiro de 2011
Tinta de Vida
Esborratei a parede com tinta-da-china que não escorreu e observei como as linhas se emaranhavam e recriavam a teia negra das suas entranhas. Com cuidado, juntei-lhe um pincel e ajudei-a na reunião de cada gota de sangue obscurecido pela essência. E pouco depois tinha-a, mais corpórea que o sonho, mais viva que o retrato da Morte. Carinhosamente estendi-lhe a mão que ela, muito tímida, segurou na sua frieza. Os veios de tinta uniram-se com os meus vasos sanguíneos, quebrando-os e imiscuindo-se num reconhecimento de alma recém-nascida. Estendi a outra mão, e puxei-a da parede que a prendia para que fosse livre da tela onde fora tão bruscamente criada. Trôpega, contactou com o chão, a nova pintura onde se movia, não compactada de encontro a ele, mas corpórea. Parecia simplesmente estupefacta, enquanto eu sorria, apontando-lhe uma mesa ao meu lado, onde reunira todas as cores do mundo, todas as essências roubadas, todas as vozes, todos os gritos, todos os prantos e todos os sorrisos. Tudo para ela. Então, não esperou e precipitou-se, mergulhando nas tintas de Vida, ganhando a sua, misturando-se com a base de negro original. Observei a felicidade de que se ungia, enquanto perdia a minha. Pelas mãos que a agarrara escorriam o sangue, a pele, os sentidos, o pensamento. E no meu último olhar consciente, ela era uma sombra livre. Agora, serei eu o seu ser servente, um vulto capturado na liberdade de outrem.
sábado, 1 de janeiro de 2011
Lágrimas do Mar
Três lágrimas pereceram no oceano
Lavado das angústias que suspira.
E correram por ele escutando
Velha cantiga, a do seu pranto,
Vontades levadas, vontades caídas.
O corpúsculo molecular que se adensa,
Da densidade da força se imiscui.
E grita no grupo desunido,
Que as lágrimas serão suas de suspiro,
E que entrecortada a respiração cessará.
Que não respiram já as ondas,
Superaram o seu langor do inspirar.
E no meu colo expiraram o sal da desventura.
A escuma que se abate perdeu a brancura,
Que agora são somente lágrimas do mar.
Confinadas ao eterno que adensa e evapora,
Lágrimas vertidas são hoje o mar da demora
Dessecado em alma e cristal carmim.
Ergue-se o vento e sopra o que foi desfeito,
O sonho é Fénix que te aquece o peito
E as lágrimas são flores que navegam o mar do fim.
Lavado das angústias que suspira.
E correram por ele escutando
Velha cantiga, a do seu pranto,
Vontades levadas, vontades caídas.
O corpúsculo molecular que se adensa,
Da densidade da força se imiscui.
E grita no grupo desunido,
Que as lágrimas serão suas de suspiro,
E que entrecortada a respiração cessará.
Que não respiram já as ondas,
Superaram o seu langor do inspirar.
E no meu colo expiraram o sal da desventura.
A escuma que se abate perdeu a brancura,
Que agora são somente lágrimas do mar.
Confinadas ao eterno que adensa e evapora,
Lágrimas vertidas são hoje o mar da demora
Dessecado em alma e cristal carmim.
Ergue-se o vento e sopra o que foi desfeito,
O sonho é Fénix que te aquece o peito
E as lágrimas são flores que navegam o mar do fim.
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