terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Noite de Breu (O Caderno dos 80 Temas - Kath)

Escondes o sorriso melífluo
No veludo das saias do vestido
Negro.

Escondes o olhar de estrela
Cadente à brisa nocturna do sussurro
Mudo.

Escondes o cabelo níveo,
Invernal de história e de labirinto
Cego.

Escondes-te e não te alcança
A contemplação do devaneio
Belo.

És pesadelo, Senhora dos Mahr,
Noite de rosto e breu de voz
Gutural.

16 - Noite de Breu

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sopro (O Caderno dos 80 Temas - Kath)

Fora um dente de leão, no primeiro dia em que o vi. Hoje era um pompom que aguardava a brisa. Vestira-se de branco, como uma noiva no altar, e estendia os braços ao alto, esperando que o tomassem. Oscilava, bailando sozinho. O seu par tardava em vir.

Foi quando o arranquei de modo brusco. Ele estremeceu de medo, sem saber o que lhe aconteceria a seguir. “Seria aquilo o fim do seu sonho?” perguntou-se. Não queria acreditar que, depois de toda aquela espera, acabaria assim.

Limitei-me a sorrir, antes de acabar com a ânsia daquele pequeno pompom. Inspirei profundamente e depois soprei com força, criando o vento tão almejado. Podia jurar que o ouvi a rir-se de alegria quando foi tomado pelo sopro e se quebrou em múltiplas porções. Flutuou até encontrar uma vaga de vento verdadeiro que o tomou nos braços e bailou com ele, afastando-o de vista.

Suspirei e olhei para o que restava. No topo do caule ainda ficara uma pequena parte representativa da vida latente do dente de leão. Voltei a soprar, mas a semente estava bem presa, como se não fosse seu desejo voar e viajar pelo mundo. Depois de pensar um pouco, tirei-a do caule com a ponta dos dedos e deixei-a cair ao lado do sítio donde arrancara a planta que outrora fora.

Talvez ela quisesse simplesmente permanecer na segurança do vaso do meu quarto, para florescer sem preocupações e sonhar com a brisa.

15 (2) - Sopro

domingo, 29 de janeiro de 2012

O Caderno dos 80 Temas - Kath

O canto das aves imiscuía-se no raiar do Sol e eu, sentada à beira do precipício, observava como o céu se matizava com o passar dos minutos. Era uma visão digna dos deuses.

– Em que pensas?

– Não tenho a certeza. Acho que penso em nada – respondi, cruzando as pernas. – Penso em nada para poder sentir tudo. Faz sentido?

Ao meu lado, a bela jovem abanou a cabeça. Os seus cabelos eram de puro ouro, revoltos e reluzentes. O rosto revelava-se uma mescla estranha de expressões que se harmonizavam – parecia simultaneamente triste e alegre. Mas, para mim, isso também não fazia sentido.

– Então, diz-me o que pensas. – Pedi, com um sorriso curioso.

Ela hesitou um pouco, levando um dedo ao queixo enquanto meditava.

– Penso que não penso. Penso que pensar destrói, penso que te estou a destruir ao pensar, por isso não vou pensar mais – respondeu, com um sorriso demasiado feliz para se coadunar com as suas palavras. – Se pensar demasiado, a vida morrerá nesse pensar.

Fiz uma careta de desgosto. As reflexões dela criavam-me nós na mente, e depois tinha de passar todo o dia a tentar desfazê-los. Era sempre assim.

– Mas, se não pensares de todo, a vida não chega a nascer sequer. – Notei, perguntando-me o que iria ela responder àquilo.

Vi-a ficar novamente pensativa. Quanto mais pensava, mais os cabelos cresciam, alargando-se pela superfície em seu redor, mergulhando no penhasco, sem medo. Quando senti que uma madeixa me tocou a mão, estremeci por dentro, sofrendo a sua queimadura na pele e na alma.

– Porque me fazes perguntas tão difíceis? Já disse que não quero pensar. Estou a magoar-te. – Concluiu, sem deixar de sorrir, mas ainda assim com tristeza no olhar.

Encolhi os ombros. Não era nada de novo, só significava que estava na minha hora de recolher, que precisava de me afastar. Mas só depois de sentir um pouco mais daquela dor. Queria que ela pensasse. Queria uma resposta. Insistiria até à eternidade se fosse necessário.

– Não faz mal. Continua a pensar. – Pedi simplesmente, observando-a. Mas até olhar para ela já me magoava.

E ela pensou, pensou até os seus cabelos se perderem no horizonte, pensou até eu sentir o corpo tremer. Quando dei conta que já não aguentaria mais aquele tormento, fechei os olhos.

– Volto amanhã e esperar-te-ei aqui, à mesma hora. Não faltes e traz-me a tua resposta – volvi, deixando-me cair do penhasco com um mero impulso, como se se tratasse da brisa do vento. – Não faltes, Madrugada.

Senti o seu olhar, até me perder de vista na escuridão daquele abismo.

– Até amanhã, Noite – chegaram as suas palavras até mim, antes de me sentir a adormecer. Ela já pensara o suficiente para que a vida nascesse e seguisse o seu trilho sinuoso.

15 - Triste e Leda Madrugada

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O Caderno dos 80 Temas - Kath

Lanças um dado pintado
Das cores da Sorte e perguntas,
Ao rolar do mundo que se agita
Nas vagas do querer,
Se o Destino é descrito nas fases
Da Lua que não queres ver.

E o dado responde que não,
Responde que sim e responde que não,
E alterna a cada rolar,
A cada pirueta que pensa dar
Num círculo de vida.

Aguardas.
Vês o passar do rio,
A curva que dá ao desaparecer
No horizonte que o devora.
E quando retornas o olhar ao dado,
Ele desapareceu devorado
E o Destino fugiu.

Que cada face que te mostrava
Era uma escolha de escolheres na hora.
A decisão tomada foi deixá-lo rolar
E permitir que outrem decidisse
A Sorte do teu azar.

14 - Azar

domingo, 1 de janeiro de 2012

Doravante, à Alma


Doravante, os sonhos serão sóis
Que ofuscam a vida
Guardada num cofre de ossos.

Doravante, o reencarnar da fénix
Será o teu coração
Que destila a alma a cada batimento.

Doravante, será essa a purificação
Dos desejos que imbuis
Nas palavras não ditas.

Doravante, dar-te-ei a mão,
Entrelaçarei os dedos nos teus,
E passearemos noutros horizontes.

Partimos à conquista do Mundo Encantado;
Minha Donzela, não te apartes de mim,
Que sem alma sou lembrança.

E as lembranças são Passado…