quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O Lago

Deslizaste, com uma suavidade algures de surreal, o sentido do tacto, na superfície que te espreitava sem curiosidade, atentando ao frio gélido, aos beijos que saboreavam ternura incompreendida e inquirindo questões aquando a reflexão, aquando a reminiscência do perdido irreflectido que abandonado se largara de afeições e ali mergulhara, manto de abstinência do real, onde adormeceu.

Vagarosamente, cerraste as pálpebras que pesavam os anos do mundo, deixando de fitar aquele que te olhava desinteressado, como se nada fosses para além do passar da brisa tardia à sua janela envidraçada. Entreabriste os lábios e chamaste pelo seu nome, irreconhecível à voz da razão, amante da solidão e perdido também ele nos confins imersos dos seus domínios. Mas ele ignorou-te. Repetiste, mais alto que o tom dos deuses, mais forte que o ribombar das ondas tormentosas que se envolvem em danças ditas terríveis no seu amor. Ele voltou-te as costas e tu choraste. Porém, ninguém mais o fez. Seria aquilo a impiedade que te reservara o derradeiro cabo que tentaras ultrapassar?

Oh, não acredito. Tenta ir mais longe. Mergulha nele e alcança-o, invoca doce a esperança dos mitos, a candura dos céus que te perscrutam. Leva contigo o poder do Astro Rei, e a bondade da terna Rainha. Clama novamente nome o seu e clama o teu, une a vontade com o querer, confia e acredita e alcançá-lo-ás no fim do tudo, na fronteira do inconstante com o intemporal. E aí, olhar-te-á ele, reconhecendo a macia tez da brancura imaculada, as plumas rubras da bravura passada e mar profundo de negro, algures inexplorado, algures por encontrar, no azul do teu olhar.

E estendes-lhe a mão de coração aberto, agora reconhecido o encoberto do espírito teu.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Fada

Chamem ritos
Deuses proscritos,
Pós mortos que os convido!
Celebro natura gente dos céus,
Canto fábulas aos teus
Crentes em que acredito.

Realço-lhes a beleza
E não duvido, na incerteza,
Infinita que terão de desconhecida!
E da morte não sabem elas,
Além da vida que descrevem
Ou aquando a queda a profundeza.

Conto conto tonto
É este que pesponto
À crença vossa, corrupta!
Não o sabem, sei-o eu
Mentira é esta a falada
Não a cantada a contraponto.

Pois sagazes
São palavras perspicazes,
Não as do meu pranto.
Pois as canto em dor sentida
Aquela sofrida que chora
Local tristonho onde ora jazes.

Chora pela calma
Essa que na desalma
Roubou lembrança a do mundo.
Meu desdito defunto
Roubaste beleza a da fada
E do mundo certeza a da alma.

sábado, 27 de dezembro de 2008

O Sol



Nasce Sol crescente
Em algures horizontes distantes.
Corre disposto a dar luz,
Cruzando incontidos instantes,
A que a aurora te conduz.

Palmilha, avançando lento,
Caminhos que percorres dentro e fora,
Incansáveis trilhos do mar
Esses em que quente na demora
Te conténs em parar.

E, por fim, nesse teu distante,
Vislumbro nascer que deslumbra,
Sonho e sorriso de amar.

E abro os braços, expectante,
Ao teu raiar que vislumbra
Alento meu, o d'almejar.



(Hum... chamemos a este poema uma prenda de Natal atrasada para todos os meus mais que queridos amigos ^.^
Sim, é uma prenda de pouca qualidade, eu própria admito... *snif*)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O Tronco do Carvalho Ancião

A firmeza a que te recostas foi rendilhada em chagas de sabedoria; pespontada a dourado que o tempo deixou, algures perdido em confins sem retorno; e, por fim, enrugada em folhos de belo traje de salão de baile, rico de simplicidade, onde despontam esmeraldas e florescem safiras, sob um sorrir que se ergue tão longínquo, onde só os grandes se atrevem a ir.

Tacteias cada encruzilhada que se lhe inscreve, seguindo, trôpego, trilhos que não constam nos mapas da tua memória. Pois esses labirintos murmuram caminhos para outros mundos, não avisando escarpas ou montanhas, mas clamando candeias que te iluminam, se assim te destinou o fado. E segue-las de olhos fechados e espírito aberto, por caminhos de terra batida e raízes que te afagam o corpo com desejo de contigo ficar. Contudo continuas a ziguezaguear, seguindo as luzes bruxuleantes e esquecendo olhos que te espreitam, escondidos do negro que se perde sob os passos que caminhas sem caminhar.

De súbito, paras o teu avanço e escutas o silêncio que te acompanha. Não o sentes sussurrar palavras indistintas? Sim, sentes. No entanto, não acreditas que o silêncio faça tal. Assim sendo, quem mais te guiaria por entre a escuridão de uma alma que envolve o tempo e o conhece como ninguém? Só aquele a quem as dádivas dos deuses foram concedidas, companheiro e guardião ancestral que vive, viveu e viverá, observando e escutando, vida pulsante a que te entregas, adormecido.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Vitória (Sobre o Tempo)


Derradeiro o teu canto soou alto

E rompeu véus cegos que te cobriam.

E gritaste. Fúria tua a do tempo,

Tanto aquele que passou.

Passou e esvoaçou.

Céu vivo que o engoliu.

E riu-se, gritando glória,

No devir da liberdade leda do esvair.

Glória a nossa, a da vitória.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A Bola de Neve

A bola branca escorregou, ligeira,
Ladeira abaixo, sem parar.
E cresceu com o tempo do escorregar,
Cada vez maior e mais densa,
Saltitando aqui e acolá,
Batendo em ramos enfeitados,
Chocando com fitas florescentes
E batendo de frio, entre-dentes,
Aquele arcaico chocalhar.
Por fim parou a sua queda
E como crescera para o espanto dos demais!
De bola pequenina passara a prenda
Adormecida sobre as agulhas do abeto,
Ou pinheirinho pequeno.
Alguém a segurou entre as mãos
Tão minúsculas que desapareciam
Por entre laços e laçarotes.
A bola ficou contente ao sentir-se aconchegada.
E já não de neve mas de papel,
Acreditou na magia do Natal.




(Hum... nunca escrevi nada tão... enfim...)



Fechadura



Curioso, espreitaste devagarinho
Pela fechadura inanimada,
Espreitaste algures o negro
Ninho do Nada, que escondido
Adormecido de sozinho,
Com o Tudo sonhava.

E veio-te o cheiro a bafio,
Aquele do tempo a passar.
Subtil perfume de rosas velhas,
Trigueiro sabor do rio,
Rumo ao passado antigo
Da madeira a crepitar.

Então escutas um lamento,
Som soturno de sonante.
Qual suspiro de cansaço,
É canto vago do momento,
Morto de esperanças vivas,
Esse clamor expectante.

Pede-te a chave que não tens,
E tentas em vão encontrar.
Ficou perdida nas sombras,
Fora do tempo onde manténs
Memória encoberta de antiga
A dessa chave milenar.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Escarpa



Revejo rotas distantes percorridas,
Baixios densos de pantanosos,
Paisagens desertas de denegridas,
E altos que se elevam, grotescos,
Acima do abaixo do que ainda virá.
Arrependo-me mas continuo, sem ver,
Sempre para cima, espreitando
O que de baixo, cego, me espreita
Com finda fome de comer.
Arrepio-me e vacilo.
Os dentes estropiados esperam-me
Baixo, tão em baixo do percorrido.
E pergunto aos céus que me acenam,
Surdos santos ao meu apelo:
«Como ousei fazê-lo?
Desafiar gravítica força dos deuses,
Dada tormenta de crentes?»
Pois sim, desafiei-os,
Guerra aberta ou vão esforço.
Diria-me insano, não fosse o querer voltar.
Mas não voltei…
Escorreguei,
Escarpa abaixo, fragoso trilho.
Caí perdido sobre a boca em brecha
Daquele meu desafio.


(ultimamente não tenho andado mesmo nada inspirada...)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Inferno (Divagações)

Reinas num paraíso, vasto de pequeno, infinito de sentimento, entre fronteiras do coração. A coroa de flores ornamenta-te de saber, aquele que possuis e ofereces, generosa, mas ninguém recebe. Temem-no. Que lhes murmura ele de tão assustador? Falará de monstros cruéis, vis desumanos desditos, infernos de mil planos e recantos, onde poderão habitar? Não… simplesmente sussurra pedidos de amor e compaixão. E que coisa horrível a consideram! Para eles o sofrimento é santo, a agonia é divina e o martírio terapia! Ah! Elevam os mártires a deuses! Eu também elevo, pobres deuses coitados que não conhecem o sorriso, pelejam por outro deus, dado a vigores do horrendo. E isso desilude-te. Lamentas por eles, choras por eles, mas não deverias fazê-lo. Eles ouvem-te e contudo ignoram-te. Correm de braços abertos para as chamas e queimam-se, esperando a salvação! Oh… Não me peças paciência que este egoísmo repugna-me. Sofrer propositadamente acreditando na piedade e chamar bondade a oferendas de segunda ou terceira intenção? Bem lhes desejo uma viagem para o Inferno e acredito que ele os aguarde ansiosamente. Que vão, neste mundo não fazem falta, estragam-no e destroem-no, o reino do teu coração

sábado, 20 de dezembro de 2008

Pagãos



Ambos fugimos, perdidos.
Em fogo perpétuo queimados
Quando nascidos, desamados,
Pois aos deuses o abandono é fútil
Acto que desabrocha flor sim, flor não.
Dizem-no vulgar, eu chamo-o vil,
Acto servil do coração.

Sim, servil chamo-o eu
Aquele acto perpetrado.
Não o sabem, sei-o eu do Fado
Farto que os controla vivo e renascido.
É ele Deus, digo e repito,
Amor nosso, funesto amigo.

E, em glória, ergue montanhas,
Mantos onde hoje enterra
Vida e alma doce, aquela que fizera.
Pranto é seu, o dos pequenos,
Esses sim, seus proscritos.
Bichos tolos, tão terrenos,
Os dos deuses desditos.


(note-se que não critico o paganismo)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Céu Nocturno


Vislumbro vista de céu distante,
Negro mar navegado.
Aportaste já em terra nossa, navegaste,
Nomeado, correntes do fado,
E não naufragaste.

Porém, pontos que luzem lá longe,
Caminham perdidos de cansados.
Procuram mas não encontram
Trilho teu, encontrado,
A que os deuses t’achegaram.

E continuarão rumo fora,
Correndo marés de areia,
Algures labirintos por lavrar.
É terra selvagem, esquecida teia
Onde não sabem navegar.

Temes por eles, alma de alento.
Não temas que um dia chegarão,
Vindos de algures na brisa amena.
E com o Deus Vento no coração,
É cantiga sua, a cítara serena.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Síndrome da Fantasia (Parte III - A Floresta)

O crepúsculo aproximava-se por de trás de nós, cobrindo a imensidão do deserto palmilhado, com um sopro ténue mas persistente, que nos acompanhava qual guardião de reino distante, aquele a que chegávamos, por fim. O humano que me acompanhava permanecia comigo, de alma e coração, e maior surpresa não poderia existir! Eu que imaginava que ele se perderia nos confins exóticos além-mar! Mas não, continuava a meu lado, com aquele seu olhar imperscrutável e pouco definido. Reparo, estupefacto, que nunca antes o olhei nos olhos e agora que deles tenho um vislumbro, noto o verde de natura que deles brilham. Deveria ter-me questionado quanto à sua pessoa, inquiri-lo das suas origens e gostos. Das suas crenças, aquelas que parecia não ter. Porém, o que estava feito, feito estava. Voltar atrás seria quebrar marés do Deus Vento e decepção certa para mim. Atentei ao que se me deparava e esqueci passados próximos, talvez erros impensados.

Vês folhagem alta que se ergue até céu finito e o ultrapassa em grandeza, caminhando sem descanso até às estrelas longínquas? Esta é a Floresta Sagrada, aquela de que te falei ao princípio da viagem, quando não crias sequer em simples Filhas do Mar. O que dizes? Não, não são pessoas com barbatanas, não digas blasfémia tal! Nunca compares os filhos dos elementos com medíocres humanos, esses que vivem para si e do seu egoísmo. Mas não discutamos assunto intrincado esse, que se me revolta o coração. Antes, observa riqueza esta do Mundo nosso que se esconde de nós! Conheces agora o desconhecido e sabe-lo belo. Perigoso, mas belo. Contudo, para onde caminhamos agora, não há perigo que te espreite. É o doce lar dos sábios vivos imortais, amantes da Mãe Natura. Não escutes agora o Vento, atenta à melodia singela que nos chega do ramalhar dos braços que nos acolhem. E nota naquelas luzinhas esvoaçantes que nos aclamam! Não! Não são pirilampos, impropério descrente dos deuses! São inocentes Fadas, Filhas das Flores que nos recebem alegres de contemplar humanos que lhes chegam do longe inalcançável. Dizes que não vieste de longe inalcançável nenhum? E ousas afirmar ainda que eu é que sou o insano!

Os nossos pés exaustos pisaram terra firme, abandonando areias traiçoeiras e desgostosas. Aquele par de almas não tinham elas tomado para suas. Os pequenos seres luminosos achegaram-se a nós, bruxuleando por entre os troncos da orla da Grande Floresta e, para meu espanto, rodearam o meu companheiro que sorriu como se de família tratassem. Os seus olhos esmeralda brilharam de magia e, num repente perceptível, mudaram para azul, depois para castanho e de seguida para mel, chegando ao cinzento e mergulhando novamente no esverdeado doce de planta recém-nascida. Senti lábios meus formarem exclamação sem voz, mas ele pareceu ouvir e sorriu-me.

«Vem», convidou. E eu fui, guiado pela mão. Da sua voz pendia o sabor da eternidade e, enquanto avançávamos cada vez mais para o âmago de tão vasto reino, apercebi-me das diferenças subtis que o distinguiam de mim e de outros vulgares humanos. As orelhas formavam um pequeno bico na ponta, o cabelo era mais sedoso que a seda que os bichinhos teciam, a voz era meiga, qual ribeiro manso que serpenteia por vales imensos e a aura emanada era pura, essa que guiava a minha para algures indefinidos de loucura insana. E como eram belos!

Por fim, encontrara o meu paraíso. E jamais dele abdicarei. Que fiquem o sãos no seu mundo de enganos, perpétuas vidas sem vida que os engolem. Talvez aqueles vis espíritos do deserto se entretenham com eles. Não que acredite que as suas almas tenham o que consumir. Não desejo indigestões seja a quem for.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Síndrome da Fantasia (Parte II - O Deserto)

O navio atracou no mar do deserto, lançando âncora sobre as areias frescas da manhã. O Sol acabara de nascer e estendia os seus vagos e etéreos raiares corpusculares numa aurora que respirava esplendor. Desci rapidamente para o solo mole e algures movediço, inspirando o ar quente que ainda estaria para vir. Porém, nesse ar pendiam ínfimas gotas dos cinco elementos sagrados. Podia sentir o Fogo que não queimava, mas aquecia; a Água que não afogava, mas hidratava; o Ar que não asfixiava, mas respirava; a Terra que não soterrava, mas nascia; e a Vida, essa que não matava, mas vivia. E tudo isso numa simples inspiração.

Também sentes? Não sentes?! Oh… Já me pergunto o que farei aqui contigo e porque razão me continuas a seguir se nada consegues vislumbrar, com ou sem o olhar! Responde-me porquê. Não queres responder? Ah! Criatura pérfida… deixas-me então na expectativa? Como quiseres então. Continuarei o meu caminho, até às florestas além deserto do mar. Se quiseres, segue-me. Mas depois não te queixes caso os elementos não sustentem essa tua ignorância e insensibilidade, e desfaleças aos muitos e muitos, pois aqui não esperes que seja aos poucos e poucos. Se Eles acharem que não mereces continuar, não continuarás. Não te importas? Bem, louvo a tua coragem, mas padeço pela tua insensatez. Almejo luz para o teu espírito, e que ele te saiba encaminhar, pelos trilhos cerrados do tudo e do nada.

Continuei em frente, seguindo o meu instinto que, por sua vez, seguia aquele doce manjar que pairava qual perfume das fadas. E ele seguiu-me também, inconsciente e descrente humano. Não havia ali qualquer sereia que o encantasse, mas seres muito mais revoltos que adoravam banquetear-se de mentes sãs, tornando-as insanas, que sublimavam almas humanas ao ponto de as cobiçarem unicamente para si. E o quanto encantava uma exótica serpente! Sim, era um local dito perigoso. E a fraca brisa que o Deus Vento nos enviava, avisava-nos de tal. Mas o meu companheiro não o escutava, virando de vez em vez, a cabeça para o navio que abandonava entre a imensidão. Pobre ignorante.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Mar Infinito



Remo e relembro ária fresca e distante,
Relembro os dias em que se encantavam os deuses.
Sorriam de alento serenos, por vezes,
Floriam vivos vindos de além-mar finito
E cantavam também comigo.

Relembro ave em chamas que se erguia
Em etérea glória, finda de eterna, fogosa.
Lágrimas suas, milagres meus perdidos.
Relembro plumas negras de vermelhas
E continuo a remar pelo mar finito.

Relembro céus de veludo, pintados a tinta e carvão,
Pincel, guache e tela, lá em mundos milenares.
Relembro utopias, vivas lendas de coração
Felino, heróico de heresia e amares,
Relembro e remo com destino à imensidão dos mares.

Relembro a graça ninfa do bailar
De maré e canto e melodia do marulhar.
Relembro prece e pedido, não do remo o manejo,
Mas descanso dito dormente,
Esse que aqui desejo.

E remo e volto a remar,
E na lembrança guardo infinita a esperança
De aquele mar um dia acabar.
Relembro o dia em que era finito,
Mas quando se tornara infinito de alcançar?

Síndrome da Fantasia (Parte I - Mar Alto)


Escutas o soprar do vento nas velas que se hasteiam? Ele fala, sabias? Conta histórias do mundo ao Mundo, cantadas em furores e fulgores que só ele sabe enfatizar. Não te rias, é verdade. Quando toca na tua pele, transportando no seu corpo areias de desertos longínquos, conta-te as histórias dos grandes magos que secaram lagos gota a gota, que separaram os mares em dois, que plantaram flores nas nuvens e dançaram com fadas nos mundos distantes que nos tocam. E se mergulhares nestas águas que nos rodeiam, verás sereias que nos espreitam curiosas e tímidas, aquelas das lendas que encantavam marinheiros e os faziam naufragar. Olha! Penso ter visto um pouco do seu cabelo flamejante ondular na maresia! Mas não te preocupes, não nos querem elas mal, estão só curiosas de ouvir também o Deus Vento que sopra manso, falando de florestas míticas onde se ama e venera a natureza. E sabes quem as habita, correndo alegres por entre troncos macios e nodosos, descalços e sempre belos? São os elfos, quem mais poderia ser? Eles que falam a língua da Mãe Natureza e sofrem quando ela sofre. Muitos pensam que se extinguiram ou abandonaram para sempre este mundo, desgostosos dos actos feitos e desfeitos que muitos infligem. Mas eu digo-te que é mentira. Nos confins inexpugnáveis, cantam à natura gente que os ouve. E digo-o porque os ouvi um dia. Se escutares esta brisa que enfuna as velas do teu barco, dir-te-á que concorda comigo. E chamas-me louco? Oh! Lamento por tal ouvir. Mas não irei discutir tal desavença ou falta de crença contigo. Prefiro ouvir as histórias, o canto belo que sopra doce no assobio do vento. Quanto a ti, entretém-te com a arte de navegar. E se vires alguma sereia acenar-te, aproxima-te. Ela só quer conversar. E talvez, quem sabe, te enamores dela e aqui fiques, banhando-te na maré do desconhecido. Mas nada temas, pois é singelo e belo. Só se esconde por pensar que não simpatizarás com ele.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Chuva



Sorvo chá em charcos
Que a chuva encheu.
Chapinho neles, chamando-te,
Para neles chapinhares,
Chance tua de brincares,
Artista d'alegres amares!

E abres chapéu-de-chuva
Colocas cachecol ou xaile,
E sais rua fora, chocalhante,
Guizos esses, chinfrim!
Chegas aos saltos à chuva
De chucha na boca, criança!

Oh! Mas achegas-te ao charco,
Escorregas e cais!
Corres choroso, chamando
Pela mãe, qual chaleira
Em chamas que se extinguem
Ao chuvisco da manhã.

Então, fecho à chave lembranças,
Trechos são estes passados,
Algures perdidos de achados.
Já não chapinho à chuva
Já não choras, criança.
Já não te chamo, esperança.

sábado, 6 de dezembro de 2008

O Caminho das Fadas



Ouve, deusas tuas que vês,
Pequenas e doces
No Passado das vozes.
Perdidas somente em sonhos
Clamam de profundo encanto
Na natura de todos.

E dizes que não.
E digo que sim.
Caminhas do errado,
Em frente, sempre em frente.
Infância, distância de trás,
Simples sentido de crente,
Calçada verde de paz.

É esse trilho que não crês
Que cobre o mundo do encanto!
Não te encantes, não vês
Vaga a doçura do tudo,
Beleza nossa nativa
A do mundo desnudo.

Pudesses tu crer,
Poderias viver.
Mas não crês, não vives.
Não te baniram, baniste-te.
Lamento, e deusas minhas também.
Lamentam, pois partiste
Para o mundo de ninguém.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Metamorfose



Sobre as ameias do rio
Espreita dentro, olho fora,
Sorriso doce de demora,
Brilhar ardente de frio.

E pensasse água em fogo pardo,
Seco da sede que o encalça
Espreita escondido da vidraça
Nítida, palpitante bardo.

Torna então escamas em plumas,
Pronto de asas abertas,
Voa distante, distâncias certas
Em canto seu das dunas.

E olha-o espantado, é mágico
Tesouro que te roubas em alma.
Quere-lo, voar nadando em salva
Sonhos de tão fim trágico.

Não o queiras, é dele as vontades,
Donde nascem espigas do mar,
É peixinho contente a nadar,
De voar não prende saudades.

Pois o faz, vivo em vivências
Mago metafórico de metamorfoses!
Sente-o, é puro de vozes
Rico de conscientes inconsciências.

Doravante, meu caro, doravante,
Dormirás pleno na água que voa
Desse corrido rio que entoa
Canto algures distante.

Pois saberás peixe que sonhou
E a quem Liberdade livraste.
Podes não voar, mas amaste,
Ser esse que nadou e voou .

domingo, 30 de novembro de 2008

Perdão



Doce donzela, peço perdão.
Foi-me impossível catalisar
Em rima a rima o cantar
Que nos versos se imiscuem.
E peço o perdão que não mereço
Pois vazio sou, esse que careço.
(Não o negues)

Quis escrever, não consegui,
Feio truque, sinto murcho
O silêncio de aprendiz.
Perdoa o medíocre,
Tola vida que se desdiz.
(E que amaldiçoada seja eu)

E pensas “idiota fofa”,
Talvez idiota, fofa não.
Que penso o impensável,
Minto-me com verdades
E sou vil até mais não!
(Ah, pois sou, não tenhas dúvidas)

E como egocêntrico me parece
Poema reles, rançoso,
Estupidez esta desapegada!
Perdoa tagarelice que te enfada.
Maldita ou malograda.
(Não perdoes, não mereço.)

Almejava um só desejo
O que de feliz esperasses
E que espera essa abraçasses
Em esperanças, tais vinganças.
Pois o Mal é imortal e tu és o Mal!
(Ou não, não és o Mal. És uma coisa quida,
Minha querida amiga.)
.
[Dedicado à minha mais querida amiga, Catarina ^^]

Absurdo!



Para e ouve. Não ouves?
Então debruça-te um pouco mais
E escutas-me a mim a murmurar.
Vozinha pequenina, sussurro.
E que fala ela?
Fala do eterno absurdo!
Ora que mais poderia ser?
O absurdo de viver,
O absurdo que é surreal.
E pergunto o que tem de mal?
Nada tem, ora esta.
Para mim o absurdo é encanto,
É salão onde bailo em festa,
Baila comigo, bailas?
Que baile toda a gente com o absurdo!
Sapateado a dentro, gargalhada fora
Baila com o compasso da demora.
Vive-o, crescer vivo
Vontades de ler o impossível.
E o impossível é absurdo!
E do que é, fala mudo.
Nós somos o absurdo
E o absurdo é belo!
Nós somos belos,
Belos absurdos.
Porque o absurdo é tudo.
E também nós somos esse tudo
O tudo que contudo
Confunde os paços de dança mudos
Com borboletas floridas!
E dizes “absurdo!”
E digo-o eu também.
A Alice também o disse
“Que grande absurdo mundo”,
Que conversa de “absurdice”!
Mas é uma conversa real
Uma conversa que não tem qualquer mal
E se lhe descobrires o fim
De tagarelice a confim
Chamo-te absurdo
E deito-te a língua de fora.

[dedicado ao meu querido amigo Ker]

sábado, 29 de novembro de 2008

Um Sorriso



Tenro dote é esse,
Alma e alento de criança.
Conta sonhos, conta vida,
Conto nele a esperança.
É um sorriso.

E salta alegre, arco-íris!
Rompe ameias de desgosto
Dito vil, veias pulsantes
Senso de Sol contraposto.
E nele te enfatizo.

Porém, pura meiguice,
Será lume que queima
Quão luto alumiado
De composto solo seiva?
Oh! Não acredito.

Pois pintas pronto os céus,
Em cor só tua que anseias
Únicas vagas vontades
Essas deusas que enleias.
É teu o sorriso.

Então vê este o meu querer,
Sombra de fé, prece perdida.
Sorrio ténue ao sorrir
Sonho e conto, decaída.
Um sorriso impreciso.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O Silêncio da Campina


Anabela esticou os braços para cima, escutando as vértebras estalarem ao sentirem-se repuxadas. Dormira durante toda a tarde na campina do avô, tão descansada quanto lhe era possível. Era um dia de Primavera quente, mas nublado, o que impedira o Sol de incomodá-la. Não gostava do Sol. Aquele seu brilho inoportuno transformaria o seu descanso numa sauna infernal, chamando a si chilreares que não desejava. Ainda bem que ele se extinguira naquele dia.

Voltou a deixar-se cair sobre a relva macia no planalto e inspirou fundo aquele ar que a rodeava por todos e quaisquer lados. Que lhe dizia ele? Nada. Falava-lhe em silêncio sobre o "silêncio". Contava-lhe a sua história silenciosa, e sem sonoridade. Pois era ali que ele habitava em toda a sua plenitude. Nada era, para ele, o cantar das aves, pois espantara-as com um espantalho mudo e carcomido pelas térmitas que eram as suas brisas deprimentes. Os insectos, esses fugiram com os seus predadores. O que assustara as aves, assustara-os também, aura pesada e sem remorso, de atmosfera seca e insípida. E que maravilha era aquele silêncio! Podia gritar, e nem a si própria se ouvia! Ele consumia a sua voz avidamente, com fome dela. Pois, lá bem no fundo, amava-a. Amava os sons que não podia deter. Amava-a a ela, a única que o suportava, pois também o amava, ele que não a deixava escutar-se de tanto a querer ouvir. Ele que lhe ronronava aos ouvidos, e a consumia.

Ele, aquele silêncio da campina.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Maldição


Num vago raio (de remorso),

Gelo que era gelo sublimou

Esperanças tuas em martírios,

E o que era de pecado floriu.

Floriu e sorriu,

Sorriso reverso, esse esgar,

De milagres santos o cantar

Que acena, arauto sarcástico.

Então, chamas-lhe maldição,

Que a ti persegue por vis caminhos.

Não o vou negar, pois o é. Acertaste.

É maldição que em melodia murchaste.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Presentes


Doces, qual luar que enternece,

Digo-vos sonhos ou algo mais.

Mas que algo mais é sublime

Se sonhos o são em arco-íris

Vivos de magia viva?

Então, são mais que o sublime.

E não encontro resposta

Que de mais simples se eternize,

Pois só o simples o faz.

São somente meus amigos,

Sagrados, presentes ilustres que o Fado

Ilustrou, em tinta eterna, no coração.


Pois a simplicidade é imortal.

sábado, 22 de novembro de 2008

A Criança (um pequeno e resumido conto)

Um grito rompeu a noite, acordando-a do torpor negro, enquanto o seu veludo cobria São Petersburgo. Fora um grito de dor e alívio, um grito que se extinguiu na imensidão de uma minúscula habitação que se desfazia aos poucos com o passar inexorável dos anos. Quando Ele abriu os olhos, Ela cerrou-os. Oferecera-lhe o último fôlego num suspiro há muito preso no seu íntimo. Por fim, poderia descansar.

A parteira segurou a criança nos braços, observando os bracinhos débeis que se erguiam para a sua face. O pequeno ser parecia não sentir o frio que retinia em cada partícula de ar, e os olhos, de um cinzento expressivo, estavam abertos e miravam-na com uma curiosidade que nunca antes vira noutro recém-nascido. Não se surpreenderia se, quando crescido, se tornasse num rapazinho inteligente. Mas a um plebeu não era dada escolha. Ou trabalhava, ou mendigava. Essas eram as regras no Império dos Czares.

Embrulhou-o num trapo branco, onde o limpou do sangue e dos resquícios de líquido amniótico. Mal deu atenção ao corpo da mãe. Os vivos tinham prioridade, apesar daquele só o parecer estar, por fitá-la tão atentamente. Não fizera qualquer ruído ainda. Era normal que não o fizessem, quando nasciam em pleno Inverno, mas isso acontecia por nascerem mortos. Mas aquele não. Era tal a vivacidade do seu olhar de prata, que sentia um arrepio percorrê-la quando os olhares se cruzavam. Parecia consciente da sua presença, julgando cada um dos seus gestos. Felizmente deixá-lo-ia no orfanato no dia seguinte.

Após trajar a morta convencionalmente, para que, quando fossem buscar o cadáver, não se ressaltassem com os restos sangrentos do parto, saiu para a álgida frescura, iluminada por candeeiros a gás. As botas rústicas deixaram pegadas na neve que se acumulava lentamente fazia uma hora. Quem a quisesse seguir, fá-lo-ia facilmente, porém ninguém palmilhava as ruas numa noite como aquela, pelo menos alguém vivo não o faria.

De manhã, a parteira, com o bebé bem ajustado aos seus braços, avançou decidida até ao orfanato da cidade. O que realmente desejava era ver-se livre do encargo que transportava. Como era possível um bebé tão minúsculo não chorar? Não se assustar com tal mudança que era o aconchego no ventre da mãe e a crueza do mundo? Não parecia correcto.

Bateu com força às altas portas e esperou o que lhe pareceram ser dez minutos, até que alguém se dignasse a abrir-lhe a porta.

- Outro? – Inquiriu uma mulher com frieza, sem estender os braços para receber a criança.

- Sim, outro. Nasceu de madrugada – respondeu, retribuindo o tom, enquanto tomava a iniciativa de se livrar da criança.

A governanta pegou-lhe em contragosto, mostrando uma enorme aversão. A parteira não compreendia como é que uma pessoa daquelas trabalhava num orfanato atafulhado de miúdos. Lamentava por eles, mas nada podia fazer. Aliás, ela encarcerara lá uma boa parte dos órfãos que ajudara a nascer.

Vagamente, o sorriso do menino presenciou-a, de olhos cinza com uma pinta de carvão no centro. Bonito, mas de forma alguma amoroso, muito pelo contrário.

.~.~.

A parteira percorreu o espaço entre o casarão e a entrada, numa pequena corrida. Tinha mais que fazer que ficar na conversa com a governanta Voska. Encostou o portão quando saiu e desceu a rua. O frio entranhava-se-lhe pelo esqueleto, obrigando-a a esfregar os braços incessantemente, desde que largara a criança. Olhou para as mãos sem luvas. Estavam azuladas de frio. Inspirou e expirou com dificuldade. Deveriam ter diminuído uns dez graus, subitamente. A brisa soprou forte, levando dos seus cabelos pretos, o chapéu que a protegia do frio. No mesmo instante, o olhar tornou-se vítreo, e a parteira tombou na direcção que o vento seguia, toda ela azul. À sua frente, o par de pegadas que era o seu e que seguira para o orfanato, estava acompanhado por outros, de pés mais pequenos e descalços, a que ninguém viu dono.

.~.~.

Dez anos depois:

Ivanov observou a governanta Voska ser levada pelas forças superiores, por de trás de um arbusto do pátio. Não sorria nem chorava. Voska era acusada do assassínio de todas as crianças do orfanato que, ao longo de dez anos, foram morrendo, ou desaparecendo, uma a uma. A última que desaparecera, fora um sossegado rapaz de dez anos, magro e pálido, porém, as poucas pessoas que o conheceram, notavam sempre algo de estranho no seu olhar, ou nas poucas palavras que dizia. Era frio e inteligente, mais do que seria recomendado para aquela altura, não obstante do seu aspecto enfezado. O nome do pobre desaparecido era Ivanov, ele que observava através das folhas perenes que o resguardavam. Deixou que todos se afastassem, para sair do seu esconderijo. Esfregou os olhos, como faria qualquer criança com sono, e bocejou.

Apesar de tudo, estava com fome, muita fome. Mais tarde, iria ter com a repugnante governanta à sua cela, antes de a fuzilarem pelos seus hediondos crimes. E aí, devorar-lhe-ia a alma. Não poderia deixar que a desperdiçassem.

O olhar cruel brilhou uma última vez, antes de se extinguir no próprio ar que respirava. Só um par de pegadas, quase invisíveis, mostrava que uma criança descalça, saíra através do portão fechado a cadeado e descera a rua em direcção às almas que se movimentavam atarefadas no centro da cidade. Mas ninguém se apercebia desses pormenores e, entre tantos vivos, ninguém daria por falta de um ou outro. E ele tinha fome.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Donde derivam as palavras?


Donde derivam as palavras
Que se elevam em suspiros?
Não o sei eu, tu sabes?
Aquele ponto e contraponto
Que corre vago e saltitante
De sentimento em amor,
De raiva em clamor,
De doçura em cinismo,
De sonho em realismo.
Então, não sabes?
Mas deveis sabê-lo!
Mais tu que ninguém.
Pois as falas, não escreves,
Pois as sentes. Não entendes?
Tu criaste tais ditos,
Não eu e tenho-o dito.
Não resguardes do subtil,
Conto esse de embalar.
Dá-mo, que te imploro,
Prostrado em suplícios
Por não o ter e possuir,
Não o beber ou sentir…

.~.~.

O carvão treme-me, indistinto
Na mão que implorava milagres
Ou, quiçá, mais do que isso.
A dúvida estremecia a seu ritmo…

E se não soubesse o desdito
Ler palavras sem sentido
Que ditava ao papel?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Questões ao Vazio



«Que brilho é esse em tua face, que desliza doce?»
Sal é ele e não doce,
É amargo de salgado,
É cadente e inacabado.
Rebelde ribeiro que se amansa
Na secura de um dia quente.

«E porque seca ele, se decai em pureza?»
Porque o abandonou a certeza.
Falta não mais faz .
Desprezo o que de impuro perfaz
Lágrimas minhas que se esvaem
No oculto da alma.

«Desdita criatura, que dizes de cruel sobre ti?»
Sobre mim? Não existe tal aqui.
Vazio, sim, eu sou o Vazio!
Incomensurável esse teu desvario,
Engano imperdoável, indigno,
Confusão em que te diluis.

«Sois louco por tal clamar...»
Não, não sou, louco és tu por amar,
Fúteis palavras, doces encantos.
E depois desfazes-te em prantos,
Bates portas, fechas janelas
E prendes-te na liberdade.

«Que mentiras vis me atiras?!»
Mentiras? Vê antes as que crias!
Eu sou o Nada, não as crio,
E sou o tudo desse teu desvario.
Abraço-te, mas não compreendes,
E foges, louco, de mim.

domingo, 16 de novembro de 2008

Cai...


Decomposto.
Cai espírito de alma
Melíflua, penada,
Em nada.
Cai.
Não te ergas.
Rompeste o putrefacto
Roeste tendões para te livrares
Cego da cegueira da carne
E caíste.
Não te sustém o corpo,
Pois esse morreu
E está morto.
E continuas a cair.
Não encontras o fim.
Cai do infinito,
Cai nesse teu limbo.
Grita, esperneia sem pernas,
Nada contra a corrente,
Mas cai.
Não há volta, não há força
Nada há, para ti.
Só abismo caótico,
Duvidas de contorces análogos,
E mais espíritos que caem.
Caem por cair,
Caem, por não mais existir.
Mas tu existes.
Por isso cai
Não quero eu que existas.
Adeus,
E longa queda almejo,
Meu caríssimo Deus.

Insanidade


As asas bateram plenas
E, num resquício de dor,
Desfaleceram puras plumas,
Nobres aquelas que apenas
Floriram de murcha flor.

Nomeio eu isso de doença,
Peçonha consumista de essência
Que rouba almas de loucura;
Germe de culta presença
Crescente, essa, a tua demência,
Diga-se etérea e de vil cura.

E veneno é, de beleza doce
Dada, da vida para a morte.
Vê-la escrever a sangue
Sentença tua precoce
Teia e aranha do Fado e da Sorte.

Murcharam assim plumas,
Voaram, por fim, pétalas,
Além deuses suseranos.
Destino incerto é rumo que rumas
Nesse voo que desertas...
Oh! Feliz insano!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Rascunho de um Sorriso


Inconscientemente, peguei na minha velha caneta de tinta permanente azul, enquanto fitava um ainda mais velho caderno de páginas amareladas que encontrara no sótão da minha avó. As folhas estavam já carcomidas pelo tempo, apesar de desconfiar que eram uns bichinhos rastejantes que por lá havia que davam um empurrãozinho bastante forte ao apetite voraz do dito. Mas isso não passava de um pormenor que, de momento, não me era chamativo. Algo mais se remexia inquietamente na mente, picando-me sem compaixão e levando-me até à frente daquele caderno fútil, aos olhos dos vulgares mortais.

Levemente, bati com a caneta na têmpora direita, organizando palavras que mais tarde poderiam formar frases. Porém, tudo não passava de uma possibilidade. Revirei os olhos, fitando os cantos da sala onde me encontrava, mas ela não me inspirava, demasiado branca para poder acalentar a paz que era devida à cor. Por que não um sorriso? Sim, um sorriso! Era isso mesmo que queria que aquele papel ostentasse. Não um sorriso fingido, de onde não se distingue a verdade da mentira, mas um sorriso construído em palavras, um sorriso que ninguém poderia revogar ou contestar, um sorriso puro. Era esse o sorriso que tanto almejava.

Pousei a ponta metalizada da caneta sobre o papel, deixando que uma pinta se estriasse em curvas e contracurvas, por um diâmetro reduzido, antes de iniciar uma escrita rápida e floreada. As letras sucediam-se, palavra a palavra, espelhando aquilo que o meu espírito encantado engendrava, organizava e tentava planificar. A página preencheu-se, quase por magia, de seguida a folha e, por fim, todo o caderno, naquela letra miudinha e esguia de quem escreve direito por linhas tortas. Eu sabia o que queria, e era aquilo que estava ali, descrito em ínfimos pormenores.

Contudo, levei a caneta aos lábios e mordisquei-a, algo decepcionada com a verdade incondicional do que escrevera. Não passava aquilo de um mero e esmerado rascunho, elaborado num minuto eterno. Pois o que eu queria era a Realidade. Desejava um espelho em imagem das palavras. Alguém deveria sentir aquilo, alguém deveria possuir aquele sorriso que de inocência renascia do mais profundo e obscuro ser. Mas quem poderia ser?

Soltei um suspiro cansado, pousando a caneta e fechando o caderno com algum lamento. Da capa, sorria-me a fotografia de uma criança. Talvez tivesse sido aquela a minha inspiração espontânea e de que nem dera conta. Mas, inspiração ou não, nada me fazia crer que aquele fosse um sorriso verdadeiro. Mas as minhas palavras sim, essas eram sinceras, não obstante de serem um esboço do que poderia vir a ser um sorriso.

Talvez uma imagem valha mais que mil palavras mas, de momento, só estas palavras me sorriem.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Sereia



Qual deusa de intempéries
Sopras de dentro vento teu,
Folgo insano de rebelde,
Esse doce canto que a mim impele,
A devaneios loucos de Romeu.

Bailas vinganças, minhas ditas,
À voz mansa do destino
E hesitas dardejos de esperança,
Inocente, és qualquer criança,
Em perdido desatino.

Ao que a natureza negou
Cicatrizes de mão estendeste,
Aberta de cruel desventura.
Mão que finou tortura
Simples, do nó que prendeste.

Mas que prisão é esta agora?
Sei-a corrente e presa em mim,
Claustro de misericórdia a tua.
Prevejo, visão minha nua,
Horrores que me trespassam, espadachim.

Pois espada arguta é essa,
Com qual danças, sereia.
Romeu sou eu, caído,
Quiçá, por ti perdido
Nos negros rochedos da areia.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Outono e Primavera


A frescura verde do dia escorrera das árvores, qual seiva que se destila em sem fim fragmentos num Outono precoce. O chilrear melodioso das aves tentava buscar essa verdura que segundo a segundo se desvanecia, no entanto, não esperava ela por eles, não se achegava aos seus cantares vivos para os acolher.

Fugia,
Cada vez mais distante,
Cada vez mais débil,
Cada vez mais esguia.

Muitas desistiram da sua aventura chilreante, de buscar tom aquele que se esvaiu, e nenhum sabia para onde. Cansaram-se e partiram, para, quem sabe, num qualquer dia regressar e averiguar, que destino inglório era aquele que sem dó se abatia, em cada folha que admiravam tão ou mais que os deuses sem nome que as regiam.

Fugiram,
Cada vez mais distantes,
Cada vez mais débeis,
Cada vez mais esguias.

Porém, persistente a saudade ficou, e muitos, muitos dias mais tarde, cada uma delas regressou, ao seu lar que as abandonara inexoravelmente. E qual foi a sua surpresa quando, no horizonte, lhes acenaram braços verdejantes e convidativos à brisa quente do entardecer! Estranho fenómeno aquele, o daquelas árvores que cantavam ramalhares doces e amenos e tão chamativos! Conheciam-nas! Tinham elas voltado à vida, ressuscitadas dos confins da terra. A vida corria novamente nelas, e tão viva! A frescura verde do dia regressara às árvores, aquela frescura verde só sua!

Regressara bela!
Cada vez mais próxima,
Cada vez mais viva,
Cada vez mais ela!

E regressaram aves minhas!
Cada vez mais próximas,
Cada vez mais vivas.
Regressaram deusas andorinhas!

sábado, 8 de novembro de 2008

Disperso do Fado



Escuto lamento que se percute
Passo ante passo, cantando,
Qual sonho disperso entre
Daninhas ervas sem fado.

Lamento de não ver a vista
Que por horizontes acenava,
Sem folgo levada acenando,
Incansável e pequena na brisa.

Culpa destes toscos pinheiros
Que em labirintos me confundem,
Afastando do longe para o longínquo
Aquela por quem oiço e chamo.

Boiça inculta, esta, meu entrave,
Vertes cegueira ao que de mim
Em pontas de pés cansados se ergue
Num vislumbro do impossível!

Foi-se a voz que clamava o nome
Só dos deuses conhecido.
Foi-se para não mais voltar
Ao silêncio que abandonou, por fim.

Decaio só, entre ti, sentindo,
Vida natura que te embala
Em gemidos que germinam.
(Mas os sonhos nascem nesse embalar)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Frio



Frio é o que me perpassa em mil flechas simultâneas, neste preciso mas indeciso momento. Nada sinto, para além deste respirar desesperado, que incendeia vapores que se escapam inevitavelmente dos meus lábios semiabertos. É a energia vital que se esvai, pois quimicamente, nada é o frio e nada é o calor. Simplesmente uma transferência de energia. E a falta de energia que existe no ambiente, suga a minha sem qualquer autorização, devora-me sem consideração, cruel e sem compaixão. Há muito que deixei de saber o que é o movimentar, os meus dedos são pura pedra sem vida, arroxeados, de sangue coagulado que se desleixou da sua função.

É-me impossível erguer deste glaciar onde me encerraram comigo própria e com outros que não consigo já distinguir. Todos eles roxos ou azuis. Que estranha cor para definir um humano, nunca antes me fora permitido ver tal, mas agora que o vejo, os meus olhos cor de gelo encerram-se para não mais os ver.

O cansaço toma, finalmente, conta de mim, enquanto os meus dentes terminam um batimento marcado, um contra o outro. Aquele calor que o meu corpo cedia ao ambiente que me avizinhava, retardava-me o metabolismo, até que este, por fim, parasse. Retirava-me o meu, e só meu, calor e deixava-me fria, tão fria… e sem vida.
[Dedicado à primeira lei da termodinâmica xD]

domingo, 2 de novembro de 2008

Outono


Em tons de castanho, melancolia,

E num brilhar de Sol silencioso,

Permanece murcho o mundo

No seu decaído absurdo.

O verde espontâneo levou-se,

Do despontar etéreo que restou?

Oh! Cai tudo, nada fica.

Dormem sós, dormem esperando,

Braços despidos e entristecidos.

Dormimos assim nós,

De olhares atentos aguardando

O renascer da vida.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Harpa



Dedilhas cordas frementes
De harpa minha que entoa e canta
Alegre alento de anjos iludidos.
Suspira em seu corpo dissabores
Deusa viva de amores
E encantos em Vénus sentidos.

Escuta, então, sedução essa, a dela,
Clamando pureza do que é belo,
Utopia de belezas surreais.
Pois ela sonha, do Perfeito
Implorando sua vinda
Para a desdita vida dos demais.

Porém não desperta ele
Ao chamamento que repica
Sinos de melodia divina!
Cai no desalento do desuso,
Doce harpa de cordas gastas,
Nos contados confins da vida.

domingo, 19 de outubro de 2008

Passado


Escuta-o reclamar,

Quem dita Presente e Futuro.

Do silêncio ergue-se soturno,

Cavalgando cumes de montanhas

E vales do outro mundo.

Possui o poder das Eras,

A força que das feras se extinguiu.

É o Passado, é ele que vos espreita

Nos confins esquecidos do tempo.

É ele, aquele que em piedade e dó

Se desmoronou para não mais voltar.

Mas voltou.

Presente e Futuro


Somos Presente e Futuro,

Aqueles que perseguem,

Linha após ante linha,

Presságios apaziguadores

Do nada que é tudo.

Sabemos a verdade da mentira,

Mentimos com verdades sentidas.

Controlamos. Somos o Destino.

Ordenamos, dos deuses servidores.

E contigo, mortal em nossas mãos,

Brincamos. Marionete de veias

Pulsantes de fulgor.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Meia Noite




Tic, Tac,
Doze badaladas,
Meia-noite
E o cuco a espreitar
Desta negra casa negra
Ao abandono do crepúsculo
Numa noite densa d'assustar.

Mochos, morcegos,
Corujas e fantasmas,
São esses!
Os que nos vêm assombrar;
Qual sinistra solidão,
Devassa escuridão,
Que nos espia ao luar.

Então corre, foge,
Escondamo-nos onde nos vejam,
Para não nos apanhar.
Coração aos saltos,
Azia intrometida,
Esta maldita falta de ar.

Soam passos,
O pó remexe
A uma corrente de ar
De uma janela por abrir.
Tic, Tac,
Doze badaladas,
“Buuuu!”
Meia-noite sem dormir.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Esperança

Não, não me deixes tu,
Tépida esperança do Viver,
Não apartes para as distâncias
Que essas vis te destroçam,
E mais que tudo te quero,
Para outros querer.

Pois ânimo és tu, o meu,
Nas reentrâncias da Vontade.
Oh! Ninguém crê, mas tu crês,
Que nada mais é a loucura
Que devaneios da verdade
De essência sua a mais pura
Esquecida do cego mundo
Que de tudo já nada vê.

Sopra que te oiço,
Sopra para outros te ouvirem
Neste cansaço meu.
Que soprei sem que me ouvissem,
Soprei em vão.

Resta-me tudo, mas nada tenho.
Só tu me esperas agora
Na indíspar solidão.

sábado, 4 de outubro de 2008

Sonho


Segue sabendo sonhar
Sadios sonhos solarengos
Sonha solstícios sazonais
Simples sonhos sedentos.

Semeia solos sonhadores!
Singra santos subentendidos!
Soletra sonhos s'esplendores,
Sorrisos seus, sentidos!

Sonha segredos segredados,
Sem secretos sinais.
Se sinfonias são, sonha-os...

Pois os sonhos são imortais!





(este poema foi dedicado à minha querida amiga Catarina ^^ )

Serpente

Em ti
Nasci e vivi,
Morri e nasci novamente,
Como que um vento
Que sopra dormente
Num leito consumido
Por um Deus eleito
Nas ameias do respeito.

Reforça-te, destroça-te,
Devora-te num esgar.
Sente os sentidos sentimentais
Servidos em santos
Sagrados por os demais,
E ergue-te do sono
Sonolento ou sonhador
Que sentado se encontra
Entre os anais de um andor.

Logo ouvirás o canto
Ou talvez o grito
De um aflito desdito
Que foge à fuga da manhã
Numa sorte ou azar
De um fado maldito;
Beijo esse que afastas
Num repugnante sorriso.

Por fim ascende-te,
Deambula no paraíso,
Revolteia as palavras.
Prende-te nesse dito friso
Que é a real vida
Da real serpente sem ela,
Fria, cruel donzela,
Mortalha de medo, e sim,
Coberta que a cobre
Num vasto deleite
Nascido em ti
Onde também eu nasci,
Nasci e vivi,
Morri e nasci novamente,
Como que um vento
Que sopra dormente
Num leito consumido
Por um Deus desfeito
E não eleito
Nas ameias do respeito.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Semeia...

.:Semeia migalhas de esperança

Correndo aos saltos de flor em flor:.





(Extremamente inspirador *cof cof*)

sábado, 20 de setembro de 2008

Perdão


Verdades são tuas, as do coração,

E que mentiras soam aos outros!

Dedilham cruas cordas de fulgor,

Fúrias essas só em ti criadas,

Fúrias essas só em ti domadas,

Em veias palpitantes da razão.

Mas de perdão inunda-se o amor,

Flor que desabrocha utopias

De belezas inominadas!

Clemência santa de criança,

É essa a Deusa nossa,

É essa que perdoa e ama!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Era uma vez...



Era assim uma vez
Era segredo era guardado
Que bela insensatez
Que destino que fado…

Era anjo demoníaco
Era donzela era o mal
Era engano aflito
De entendimento mortal

Que inconsciente dardeja
Que resvala que perdura
Que sem riso peleja
Cruel desventura.

Era verdade escondida
Era isso (era mais!)
Era sanidade perdida
Em sopros vendavais

Que enaltece a loucura
Que ama que odeia
Que vence em bravura
E em coragem estonteia.

Era adaga assassina
Era chaga era dor
Era trindade divina
E um pouco de amor

Que vence lutando
Que conquista que... tudo
Que respira rezando
Aos céus de veludo.

Era uma vez um dia
Era noite era luar
Era uma vez a magia
Do Reino do Ar

Que navega cantando
Que desatina que abraça
Que dorme sonhando
Ao som da barcaça.

Era uma vez uma Era
Era que é Era que vê
Que por Ser prospera
Que era aquilo que crê.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Saber



Dizes que não sabes,
Hesitas por estranhar,
O que um dia conheci,
No relembrar do olhar.

De uma delicada ave,
O cantar do rouxinol;
De uma obscura candura,
O pintar do luar;
Da ancestral estrela diurna,
O dançar do pôr-do-sol;
De eras memoráveis.
A escrita milenar.

Prosa e poesia,
São insanos milagres
As dádivas da sabedoria,
Versáteis, hereges,
Curiosos em demasia,
Meus, teus, nossos,
Fecundos na eternidade
Do renascer a cada dia.

Sente-se na ingénua criança,
Vê-se no antigo ancião,
Da efemeridade de uma flor campestre,
À imortalidade de um deus pagão.
Em Atenas reflectidos
O saber e perigos louvados,
Em guerras épicas, vãs,
Aos credos renegados.

Encanto assombroso, dir-me-ás,
Encanto grandioso, dir-te-ei.
Vozes, cantares surreais,
Em musas, ninfas, sereias;
Mitos, lendas reais,
Que a sabedoria divina
Veneram em águas pousadas
De belas sagradas Nereidas.

Dizes então que não sabes,
Muito mais queres saber,
No relembrar do olhar,
De um sopro do Ser.

domingo, 7 de setembro de 2008

Insatisfação



O dia nasce negro
E o coração escurece
Perdendo-se no erro
De que a alma padece.

Espero e nada vejo…
Caminho e nada encontro!
Quem vê invejo,
Quem encontra desencontro.

Suplico e reclamo,
Devolvo o abandono.
Diabólico é o engano
E o abandono assombroso.

Digo-me insatisfeito
Quero infinitamente mais:
A revolta do defeito,
As lágrimas que chorais.

Lamento por não as ter,
Lamento por desconfiar.
Nada mais pode haver
Que a mim possas entregar.

O que és não interessa,
Não o quero saber!
Mas minha alma inquieta
O teu espírito quer ter.

Nada que dizes é vão.
Vejo o mundo no olhar,
Vejo no teu coração
O inocente sonhar.

Pois és tudo o que há,
O sensível sorrir,
És a vida que dá
Ao coração que sentir.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Raios de Sol


Por entre céus de cinza,

Escapam almejados alumiares.

Sorriem à esperança, deusa santa,

Acenam à alegria que encanta,

Suas lembranças e pensares.

E são divinos, seus amores,

Embalo onde por fim acordastes:

Dançavam frescos de esplendores,

Em brumas subtis que sonhastes.

Por isso, silêncio à voz tremida.

Não temais valente horizonte,

Pois eles bailam pela vida.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Contradição


Olha, não olhes, não voltes a olhar.
Sempre o mesmo que espreita escondido,
Cintando o nariz à cara na falta de ar
Complexada do vidro da janela partido,
Esburacado, com calhas de vales abertos.

Vergonhoso!
Vergonha na vontade de voltar
Aos verdes vales abertos da janela
Dessa corrente de ar e ver…
Ver que se espelham montanhas,
Torres que tocam no céu do mar
Num delicado, enternecido beijar
De ceda feita a cetim
Mergulhado no ouro ornamentado,
Rico, rugoso rubi afogueado
Da face de um jasmim.

Chega! Recua!
Não consumas o paradoxo do sonho!
Não te risques da vida,
Não te obliteres da morte.
Não queiras ser um Deus morto
Nem em morto queiras ser um Deus,
Pois não o serás, mesmo que a imortalidade te mate
E te erga da morte neste sonho vivo.
Não terás jasmins,
Não terás torres que toquem no mar do céu ou no céu do mar,
Não terás nada, nada terás.

Cansas-me…
Não persistas mais e vai.
Deixa a janela, o vidro, o espelho,
O reflexo, a verdade, a mentira, o que for.
Nem tentes compreender que a compreensão é divina,
E tu Deus não és, ninguém o é,
Todos o somos e tu não és todos.

Tomando em consideração sem fim teorias,
Peço-te, imploro-te! Ordeno-te!
Vai… Não! Volta!
Não sei já o que digo. Confundes-me
Ao tentar nadar nesse riacho navegante,
Submerso na verdade mentirosa,
Romeira antiga.

Se o Sol se põe na morte,
Se nasce na vida destinada a morrer,
O que faço aqui contigo? Espero o final?
Recuso-me, assim como recusaste ir.
Bom-dia para ti, boa-noite para ninguém,
E que ninguém seja a vida.
A vida depois da morte?
A vida depois da vida!
Grandiosa, bela, imortal na imortalidade.
Nasce por nascer,
Nasce por viver,
Nasce por nascer e viver.
Brinca no arco-íris da vida,
Do claro ao escuro e do escuro ao claro.
Sê criança. Sorri, chora, faz chover.

Harpas, violinos,
Cordas que embalam o medo de morrer,
Embalem-no até ao sono eterno
Porque nós queremos viver!
Conhecer o fogo que gela
E o gelo que queima,
Ver os anjos que se dizem demónios
E os demónios que se dizem anjos,
Queremos o tudo que parece nada na insignificância,
Queremos o sonho surreal da realidade,
Queremos algo.

Destabilizado,
O bater de um coração parado que reanima,
Doce, seguro, extasiado,
Encantado junto a todo o corpo,
Em harmonia com o ser,
Com a mente afadigada.

Estilhaça a janela que te entrava,
Enigma reflectido nas asas do tempo.
Dá-me a mão e voemos!
Percamo-nos nessas montanhas de vales verdes
Com jasmins de vidro rubro.
Percamo-nos no céu do mar,
Nas torres infinitas.
Percamo-nos num mundo finito sem fim
Onde não há morte, nem o fado maldito
Que se reflecte em mim.

Ó antiga donzela invisível,
Princesa temporal do tempo incontestável,
Hei-me aqui, servo, Deus, algo mais,
Se algo mais houver para servir.
Ó sonho sonhado em suspiros
No recobro da vida por ti!

Só a ti sou fiel,
Só a ti, borboleta pálida verde em mim.
Verde da natureza, verde de esperança,
Ver de verde, vale verde,
Cansaço da alegre vida onde por fim morri.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Espadas


Passos melífluos são esses teus que danças,

Singelos, de espadas cruas e frias.

Essas que não conhecem dono,

Essas que deslizam suaves,

Por encantos que conhecias.

E sem amor amado,

Fieis ao sangue que se destila,

Correram, de lado a lado, o peito

Que no seu seio sustia

Cada pedaço despedaçado,

Dissolvido nas cadentes brisas

Do eterno fado que perdias.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Retrato Negro


Crio e recrio entranhas,
Pinto céus de manhas
Tuas por prazer.

Sorris só por sorte,
Risonho consorte,
Que me consome no morrer.

E és beleza sem sabor,
Sonho rebelde e desamor,
De ameias desdenhosas.

Choras rimas de lamentos,
Gritas vis os desalentos,
Das tuas túrgidas rosas.

E sem crepúsculo, noite ou dia,
Definhas, sombra luzidia
De bárbaro bucólico.

Não és deus, e se anjo és,
Corrompes santas as fés
Do santo demo diabólico.

Perco assim vinganças
E lanço ao mar lembranças
Vãs de tão vazias.

Retrato a negro pintado,
Baço de apagado,
És descuido que por fim fugias.

Morte!


Morte às armas, morte aos barões!
Morte! Que o destino a espada é trespassado
Por sedentos e vis leões.
Morte! Que desgraçado é este Passado
Nas garras do tempo apagado.

Morte ao Império, morte às lembranças!
Morte! Que a esperança, essa última já morreu,
Nas ameias que entranças.
Morte! Que os mortos são o que prometeu
Aquele Futuro nosso que se perdeu.

E que Presente é este, meio morto,
Que se não dá ao prazer da vida?
É o que se esvai, de pensar, absorto,
Nos erros da vida ida.
Por isso, Morte! Que a vida é fingida.
(Dedicado aos grandes poetas Luís de Camões e Fernando Pessoa)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Recordações

Cicatrizes, feridas por sarar,
Quem as não tem? Quem as não quer dar?
Em olhares, beijos, paixões,
Em segredos, as tristes recordações.

Descansam assim vendadas,
Adormecidas ou acordadas.
Guardadas em vitrais,
Belas caixas, cristais.

São elas de alegria ou tristeza,
De raiva ou cruel certeza,
De infortúnio, proibidos amores imortais,
Do nada que é tudo, do tudo que é demais.

Por revelar, reveladas,
Doces e mortais baladas,
Que embalam o desespero do ser
E o acordam no cruel sofrer.

Raiadas, cravadas em ti
Num brilho imperfeito de si,
Um brilho transcendente,
Só enfim, envolvente.

Infinitamente para lá do longe,
De longínquas preces de monge.
Compurgadas nas suas Catedrais Divinas,
Sagradas recordações paladinas!

Sempre ali, a olhar-nos, a perscrutar-nos, a tormenta de sonhos que nos sustentam. Umas mais intensas, outras nem tanto. Contudo, o valor de cada uma é mais que o outro por serem únicas. Diferentes na igualdade, diferentes na diferença… diferentes.
Em cada brilho que se reflecte no prisma do olhar, espelham-se milhares de recordações comprimidas na serenidade da luz, por vezes não tão serenas como se pensa, muito pelo contrário. Quando desejam são selvagens, indomáveis, consumindo-nos vorazmente, despedaçando-nos e colando-nos em perfeitos defeitos. São elas, três vezes belas, perfeitas, consagradas, eternas!
Nascem da infância inocente do descuido frágil das rosas, eternizam-se no clamor retumbante do saber dos anos… são marcas, estações onde o comboio parou para o embarque e desembarque de sentimentos.
E aqui, na vida unificada por cada um em sonhos, estão nítidas ou escondidas na penumbra que cerca uma alma angustiada em fortalezas cerradas, as recordações, as memórias, as reminiscências do Ser, presas incorruptamente por correntes de seda de um espírito eterno, num corpo efémero que irá perder a existência após o derradeiro e simples suspiro do fim.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Criança Viúva

Quem me diz, sempre diz,
Que viver em vida
É não espreitar a Morte,
E estar vivo por ela
É espera-la com um ramo de flores
Como se esperam os amores
Para um jantar romântico.

Se espreitas por postigos
As entranhas dessa viúva
Não esperes ventura que te venha,
Pois essa foi em vida
De uma azarada sorte,
Foi aos céus estendida
Ao embalo da mortalha,
A prestigiada Morte.

Criança era, frágil e sensível,
A quem detestam os vivos
Por ser enigma incontestável,
E, para alguns, mais que terrível.

Vive agora, palpável aos invisíveis,
Num frio que gela os sorrisos
Esperando quem espreita
Por cadentes postigos,
A criança viúva que se enjeita
Nas flores dos amores
Dos seus pares perdidos.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Morte


Dita-te afirmações argutas

De melodia vagueando ao vazio,

Esse redor de silêncio murmurante.

Espraia-se lento no horizonte,

Abraçando rimas decaídas

Quais vis derradeiros amantes.

E juntos são feitiço e feiticeira,

Revolvendo mundos desnudos

Em contendas desamadas.

Rilham assim flautas de ossos,

E unos no clamor divino

São mística morte ronronada.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Esperança

Sentei-me e olhei em redor. A tarde caía no rumor das palavras enquanto as crianças traquinas corriam e saltitavam livres, pedalando bicicletas de pedais esvoaçantes que as erguiam à altura do infinito. Sim, como eram tão alegres! Perdiam-se nos meandros floridos da vida qual Alice no País das Maravilhas e rebolavam por eles, esquecendo mal e bem na sua inocência, cantando, gritando, sorrindo e gargalhando!

Era assim o passado deles, e assim era o meu. Passado perdido este meu que se perdeu. As flores desse jardim onde brincavam na eternidade murcharam sem os cristalinos sorrisos e das rosas nasceram cruéis espinhos. Labirintos inexpugnados floriram e ainda espreito por eles esperando o dia em que verei chegar aquela bicicleta azul do céu que erguerá véus distantes, num retumbante eclipse que sorrirá, na alva brancura que é tua e minha. No seu cestinho acriançando trará esperança, essa que agora se entrança em desfazadas malhas dubias, essa que quis fugir para os confins do coração, esse que já não bate, esse que falhou. Faltou-lhe sereno o sangue, faltou-lhe o apagado fulgor.

Nada mais direi, as palavras escoaram-se, levadas pela torrencial chuva que se abate da divina catedral que é o teu olhar. Ansierei a esperança, esperarei o amor, aqueles que divinos incendiarão espinhos e tornarão fértil o solo ardido de reclusão. Eclodirão papoilas na inocência que lhes é devida, seremos novamente crianças e brincaremos às escondidas neste mundo que nos esconde o prazer de viver. Não mais estará escondido, ocuparemos esse lugar com chilreares, canções dançantes e sinfonias de embalar. Pois nada mais temos e o que pensamos ter nada é. O vil pesar não existe, o ódio é simples ilusão. Cantemos, pois para isso nascemos, para estarmos vivos e viver!

“Como te chamas, estranho ser”, perguntas-me? Mas que interesse tem uma simples nomeação? Nenhum! Somos iguais e únicos. Somos efémeros e imortais seres com coração.