quinta-feira, 17 de julho de 2008

Recordações

Cicatrizes, feridas por sarar,
Quem as não tem? Quem as não quer dar?
Em olhares, beijos, paixões,
Em segredos, as tristes recordações.

Descansam assim vendadas,
Adormecidas ou acordadas.
Guardadas em vitrais,
Belas caixas, cristais.

São elas de alegria ou tristeza,
De raiva ou cruel certeza,
De infortúnio, proibidos amores imortais,
Do nada que é tudo, do tudo que é demais.

Por revelar, reveladas,
Doces e mortais baladas,
Que embalam o desespero do ser
E o acordam no cruel sofrer.

Raiadas, cravadas em ti
Num brilho imperfeito de si,
Um brilho transcendente,
Só enfim, envolvente.

Infinitamente para lá do longe,
De longínquas preces de monge.
Compurgadas nas suas Catedrais Divinas,
Sagradas recordações paladinas!

Sempre ali, a olhar-nos, a perscrutar-nos, a tormenta de sonhos que nos sustentam. Umas mais intensas, outras nem tanto. Contudo, o valor de cada uma é mais que o outro por serem únicas. Diferentes na igualdade, diferentes na diferença… diferentes.
Em cada brilho que se reflecte no prisma do olhar, espelham-se milhares de recordações comprimidas na serenidade da luz, por vezes não tão serenas como se pensa, muito pelo contrário. Quando desejam são selvagens, indomáveis, consumindo-nos vorazmente, despedaçando-nos e colando-nos em perfeitos defeitos. São elas, três vezes belas, perfeitas, consagradas, eternas!
Nascem da infância inocente do descuido frágil das rosas, eternizam-se no clamor retumbante do saber dos anos… são marcas, estações onde o comboio parou para o embarque e desembarque de sentimentos.
E aqui, na vida unificada por cada um em sonhos, estão nítidas ou escondidas na penumbra que cerca uma alma angustiada em fortalezas cerradas, as recordações, as memórias, as reminiscências do Ser, presas incorruptamente por correntes de seda de um espírito eterno, num corpo efémero que irá perder a existência após o derradeiro e simples suspiro do fim.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Criança Viúva

Quem me diz, sempre diz,
Que viver em vida
É não espreitar a Morte,
E estar vivo por ela
É espera-la com um ramo de flores
Como se esperam os amores
Para um jantar romântico.

Se espreitas por postigos
As entranhas dessa viúva
Não esperes ventura que te venha,
Pois essa foi em vida
De uma azarada sorte,
Foi aos céus estendida
Ao embalo da mortalha,
A prestigiada Morte.

Criança era, frágil e sensível,
A quem detestam os vivos
Por ser enigma incontestável,
E, para alguns, mais que terrível.

Vive agora, palpável aos invisíveis,
Num frio que gela os sorrisos
Esperando quem espreita
Por cadentes postigos,
A criança viúva que se enjeita
Nas flores dos amores
Dos seus pares perdidos.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Morte


Dita-te afirmações argutas

De melodia vagueando ao vazio,

Esse redor de silêncio murmurante.

Espraia-se lento no horizonte,

Abraçando rimas decaídas

Quais vis derradeiros amantes.

E juntos são feitiço e feiticeira,

Revolvendo mundos desnudos

Em contendas desamadas.

Rilham assim flautas de ossos,

E unos no clamor divino

São mística morte ronronada.