domingo, 30 de março de 2008

Lua

Lá no alto, por entre espaços de tudo e nada, habita a solitária Lua na sua cama de veludo negro. Triste e bela é aquela face banhada em lágrimas, por um amor perdido há muito nas eras do tempo intemporal.
Eu, a quem chamam Íris do Sol, e que aqui estou para vos contar esta triste história de amor, posso dizer que sou uma grande amiga sua, ou talvez ainda, o seu diário mais secreto, a quem a doce Lua conta os seus mais profundos segredos, as mágoas que a fazem sofrer e chegar até nós no luar que a envolve.
Foi há muito, muito tempo, mas lembro-me eu tão bem, pois vi-a nascer e crescer, vi-a ser feliz no Céu etéreo. Era uma lindíssima noiva de branco, ansiosa pelo seu par. Elegante, formosa, sorridente, melódica... enfim, um raio de Sol do mais delicado. Vivia no paraíso do Universo, observando tudo com uma curiosidade de criança embalada pelo sono mas que não quer dormir. E a sua inocência... oh! Essa comovia qualquer um. Para ser mais precisa, a querida Lua era a mais frágil flor que habitava o Céu.
Qualquer delicada donzela tem o seu amor, e, da mesma forma, teve a Lua aquele príncipe que a encantou no seu encanto. Chegou um dia por entre a neblina, como se vindo de outro infinito. Misterioso, belo, o sonho de qualquer conto de fadas.
Encontrou-a sentada na sua palidez, a admirar uma pequena flor com um olhar de terna meiguice e, como um estranho que nada conhece, aproximou-se curioso, para, talvez, a observar melhor. Reteve a respiração quando a Lua notou a sua presença e se levantou assustada. Nunca antes tinha visto tão belo jovem, se é que algum dia tinha visto algum. Corou, então, de vergonha perante o olhar do príncipe (chamemos-lhe assim por falta de uma identificação que melhor o defina) e fugiu, correndo como um cordeirinho assustado, até mim. Contou-me tudo, como faz hoje, até ao seu mais íntimo pensamento inocente. Admito que me preocupou e muito, principalmente a ansiedade que a consumia por ver o estranho jovem novamente. E, não querendo que ninguém a magoasse (sabia-se lá de que confins viria o estranho), decidi eu própria ir ao encontro dele para saber quais as suas intenções e o porquê de ter aparecido ali como se de um fantasma se tratasse.
Não foi difícil encontrá-lo, pois andava perdido e com um olhar confuso que varria tudo por onde passava. Abordei-o cautelosamente, tentei saber tudo o que pude, mas parecia que o jovem nada sabia sobre si. Se tinha amnésia ou se estava a enganar-me, nunca vos poderei dizer, pois nem eu o sei, mas não senti nenhuma aura negra a rodeá-lo e pensei ser seguro que ele pudesse ficar connosco, até se lembrar de qualquer coisa. Se foi um erro ou não, é muito subjectivo afirmar, porque nunca saberei a razão do seu desaparecimento fatal.
Recolhi-o no meu lar, onde vivia com a doce Lua e dei um nome ao príncipe, chamei-lhe Cadente.
Não foi preciso muito tempo para que se começassem a relacionar intimamente e, comparando com toda a minha idade, uns poucos segundos, diria eu. Confesso que era revitalizante ver como aqueles dois se davam, como gostavam um do outro. E, tal como Romeu e Julieta, o seu amor marcou a eternidade para sempre. Passavam os dias juntos, à sombra de uma árvore, a conversarem, a lerem poesia, ou simplesmente a olharem para o céu enorme que os rodeava, mas que não se igualava à grandeza do seu amor. Sempre juntos, aquelas inseparáveis almas, faziam promessas e juras de amor eterno, que me faziam derramar lágrimas de comoção. Ouvi um dia ele recitar-lhe assim:
-
«Doce princesa que vieste até mim,
Onde estes versos nasceram,
Escutai-os pois sois a fada que me enfeitiça
Com o teu encantado canto.
-
E se pensais que te engano,
Que é mentira o que digo,
Senti a ferocidade com que bate
O coração que no peito sustenho.
-
Pois ele bate por ti eternamente,
Num sonho que só tu deténs,
Fonte do meu amor, da minha vida,
Doce ninfa, Lua que me alumias.»
-
(Como é belo o amor...)
E, apesar de sentir que algo estava errado, como uma sombra que nos persegue, deixei-os na sua felicidade que seria um crime aluir.
Chegou então o dia que ambos tanto ansiavam, o dia em que se iam unir eternamente. A Lua estava mais bela do que alguma vez a vira e o brilho do seu olhar revelava toda a alegria que não conseguia exprimir num sorriso. Aguardava-o no local onde pela primeira vez se encontraram. No entanto, algo correu mal. Esperou dia e noite até fadiga a vencer, esperou dia e noite até que toda a sua esperança se esgotasse, esperou dia e noite até que no seu coração se formou um abismo profundo e negro de tristeza e mágoa. Ele não aparecera e nunca mais iria aparecer.
Tentei consolá-la no seu sofrer que também era o meu, mas de nada serviu. Era irremediável o vazio que Cadente deixava atrás de si.
Uma noite procurei-a pela casa e não a encontrei. Pensei que tivesse feito alguma loucura e saí rapidamente para a procurar. Mal pus um pé no espaço em meu redor, vi-a. Eternamente bela, a brilhar suspensa no Universo que era seu. Um sorriso triste decorava a sua face derramada em preciosas lágrimas. Nesse instante soube que a perdera para sempre, que nunca mais iria voltar a ver aquela doce criança que preenchia os dias de qualquer um com uma alegria contagiante.
Mas para meu espanto, notei em algo diferente. Pequenas pintas douradas, outras prateadas, e algumas com cores que nem sei definir, marchetavam o céu. Percebi então que aqueles seres eram o fruto do amor da minha querida Lua e do seu príncipe, e como eram belos! Chamei-lhes então Estrelas. Por vezes, dava por falta de alguma e punha-lhe um segundo nome, passando a chamá-la Estrela Cadente, pois, tal como o seu pai, desaparecia para sempre e não mais era vista no infinito Céu.
Por cada ano que passava desde o princípio do Universo, uma estrela nascia para iluminar o Céu nocturno ao lado de sua mãe. A luz emanada iluminava a penumbra mais escura e era a guardiã de todos aqueles pares enamorados que vagueavam pela noite, como uma água benta que os baptizava e lhes dava a sua bênção.
Recordações e mais recordações daquela bela e sempre eterna Lua.
Nada mais vos posso contar, porque o que aconteceu depois já todos sabem. Continuou no Céu, talvez à procura do seu amado por outros horizontes, ou para se manter afastada de tudo e todos, ficando para sempre com o seu prezado amor dentro de si, aquela singela flor que nunca murcha.
Sempre que penso nesta história sinto-me imensamente triste, tal como a minha Lua. No final de contas, foi uma marca profunda deixada em mim, Íris do Sol, ou, como verdadeiramente deverei ser chamada, Tempo, pois sinto que passo, mas que continuo sempre aqui, a ver tudo o que ocorre. E se pensam que a minha pessoa controla tudo o que existe, estão muito enganados. Se fosse possível, voltaria atrás apenas para não ver a Lua sofrer, mas não posso andar para a frente nem recuar, tenho que seguir o rumo que me é imposto, e só eu sei como é doloroso estar parada e não fazer nada por quem nos é querido.

FIM

quarta-feira, 26 de março de 2008

Silêncio

Naveguei só, por brumas distantes de solidão.
Clamava a minha voz tons raquíticos de dor,
Gritava ao silêncio que em redor era tudo.
“Ó silêncio, silêncio! Como és vasto e intragável!”
Contudo, nada ele me dizia, de nada me alimentava.
Oh! Nada de mim ele queria, nada tinha eu para oferecer.
Tinha silêncio, e isso não queria ele mais,
Tinha já a essência que era dele, tinha-me.

Só, e como ele me acompanhava…
Mendigava-lhe eu sussurros, mas ele dava-mos mudos!
Maldito fosse! Maldito que o trespasso com inglórias palavras.
Que sangre as letras escondidas que não são suas!
Arrancar-lhe-ei do peito o coração vil que não bate e…

E…? O que farei com ele?
Que martírio é este que me faz mentir a mim própria?

Amo-o. Oh sim, é verdade. E amá-lo-ei.
Rejeito-o por quere-lo, odeio-o por não o ter.
É seu o silêncio e eu nada tenho, nada sou.
Recorta-me o estilhaço que detenho por não ter o seu amor.

Esconder-me-ei nas brumas que me acolhem.
Ficarei junto à solidão sem palavras.
Dar-lhe-ei as minhas já que não as queres tu, ó silêncio da vida
Que por me pertencer é com desprezível ódio minha.

Equilíbrio


Vê as lágrimas que choram
Em relances de tristeza.
Reconhece-las? Recordas-te delas?
Sentes que sim e dizes que não
Num arrependimento cobarde,
Porque és parte delas;
Duas almas que numa junção
Intrinsecamente profunda,
Formam uma mais pura que o Céu,
Como o éter que vagueia por aí,
Que te corre nas veias
E flúi numa fonte divina.

Fragmentos completos
Que não consegues unir,
Uma harmonia que pensas
Não conseguir alcançar.

Mais confusão e encontras-te perdido.

Pensas e (re)voltas a pensar
Naquele pensamento que te desnorteia,
Sem saberes que as pontas
Estão perto, mas longe
De um olhar que engana,
Um olhar que faz questão
De numa cruel tortura te manter.

Situação estranha é esta,
Mas o que não é estranho?
Sentir, amar?
Sorrir, chorar?
Nada podes fazer para mudar este dilema.

É um caos em equilíbrio contigo,
Que controlas sem saber,
Numa fé em algo que não compreendes,
Uma compreensível estranheza,
Que faz parte de ti, da tua alma,
Das lágrimas que choram
Em relances de tristeza,
Ou quem sabe, talvez de alegria.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Serpente


Vã serpente serpenteias por trilhos ocultos de Circe. Propagas vasto o crime com que te banqueteias nas teias que não teceste. Teias finas onde caí sem rumo a tomar. Teias tuas de vis embustes, também eles enganados.

Oh! Mas que farei eu nas tuas mandíbulas presa? Como fugirei dessa tua boca assassina que me espera?

O veneno verteste em mim qual cianeto no Nilo que é teu. Eu sou esse rio, fui eu que morri nos fortes braços de Prometeu. Tenho o seu fogo, tinha a chama da vida que gentil roubaste. Que tenho então agora, pergunto-te, ó Deusa bífida que falas palavras de bondade incandescente? Não me respondas. Sei que mentirás, pois tu própria és uma mentira. Vai-te demónio, não és o anjo caído que almejo, não és a verdade do desespero. Nada és. Vai-te serpente.

terça-feira, 18 de março de 2008

Seres Maléficos

Vagueiam sorrindo à dor. Quão bela lhes parece! Os seus passos esmagam almas penadas, ossos que se debulham em lágrimas de crianças mortas, no passeio que palmilham à beira do sangrento e escaldante rio, onde se ecoam gritos de vis tormentos antigos e obscuros, cobertos de compridos cabelos brancos, marejados em pétalas de negro veludo trajadas.

E como amplo é esse sorriso da mais pura e sombria alegria! Como se repercutem as sagazes e malditas gargalhadas por sinfónicos Infernos seus!

Mas as destroçadas almas penadas, essas são simples palavras que em verso colidem. Os ossos lacrimosos são bolachas recheadas que choramingam sob as mandíbulas que as devoram num sangrento batido de morango. E os pálidos cabelos de santos cruéis tormentos imiscuam-se nas suas garras, na delícia que delira por cogumelos, relíquias, artefactos, no seu eterno esparguete, mergulhados no jubiloso lago de pureza natalícia que diabólicas desvanecem.

Oh! Cérbero reinará sob o seu comando!
Avé Kath!
Avé Leto!

Muahahahah!!

segunda-feira, 17 de março de 2008

Riso Final

Sentado em falsas canduras,
Era o tudo, nada mais que isso,
O reflexo de infléxiveis luxúrias.

Soava alto em tom sumido,
Cantava novas no tom dos Deuses
Que do povo é inimigo.

E tão alto esse eco s’erguia!
Cantava guerras, comida sem pobres.
E como ria dos pobres sem comida.

Gargalhadas mil de egos vazios,
Viu morrer desgraçados e tenros
Aqueles que eram reais sorrisos.

Inocentes descairam em seus braços.
Com contente esgar insano
Riu sadio dos seus fados.

Oh! Impropério que clama cego!
Mas que acto era aquele
De demónio eco?

Não há anjo que se repugne
Da imoral bestialidade
De pompa e passeio impune?

Mas não satisfez a Vida, o imortal.
Não lhe agradou o incómodo,
Ou mesmo o desdito animal.

O que para sempre era vasto acabou.
Pôs-lhe a Bem Aparecida um fim,
E de tristeza (a) alegria apropriou.

Lenda, talvez realizado mito.
Nos braços que não o susteve
Riu do eterno ao longinquo infinito.

Não mais pode rir, pois riu em vão.
De chacota armada aos outros
Gastou pobre o vil coração.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Sonhos


Os sonhos são subtis. Sintonizam-se sem saberes, sem lógicas, ou sentidos des-sentidos. Sorvem profundidades, inspiram mentiras desmentidas. São simplesmente a purificação dos solarengos dias de pureza sem sol. Brilham no desbrilhar que é teu, meu, nosso, de ninguém. São análogos de desanologia. São eles sós, sozinhos na solidão acompanhada que nos abraça e ama. Oh! Eles abraçam-nos, eles acompanham-nos, eles amam-nos.

"Imploro-te repouso de plena e aflitiva insanidade, leva-me para esses confins eternos. Sonhar-vos-ei sonhando, meus sonhos sonhados."

quarta-feira, 12 de março de 2008

Antigo Casarão


Fachada de mente,
Pilar que acende
A vela apagada
Em chama acordada.

Deambula fantasma
Em minha, tua alma,
Dir-te-ei “amado”,
Dir-me-ás “recordado”!

Pois o és, sendo eu,
O que tens era meu…
Eclipsadas memórias…
Oh! Conto-te histórias!

Entra, vê o visto,
Lê o sitio onde existo,
O corpo, a respiração,
Lê os sinais do coração!

Vai, vai comigo,
Deixa-me aqui contigo,
És a parte desapartada,
Sou a peça encontrada.

Tudo o que o vento levou
Só de mim ficou
A recordação, a lembrança,
A lágrima que entrança

Pensamentos, sentimentos,
Mais que tormentos!
Ficaste tu melancólico,
Fiquei eu diabólico.

E não te esqueças mortal
Tens de vendaval
A brisa que ficou
E que nada levou.

Ou seja, tens o Ser,
Aquele que, no morrer,
Deixou em ti
O pouco puro de mim.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Ameias do Coração


Diviso ameias de esplendor,
Divinas, rasgadas.
São olhos marinhos espelhados
Que abraço, sentindo o estilhaço
Quebrado em mim.

Findas, passadas.
São carinhos desonrados.
Espreito-as, ameias minhas,
De sentido algum, nenhum,
Deusas do destino caídas.

E respiro a vida que se esvai
Do teu calor sem sabor,
O encoberto do mistério que é teu.

Vontades são mil que desleixo,
Recusadas por mim, enfadadas
No espelho dos olhos que não vês,
De almas que em mim aguardam.

Almas essas devastadas,
Almas essas reprimidas.

Esperam que as aguardo
Esperam, infinitamente esperarão.

Não respiro já a vida tua.
As almas são agora minhas.
Espreitam das ameias enclausuradas
Dos contestados confins do coração.

sábado, 1 de março de 2008

Erros da Alma


Tendes a pensar que sim
Num óbvio não anunciado
Aos brandos ares tempestuosos
De um precipício assolado.

O que é não é,
E se não foi, não será.
Acolhido entre certo e errado…
É no errado que errarás.

Pois vem do cinza esbranquiçado
Esse descolorido engano crente
Num final preto acinzentado
De um mal-estar doente.

Doente de desafogo despropositado,
Marcado a fogo chamejante.
Num espírito desordenado
É alma alada delirante!

A nuvem negra que vazia
Apela um inexistente fundamento,
Mais que um impuro pedido,
Um inclemente lamento.

Fugido do céu nocturno,
Esquecido da brisa do canto…
É um erro profano,
Um erro de santo.

Porque dizes que é sem ser,
Porque afirmas verdade a mentira,
Porque julgas sem perceber,
Porque ouves vingativo essa ira…

Porque o coração murmura mudo,
Vendado pelo engano;
Porque simplesmente cego
És vão e desiludido insano.