terça-feira, 23 de março de 2010

Fantasma de uma Rosa (final)

Ao término dos poucos minutos que tal fenómeno demorou a propagar-se, não se distinguiam já os perfis do que era e do que foi, as labaredas subindo em direcção ao céu, com uma só forma movediça, sobre a qual a chuva se precipitava, incansável, querendo saciar aquele ímpeto acordado que desabrochara, florindo na mais gloriosa e gigantesca flor. Os tons com que aquele fogo estava pintado, tornaram-se mais claros, à medida que os instantes se passavam, até atingir uma mistura do que poderiam ser tons de branco, se pudesse o branco ter várias tonalidades. Na sua intrincada dança, as mentes mais acordadas para a essência da Natureza, poderiam discernir um número sem fim de criaturas vivas, muitas delas nunca antes vistas pelos olhos humanos, que tantas vezes possuíam pálpebras invisíveis e sempre fechadas.

As chamas foram decaindo aos poucos e, em simultâneo, o céu desanuviou-se, as nuvens vazias de tanto chorar, considerando que era hora de cessar os louvores. Outro dia, noutra hora, talvez noutro mundo que não aquele, voltariam a agraciar a donzela branca, quando o tempo considerasse que seria correcto permitir-lhe vir ao mundo.

Por fim, as chamas extinguiram-se. E no entanto, no seu lugar não permaneceu a vulgar marca deixada por um qualquer fogo maligno, pois aquele não o era. Era certo que do primoroso coreto não ficara qualquer vestígio intacto, incinerado como o mais volátil dos materiais. Não obstante isto, o que realmente deveria ter-se extinto, propagou-se, mais fértil que outrora, cobrindo todos os locais a que os jardineiros se davam ao trabalho de podar, retirando-lhe a liberdade há muito implorada e agora concedida. As roseiras propagaram-se, floridas do seu escarlate de sangue… tanto sangue! Porventura era o reflexo do muito líquido vital que corria nas veias da jovem que desaparecera, aquando o incêndio. No centro dos remanescentes inanimados do coreto, floria também outra rosa, mas a esta fora roubada toda a tonalidade escarlate, como se despida de toda a mácula que tingia qualquer outro ser, as influências exteriores que manipulam o inato.

Os raios de sol afastaram as nuvens que encobriam o azul celeste. Sempre sorridente, o astro rei permitiu que o seu brilho se reflectisse nas gotículas que pontilhavam toda a vegetação. Agora, a terna donzela de branco amaria aquela morna amabilidade que era vida e morte para todos os que respiravam. A dor fora banida, assim como a consciência e o pensar que um dia seria novamente um ser com vontade própria.

E nessa inconsciência, não escutou os passos que pisaram a terra molhada, nem sentiu a mão que se precipitou para si, com um espanto incrédulo. Porém, a força abandonou o seu corpo, sem que pudesse dar conta, colhida da fonte que a sustinha, por um ente curioso que se apoderara de uma raridade que sempre o seria. Um último beijo tocou-lhe nas pétalas, uma breve despedida, um “até amanhã” para a vida que decaía.

As últimas gotas que choviam, já longe do alcance humano, adornavam o céu com um ténue arco-íris que começava naquele mundo e acabava noutro, muito além, donde espreitava o desconhecido que muitos não ousavam revelar. Dos que possuíam essa audácia, poucos sobreviviam, pois poucos mereciam sobreviver. Contudo, os que voltavam, jamais eram os mesmos. A maioria que tinha conhecimento desse fenómeno de ida e volta, chamava fantasmas àqueles que transpunham as muralhas entre-mundos. No entanto, eram mais, muito mais do que isso. Tal como aquela donzela. Ontem fora borboleta ingénua, que o vento guiara; hoje era rosa, criada pelo fogo; e, amanhã, o que será? As hipóteses distribuem-se numa imensidão de Tudo e Nada, mas algo é certo, será o que no seu espírito se reflicta: um mundo, um universo, um infinito… um ciclo de eternidade efémera.


sábado, 20 de março de 2010

Fantasma de uma Rosa (continuação)

Respondeu-lhe com uma risada, executando uma vénia respeitosa, o comprido cabelo alvo escorregando em direcção ao chão, mas sem lhe tocar.

“É para mim uma honra ser a agraciada do vosso cumprimento”, disse, antes de voltar a endireitar as costas e continuar o seu passeio pelo jardim, com destino ao centro deste, onde fora construído um pequeno coreto, cem anos atrás.

As colunas que sustentavam o tecto, torciam-se sobre si próprias, formando espirais em redor das quais os espinhosos ramos das roseiras floridas se quiseram envolver, um dia, finos no princípio dos tempos, mas agora quase com a espessura do seu pulso delgado. No meio do coreto, fora construída uma fonte baixa, no íntimo da qual se elevava a estátua de uma sereia que, sobre o colo escamoso, segurava uma das estrelas que caíra do céu, e se fora implantar nos mares. De braço erguido, a outra mão amparava uma rosa em pedra, donde um pequeno repuxo brotava, salpicando a água onde meia dúzia de peixinhos dourados nadava tranquilamente. Há uma semana atrás, eram, na verdade, sete seres aquáticos que ali residiam, todavia um morrera e servira de alimento aos companheiros que fizeram questão de o integrar em si, outra forma de eternizar um ser vivo, junto às almas dos irmãos.

Sentou-se num banco comprido mas raso, e cruzou as pernas, agora já protegida da chuva que se precipitava alegremente. Levou uma madeixa encharcada para trás da orelha. Se o pai a visse naquele estado, dar-lhe-ia uma severa descompostura, relembrando-lhe que não seria assim que um jovem senhor lhe tomaria a mão. Não sabia ele que tomada já a sua mão se encontrava, a incorpórea aliança colocada no dedo anelar, desde que nascera ao frio da madrugada. Atentou o céu e as formações volumosas que pareciam incansáveis no seu ledo choro. Um novo relâmpago iluminou os céus, desta vez um raio flamejante que se precipitou dos altos, fendendo o ar e perecendo a alguma distância, numa queda magistral. Mais depressa do que o anterior, o segundo grito do universo fez-se ouvir, tão definido aos seus ouvidos que poderia ser humano. E não teria ele um pouco de cada ser em si?

Esticou a mão para uma das rosas próximas, e afagou-a, permitindo que os orbes azuis se deixassem mergulhar na meditação. Um fumo branco ergueu-se das pétalas onde os seus dedos tocavam, enquanto o escarlate passava a um tom laranja flamejante. O processo pareceu lento, sob o seu olhar, porém à observação de um comum mortal, as pétalas teriam transformado aquela rosa numa flor de fogo. Sem autorização prévia, a chama não se propagou à restante planta, como seria esperado, mantendo-se acesa entre a sua mão, os tons das labaredas dançando ao vento que se projectava pelas arcadas.

Dois relâmpagos precipitaram-se do céu e atraíram-se num só, caindo a pouco mais de um metro do coreto. A chuva intensificou-se, a sua natureza mudando de estado, aos poucos, tornando o ambiente mais frio com o gelo de que agora era feita, para amenizar aquela chama ardente que provinha do seu âmago. Algum do granizo chegou mesmo a penetrar aquele pequeno santuário, por pouco tempo, derretendo-se nos segundos seguintes, numa célere mudança de estado que tinha como catalisador a sua mera presença. O rugido proferido pelos céus, desta vez, fez estremecer as fundações da construção onde a donzela se encontrava e fê-la arrepiar-se, porém não de temor, e sim do prazer de observar a manifestação que o clima ritualizava, intensificando-se segundo a segundo, perceptível aos cegos e fazendo-se sentir até mesmo pelos insensíveis que, esses sim, tremeriam de medo, a alma querendo fugir-lhes do corpo. No entanto, estando irremediavelmente presa, só podia magoar o invólucro que habitava, nas suas tentativas ridículas de vãs, de escapar.

Lentamente, as pálpebras de pestanas compridas encerraram-se. A mão escorregou da flor para o caule, acariciando-o, enquanto o transmutava no mais puro fogo que seguiu o labirinto entrançado de ramos, acendendo-os, num rápido rastilho luminoso que, partícula a partícula, transformou todas as roseiras num círculo de fogo, no qual a origem era ela. Após isto, o fogo enveredou pela única rosa que ainda não fora colhida por si, a rosa branca, estendendo uma língua alaranjada para o punho rendilhado do vestido, na mais eterna fome. Depressa todo o vestido se inflamou, num espectáculo que nem o melhor ilusionista poderia proporcionar. Quantas damas não desejariam poder afirmar que vestiam um próprio Elemento, revelando-se das mulheres mais elegantes e exóticas do Universo? Imensas, mas só aquela podia vangloriar-se de realmente o ser, sem almejá-lo. Mas aceitando-o com a maior das honras.

O alto do mundo tornou-se cada vez mais negro, contrastando com os relâmpagos que se precipitavam e as chamas que ardiam, qual milhares de archotes unidos, tomando conta do seu corpo. A própria pedra, de que era feito o coreto, incendiou-se, e a sereia gritou, da sua fonte, quando se deu conta que não era ela imune àquele fogo mágico que parecia poupar os vivos mas não os inanimados, pensando se seria aquele o Inferno dos sem alma, os que não possuíam a chama do fulgor crepitante. Porém, todos esses pensamentos pereceram, pois também ela morreu, consumida.

Continua...

(imagem por Majin-sama - White Rose)

quinta-feira, 18 de março de 2010

Fantasma de uma Rosa

"Promise me, when you see, a white rose you'll think of me.
I love you so, never let go,
I will be your ghost of a rose..."

Blackmore’s Night – Ghost of a Rose

As cândidas mãos seguraram as saias volumosas, puxando-as para que os pés não sentissem o descuido de tropeçar nelas, enquanto corria para o jardim de altas muralhas verdejantes. Os saltos deslizavam na gravilha incómoda, que tanto a irritava com os seus estridentes ruídos, quando as pedrinhas se entrechocavam e lhe conferiam a sensação de desequilíbrio. Ao alcançar a proximidade das acolhedoras sombras, cobriu-se delas, impedindo que o Sol a continuasse a macular com os seus intensos raios do princípio de tarde. Magoava-a, aquele ofensivo brilho do astro que se dizia rei dos céus. Ergueu os olhos de safira, para o azul celeste onde algumas aves esvoaçavam, agraciando a Primavera e o bem-vindo calor que antecipava o Verão. O seu lírico canto enchia-a de uma mensurável melancolia que a desfiava aos poucos, desmanchando as complicadas malhas de que a sua alma era tricotada. Tanta era a vida que subsistia num mero sopro do vento…

E o vento soprou, afagando-lhe os cabelos soltos de uma estranha coloração que tanto a definia. Chamavam-lhe a donzela dos cabelos brancos, a jovem que envelhecera ao nascer, ou que nascera envelhecida. Ninguém tinha a certeza de qual das hipóteses viria a ser a correcta, pois quando nascera para o mundo, toda ela vinha pintada de uma certa tinta vermelha a que chamavam sangue. Nesses vagos instantes, o seu pouco cabelo de recém-nascida fora escarlate, como as pétalas de uma rubra rosa.

Avançou por entre o trilho com pouco mais de um metro de largura, protegida da claridade, enquanto também a brisa passeava com ela, afagando-a com as suas gentis mãos sensíveis, enquanto comunicava numa língua perceptível a poucos. Descalçara-se, deixando os incómodos sapatos para trás e, em seu redor, as plantas estendiam os ramos para si, enquanto o dia obscurecia, as nuvens no céu impedindo que aquele rei luminoso a magoasse. Não sabia ele o significado do verdadeiro calor, o que vivia em si, guardado num coração que simultaneamente amava e odiava tudo o que era vida e morte, decadência pura e beleza impura. Esticou a mão aberta, de dedos finos e delicados que só conheciam a gentileza das pétalas aveludadas e dos livros velhos, do piano antigo na sala de música e dos lençóis onde adormecida sonhava com o acordar da eternidade.

Uma borboleta amarela passou diante de si, na inocente inconsciência que lhe era devida. Quando o seu olhar caiu sobre o efémero insecto, este incendiou-se sem demora, soltando um crepitar como se de um grito se tratasse, num momento em luminosas chamas, e no seguinte em simples cinzas. E a donzela sorriu, ao contemplar aquele fulgor da explosão de vida, a máxima centelha que levava um corpo a passar de um estado para o outro, a transmissão de energia para o ambiente em redor. Não fora a perda de uma vida, fora a união com o redor dominante.

Atrás de si, os braços dos altos arbustos bloquearam a passagem a outro qualquer humano que a quisesse seguir, como sempre faziam, para desespero dos apoquentados jardineiros que julgavam assombrado o jardim do qual tratavam. E era verdade. Ela assombrara aquele jardim, mesmo antes de saber caminhar por si própria, quando a mãe e as amas a levavam num passeio. Aquele espaço surtia um feitiço sobre si que a consolava nos dias de maior alegria, abraçando-a como um amante faria, tão terno. Um ramo aveludado tocou-lhe a face com as suas fragrantes folhas. Dedos quentes de um ser que a amava.

Uma gota de chuva precipitou-se sobre a sua fronte, e a donzela ergueu novamente os olhos para o céu. Cinzentas nuvens preenchiam-no, transportadas até ali pela mão da brisa amena. Ninguém diria que ele fosse capaz de tal, aquele vento que lhe murmurava incrivelmente baixo, mas possuía a força de mover oceanos, balançando as entranhas profundas da água, chamando-a até ao seu abraço e incorporando-a para, muito depois, a guiar até ali, precipitando-a para amenizar a chama que ardia em si. Seguindo aquela gota, outras vieram, cantando alegremente a sua canção líquida, alto, cada vez mais alto, gritando agora ao mundo, para que de longe as pudessem ouvir.

Uma súbita luz rompeu as nuvens, iluminando tudo de um tom branco e cru, enfatizando sombras escondidas, enquanto descobria outras, em recônditos obscuros. Ao sentir aquela luz tocar-lhe, os fios de cabelo retribuíram um reflexo áureo, que de natural lhe atribuíam pouco. Deteve-se por momentos, um pé paralisado, enquanto se erguia da gravilha agora fria de molhada, uma mão apoiada num cómodo ramo retorcido que se proporcionara a tal. À fascinante luz, seguiu-se um brado titânico, proferido pelo Universo, um cumprimento à sua pessoa, vindo do longínquo infinito.

Continua...

(imagem por Majin-sama - White Rose)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Esperança


Dawn Star, by Puimun (pormenor)

Ergue a tua lâmina de fulgor,
À bênção do Deus que amanhece.
Que a sua eterna glória te enaltece
E, por ti, ascende em graça.
É teu o querer da lembrança,
É tua a vontade da esperança,
E meu é o segredo que pressinto:
Que vida eterna é dos bem-aventurados,
Como o Inferno é dos culpados
Que efémeros calcorreiam o mundo.
Que seja a fé a última guerreira,
E será tua a ressurreição primeira.

Capítulo X do Prín

Humanidade

O Egoísmo é uma praga
que corrói o ser humano
até ao âmago da sua alma.

Por isso,
usufruam da afortunada vida
que o generoso "alguém" vos concedeu,
porque, se o Inferno existir,
é-vos reservado um lugar
nas suas aconchegantes fornalhas,
após a morte.

Louvada seja a Humanidade
E o seu abismo incontestável.



(Sim, sim, estou irritada xD)

domingo, 14 de março de 2010

Uma Batalha Interior

"Na sua semi-consciência, conseguia sentir um dos braços movimentar-se, derrotando uma fraca força carnal, enquanto rompia novamente a pele e os músculos do homem à sua frente. Um gemido empurrou-a, obrigando-a a voltar ao mundo real, contra a sua própria vontade, enfrentando o esgar de dor que maculava a face de Landar. Quanta crueldade era aquela a da mente que a controlava, e quanta era a raiva que a invadia, tentando superar a dor psicológica, fervendo-lhe o sangue que corria nos vasos, enquanto as dúbias lágrimas escorriam por si e pelos amigos. Voltou a fechar os olhos, ciente da força com que os dedos se crispavam na serpente que atacava o elfo, e deixou-se guiar pelo perigoso temperamento, aprofundando-se nos confins obscuros da mente, até encontrar a intrusa. Não necessitou de vaguear indefinidamente, como fizera muitos anos atrás, para descobrir Vinyriah. Agora, a simples e persistente vontade de a querer defrontar, serviria de catalisador para a sua alma ir de encontro ao pontual local onde a fracção de Sereneia se encontrava, num pequeno e mais que ínfimo instante. Pois aquele era o irrevogável território de Liriana, o território que poderia moldar e transformar, com base em ilusões, a seu belo prazer. Nunca antes sentira a necessidade de fazê-lo, mas era a hora da primeira vez.

Cada passo que dava começou a ecoar, como se saltasse sobre poças, salpicando o negro redor que aos poucos foi clareando, às suas ordens, até se transformar num crepúsculo imenso e sem fim, como outrora fora a escuridão. O chão era feito da mais pura água, sobre a qual se sustinha em pé, contrariando a gravidade que a levaria a penetrar o sensível espelho ondulante, afundando-se. Ao longe, mas não realmente longe dali, conseguiu vislumbrar o que muito provavelmente seria uma ilhota impossibilitada de se mover, o pedaço de terra que salvaguardava Sereneia, dando-lhe segurança e pé firme, para que não se afogasse naquelas águas que não conseguia respirar. Mais um passo e, não só se aproximou da ilha, como a ilha se aproximou de si, atraída pela sua vontade, revelando como deturpadas eram as distâncias naquela sua terra. Era ela quem as definia.

Sereneia encontrava-se de pé, no centro da ilha. Os braços estavam abertos, as palmas das mãos encontravam-se voltadas para fora, enquanto os dedos apontavam para o estranho céu sem Lua, estrelas ou nuvens, consideravelmente afastados uns dos outros. Os orbes da mulher encontravam-se vítreos, fitos num mundo que não aquele. O que Liriana via não passava de uma pequena parcela da ciana, a parcela que se infiltrava nas mentes de outros, despercebidamente, através da voz, num local sensível do sistema nervoso central. Colocou um pé em terra, deixando pegadas das suas botas, na areia negra. O único ser vivo que ali se encontrava, alheara-se da sua chegada, não suspeitando sequer do quanto se avizinhavam. Não hesitou na sua aproximação silenciosa. Uma estranha ânsia apoderava-se de si, uma vontade da qual se envergonhava. Desejava magoar aquela mulher, tal e qual como ela magoava Landar. Se não era vontade de vingança a que sentia, não sabia o que mais poderia ser. Parou de frente para Sereneia, a menos de dez centímetros. Observou os bordados do seu vestido azul e lilás, enquanto reparava que a mulher era pouco mais alta que ela. No entanto, sentia-a ínfima, naquele lugar. Levantou os braços, lentamente, e deixou que as mãos se aproximassem do pescoço dela com um intento próprio bem definido. O que tencionava fazer conferia-lhe um certo prazer de realização há muito esperado. Porém…

As mãos detiveram-se abruptamente antes que os dedos resolvessem envolver o pescoço alto e elegante de Sereneia. Não podia fazê-lo. Estaria a tornar-se numa assassina, o mesmo que aquela gente era e o mesmo em que Vinyriah se tornara. Aquele ódio seria a própria sentença da sua alma, para além de que, estrangular aquela fracção de pessoa, não passaria de levar a cabo um instinto egoísta e bárbaro. Aquele concentrado espectro simplesmente fugiria do seu alcance, antes que pudesse fazer algo mais, deixando-a somente com o tremendo peso na consciência de ter tentado matar alguém, sem que o real motivo fosse salvar os seus amigos.

Os braços caíram ao lado do corpo, permitindo-se a respirar fundo, razoavelmente mais calma, depois daquela pequena batalha interior que conseguira vencer sozinha. Todavia, desse dia em diante, não esqueceria facilmente aquela sensação terrível que a satisfizera por momentos."

Fragmento do Príncipe do Mar do Interior
(Porque me apetecia pôr alguma coisa por estes lados xD)

sábado, 6 de março de 2010

Sem título


Seja o sangue o licor rubro,
Que degustas da densa chaga
Dos sem coração.

Seja essa a vida do absurdo,
À tormenta do termo levada,

Seja confim, o do futuro,
Quanto no peito dormitava,

Seja o dito mito imaturo,
O que por escrito falava
Na abnegação.