segunda-feira, 21 de março de 2011

Espírito Sem Cor


Sopraste tintas no dispersar
Da tua imaginação,
E pintaste mundos de sinergia,
Sonhos que são tua companhia
E reflexos vivos do coração.
Então bailas em bicos de pés,
Solitária nos campos criados em flor;
Cantas à compreensão surda
E semeias fragmentos de Amor.
Porém o que é cego ao sentido
Esborrata a branco e, desentendido,
És um espírito sem cor.

(Substituição de um dos capítulos do Prín, dedicado a Dederyeh)

quinta-feira, 3 de março de 2011

4 Mini-contos


Nessa noite, foi só um truque de magia que correu mal… Da cartola de que me munira durante o espectáculo para o rei e a sua corte, o coelho branco espreitara sem vontade de sair e mergulhara nas entranhas mágicas do poço sem fundo, o que me envergonhou profundamente. Amaldiçoei o animal e disse com estas mesmas palavras: que o que me envergonhou acorde morto na amanhã do próximo dia! Não sabia eu que tão simples sentença surtiria tamanho efeito… Foi assim que todo o país passou a ser controlado por uma corja de nobres mortos-vivos, pois o meu sentimento de vergonha fora devido a quem observava o meu fracasso e não ao que me levara a fracassar. Incapaz de desfazer a teia criada com uma intenção mal destilada pelas palavras, fugi para os confins remotos da cartola mágica. Fosse para onde fosse, o jantar seria assado de coelho branco.
*
Chamo-me Florya. Nasci quando os raios de Sol tocaram as pétalas da primeira flor que desabrochou. As asas nas minhas costas igualam-se às das borboletas que um dia existiram. Sou a primeira e última fada que o mundo conheceu. Todas as que vieram depois de mim foram já levadas na brisa entristecida. Caíram ao ver perecer a vida amada, suicidaram-se para não deixar vingar o ódio que perverte a alma. Porém era meu destino permanecer, ver crescer os desertos e os reflexos de mentiras que suprimiam a Natureza, e acabar com esse falso sonho de assassinos. Cresci entre eles, aprendi com eles e parte de mim transformou-se neles para compreender. Mas não compreendi o porquê da troca da vida pelo metal, por flores mecânicas com perfume de veneno. E por isso acabei com o Tudo, deixando o Nada. Hoje sou pó que restou. Eles são as cinzas mortas do egoísmo.
*
Estendi a mão, permitindo que nela perecesse um daqueles flocos de neve que se precipitavam dos céus. Derreteu-se, formando uma ínfima poça de água e sangue. Levei-a junto ao rosto, cheirando-a primeiro e depois provando-a. Era aquela a prova de que necessitava. Um sorriso aflorou-me aos lábios e voltei-me para aqueles que aguardavam, expectantes. Mostrei-lhes a mão como prova do que iria dizer de seguida.

- Tem gosto de anjo. Eles finalmente estão a cair dos Altos, faltam-lhe as asas que os sustentam! É chegada a hora de escrevermos o nosso próprio destino, filhos do Inferno e da Terra!

Observei de olhos rubros e fascinados e reacção daqueles que seguiam um demónio e a mentira que lhes contava. Subir ao céu naquele momento seria um mero suicídio. Mas era disso que Ele precisava, agora que não lhe sobrava uma única pluma de anjo. E eu dar-lhe-ia as almas que desejava escravizar e devorar para o paraíso do seu estômago. Que não era diferente dos Outros.

- Partamos à conquista! – Gritei, sendo acompanhado por um urro grotesco de apoio. Feito isto, invoquei a passagem até ao portão dos céus, para o qual os idiotas correram de armas em punho, mergulhando nas entranhas de Deus, perante a minha expressão maldosa. Fiz uma vénia à enorme boca devoradora de almas e voltei à Terra para resgatar mais crédulos e deixar os cépticos reconstruírem um mundo pós-apocalíptico.
*
Luzes cruas e artificiais precipitavam-se sobre a planta. Fora feita de uma única célula proveniente da sua mãe, também ela nascida daquela forma de reconstituição. E apesar da sua clara efemeridade, era diferente de todas as outras. Na sua extremidade superior segurava uma flor fértil, prestes a desabrochar. Um formigar correu as pétalas, forçando-as a abrir uma a uma e perecerem à vontade de outrem, revelando o que se desenvolvera no ovário, protegida do exterior pela cúpula de interior em veludo. Espreitou curiosa, o corpo humanóide perfeitamente delineado numa escultura de mulher minúscula. Nas costas amparava duas asas por abrir raiadas a rubro.

Todo o processo foi monitorizado por um cientista que pulou da cadeira e correu até ao laboratório. Porém, quando abriu a porta e os seus olhos caíram sobre o pequeno ser, este desfez-se em cinzas. Que o olhar humano queima e mata uma fada filha da Natureza.