sábado, 28 de novembro de 2009

Acróstico (III)


Dream, by guggenheimgrotto

Ah! Nada sei.
Nada de quanto havia
A saber na Sabedoria.

Cantado o absorto do surreal,
A momentos de tempo infinito,
Tomei pedaços pintados em cor de sonho,
Aquando este meu passear de risonho
Riso se vivo o não saber
Inato ao não sabido do conhecer, que
Nunca soube o que havia
A saber, um dia.

Argonauta fui, nesse mar de desconhecido,
Lado a lado com o prazer de antever
Brumas, as da magia,
Ubíquas de dia e noite de breu,
Quando em seu vulto se obscurecia,
Ululante o vagar do surreal nascer.
Enquanto era crepúsculo que o dia e a noite são,
Rumei sabendo o não saber
Que era bússola só o coração
Um guia cego mas que via
E esperei o que não sabia.

E enquanto esperava
Urdir o não saber no que não sabia,
Soube que sob intenções disformes
É o conhecimento vivido e navegado.
Barco à vela nas intempéries
Imaginadas, que são brisa e vento
Olvidado nas marés do pensamento.

Dedicado à minha querida
amiga Catarina

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Vazio


Fog, by Flugcojt

Dor?
Não a sinto,
Que sou um pedaço de vazio
Resgatado à corrente vaga do nada.

Puro e impuro. Depuro
Todos os termos que são nada
E eu um tudo,
Vago o conceito de ser um ser,
Se é certeza o não ser incerto.
Incompleto o doer de ser,
E por isso não serei,
Meu amor vazio,
Que não te sinto.

E o que te leva a sentir?
Pergunto, discreta, em murmúrio fosco,
Que o não ouvir canta em sinfonia leda
E o escutar é martírio à alma.

Por isso não respondas,
Que não te ouvirei.
O vazio é surdo.

Não te entreponhas entre mim
E a díspar cor que não vês.
Que o vazio é cego.

E não me oiças.
O vazio não é mudo,
Mas não sente o que diz.

E o que não é vazio é defunto,
Meu defunto amor, que sou vazio,
Aquele que vagueia em tudo
Na esperança de te sentir.

domingo, 22 de novembro de 2009

Caminho entre o Mar

Desmontou do cavalo e colocou-se lado a lado com Landar. Atirou a capa para trás das costas, de forma a não lhe estorvar os movimentos. Enquanto isso, Liriana colocou Karai no chão, antes de ela própria abandonar a sela de Sirin. Não ousou perguntar o que iria fazer a irmã. Talvez invocar uma embarcação caída dos céus.
- Ai, tenho de ver este espectáculo – comentou Leonardo, posicionando-se ao lado de Alexis, de braços cruzados. – Vocês as duas venham também. A última vez que alguém viu isto foi há já alguns milénios atrás.
O que poderia animar o necromante assim tanto, levando-o ao termo de usar exageros que incluíam vastas porções de tempo? Aproximou-se, levando Karai pela mão e esperou para ver o que aconteceria.
Alexis arregaçou as mangas da camisa até aos cotovelos, mostrando o quão pálida era a sua pele. Esticou os braços à sua frente, e anuiu-os pelas palmas das mãos, em direcção a Este. Após assumir aquela posição, as palavras brotaram-lhe dos lábios, num tom alto de invocação que os rodeou e se espalhou pelas profundas águas em redor.
- Deminir ê phoroin vir danark, ye falanar theluin se ulidarn. Lessir ê Thornigan vir certhon, gladh, milno kandell, dyrin ye sar. Voloner aferi ceri vir kirdanl sem argani, jian iemorion se uthillavar vuanor. Lessir damar fyoni, milne halnaners ceri lnimars iemorsa bredins holunner.(*)
Para Norte e Sul, as ondas embateram de encontro aos rochedos com mais força, espumando de forma quase agressiva, enquanto tentavam trepar por eles acima. Na praia, as gaivotas levantaram voo súbita e simultaneamente, deixando algumas penas para trás, ao verem que as ondas se aproximavam das suas patas de forma anómala, como se a maré mudasse inesperadamente. A superfície do mar tornou-se mais turbulenta, como se os movimentos na massa de água modificassem as correntes radicalmente.
Sentiu um puxão na mão quando Karai se aproximou mais da beira do monte, espreitando curiosa para o fundo. Os sedosos cabelos brancos pendiam soltos da trança em finas madeixas que pareciam puxá-la para baixo, através da gravidade. No local onde a criança focava a sua atenção, um sulco em linha recta começou a aprofundar-se sobre as águas que rugiam em fúria não reprimida, separando as partículas quase infinitas em duas partes distintas. E entre essas duas porções de água, abriu-se um trilho forrado a areia molhada e flanqueado por dois muros de água que iam crescendo em altura, à medida que o caminho descia, até às profundezas do Mar do Interior.
Alexis baixou os braços, observando o seu feito num tom crítico. O caminho que atravessava as descobertas entranhas das águas deveria ter no máximo três metros de largura. Mas quantos não seriam os de comprimento, ao longo de todo ele, assim como os de altura? Iria ser uma viagem claustrofobicamente inesquecível.
- Acabaram de conhecer a encarnação de Moisés! – Disse Leonardo, com um sorriso de orelha a orelha.
Apesar do tom divertido da afirmação, não deixou de concordar de todo com o significado inato. Nada poderia descrever o poder contido no feitiço que Alexis proferira. Se ouvira falar dele, fora muito remotamente, quando lera o livro dos Deuses. Não atentara em muitos dos feitiços por lhe parecerem pouco práticos ou mesmo inúteis. Deveria ter catalogado este com o mesmo título. Mas eis que revelava a sua utilidade, uma utilidade que ultrapassara a sua imaginação.

(*)Adentro o profundo se encobre, em vagas negras de escuridão. Quando o Sol se extinguiu, cresceu por consumir, fechado em si. Mas eis que se abre à luz, trilho este de passado oculto. Quando perdido encontrado, pelas palavras que invocam esse caminho encerrado.

(excerto do Prín.)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Suserana da Noite


Dancers in the Dusk, by Puimun

No entardecer que o céu ilustra
A laranja e carmesim,
Diviso um final firme no horizonte
Onde se encerra o mistério pardo.

Que quando for rei o crepúsculo
No seu mísero reino de tempo nenhum,
Abrirá os sete cadeados fechados
E libertará o escondido no além.

Além, muito para além, aguarda a noite.
Trajada em veludo de escuridão,
Marchetada de jóias em ouro e prata.
Que se erguerá a suserana.

Liberta por fim e viva, que é bela,
A donzela do luar formoso,
É fogo ebúrneo que se acende,
Para os amantes do profundo,

Que a sua cantiga é solidão,
Mas alegre solidão de melancolia.
Um sonho áureo de tempos antigos,
Que foi ontem real, ontem, tão distante.

Hoje é lenda e amanhã será mito,
O da senhora suserana de além um dia.

Para a Fifi ^^

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Boneca de Trapos

Silêncio. Um ténue raio de sol penetrava através das fendas estreitas da madeira apodrecida de velha, alumiando o pó que flutuava etereamente em seu redor, uma chuva que revolteava ao mero sopro e não molhava ou era fria. Esticou o pequeno braço branco, fechando a mão sobre o pó. Aqueles fragmentos ínfimos faziam parte de si, crepúsculos de um inato que se desfazia e se escapava através do tecido que era a pele fina, compondo a atmosfera abafada que se revolvia, no lar de solidão que habitava.

Antes, não dava especial atenção àquelas partículas. Só pensava nos sorrisos de alegria que revibravam vivos naquela mesma casa, sorrisos que ela própria fazia sorrir, alimentando-se de carinho e amor, tal como era ela alimentada. Mas agora ninguém a alimentava. Há quantos anos passaria fome? Esquecera-se do passar do tempo naquela cabana apodrecida do topo da árvore. À sua frente, repousava uma chávena de chá inundada em água turva. Conseguia ver o seu reflexo no líquido que nunca evaporara e ali permanecera, o chá que partilhara com a sua senhora menina que um dia partira. E ali a deixara viver de sede, sede de querer ser abraçada novamente, sequiosa daquele toque suave, do pente nos seus cabelos de tiras castanhas, agora também poeirentas, ruídas pelas traças incessantes, tão esfomeadas quanto ela. Ao contrário da sua pequenez pessoa que nunca fora, os insectos tinham o que comer. Comiam-na a ela e à sua mansão. Comiam o que era seu. Talvez também tivessem comido a sua senhora menina, aquelas térmitas desditas.

Deixou pender o braço que erguera para apanhar o pó que era seu, e a casa caiu, tal como a vontade de viver da pequena boneca de trapos.

(Não saiu nada do que eu queria -.-')

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ditador



Crown Without a King, by Rawimage

Misericórdia? É um conceito inglório
De cruel ventura ditada aos fracos.
Não possuo eu o que me é vão.
Que da complacência ganho um marco
De rocha erodida, a abater,
Promontório cadente. Mas não cairei,
Dito a Vontade e sou a Lei,
Legado do frígido fogo do poder
Que constrange e silencia,
Que incendeia e queima em cinza
A alma viva que é a morte que almejo
À sua vontade caída.

(Capítulo VIII - O Príncipe Akuirien, do Prín)