domingo, 30 de novembro de 2008

Perdão



Doce donzela, peço perdão.
Foi-me impossível catalisar
Em rima a rima o cantar
Que nos versos se imiscuem.
E peço o perdão que não mereço
Pois vazio sou, esse que careço.
(Não o negues)

Quis escrever, não consegui,
Feio truque, sinto murcho
O silêncio de aprendiz.
Perdoa o medíocre,
Tola vida que se desdiz.
(E que amaldiçoada seja eu)

E pensas “idiota fofa”,
Talvez idiota, fofa não.
Que penso o impensável,
Minto-me com verdades
E sou vil até mais não!
(Ah, pois sou, não tenhas dúvidas)

E como egocêntrico me parece
Poema reles, rançoso,
Estupidez esta desapegada!
Perdoa tagarelice que te enfada.
Maldita ou malograda.
(Não perdoes, não mereço.)

Almejava um só desejo
O que de feliz esperasses
E que espera essa abraçasses
Em esperanças, tais vinganças.
Pois o Mal é imortal e tu és o Mal!
(Ou não, não és o Mal. És uma coisa quida,
Minha querida amiga.)
.
[Dedicado à minha mais querida amiga, Catarina ^^]

Absurdo!



Para e ouve. Não ouves?
Então debruça-te um pouco mais
E escutas-me a mim a murmurar.
Vozinha pequenina, sussurro.
E que fala ela?
Fala do eterno absurdo!
Ora que mais poderia ser?
O absurdo de viver,
O absurdo que é surreal.
E pergunto o que tem de mal?
Nada tem, ora esta.
Para mim o absurdo é encanto,
É salão onde bailo em festa,
Baila comigo, bailas?
Que baile toda a gente com o absurdo!
Sapateado a dentro, gargalhada fora
Baila com o compasso da demora.
Vive-o, crescer vivo
Vontades de ler o impossível.
E o impossível é absurdo!
E do que é, fala mudo.
Nós somos o absurdo
E o absurdo é belo!
Nós somos belos,
Belos absurdos.
Porque o absurdo é tudo.
E também nós somos esse tudo
O tudo que contudo
Confunde os paços de dança mudos
Com borboletas floridas!
E dizes “absurdo!”
E digo-o eu também.
A Alice também o disse
“Que grande absurdo mundo”,
Que conversa de “absurdice”!
Mas é uma conversa real
Uma conversa que não tem qualquer mal
E se lhe descobrires o fim
De tagarelice a confim
Chamo-te absurdo
E deito-te a língua de fora.

[dedicado ao meu querido amigo Ker]

sábado, 29 de novembro de 2008

Um Sorriso



Tenro dote é esse,
Alma e alento de criança.
Conta sonhos, conta vida,
Conto nele a esperança.
É um sorriso.

E salta alegre, arco-íris!
Rompe ameias de desgosto
Dito vil, veias pulsantes
Senso de Sol contraposto.
E nele te enfatizo.

Porém, pura meiguice,
Será lume que queima
Quão luto alumiado
De composto solo seiva?
Oh! Não acredito.

Pois pintas pronto os céus,
Em cor só tua que anseias
Únicas vagas vontades
Essas deusas que enleias.
É teu o sorriso.

Então vê este o meu querer,
Sombra de fé, prece perdida.
Sorrio ténue ao sorrir
Sonho e conto, decaída.
Um sorriso impreciso.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O Silêncio da Campina


Anabela esticou os braços para cima, escutando as vértebras estalarem ao sentirem-se repuxadas. Dormira durante toda a tarde na campina do avô, tão descansada quanto lhe era possível. Era um dia de Primavera quente, mas nublado, o que impedira o Sol de incomodá-la. Não gostava do Sol. Aquele seu brilho inoportuno transformaria o seu descanso numa sauna infernal, chamando a si chilreares que não desejava. Ainda bem que ele se extinguira naquele dia.

Voltou a deixar-se cair sobre a relva macia no planalto e inspirou fundo aquele ar que a rodeava por todos e quaisquer lados. Que lhe dizia ele? Nada. Falava-lhe em silêncio sobre o "silêncio". Contava-lhe a sua história silenciosa, e sem sonoridade. Pois era ali que ele habitava em toda a sua plenitude. Nada era, para ele, o cantar das aves, pois espantara-as com um espantalho mudo e carcomido pelas térmitas que eram as suas brisas deprimentes. Os insectos, esses fugiram com os seus predadores. O que assustara as aves, assustara-os também, aura pesada e sem remorso, de atmosfera seca e insípida. E que maravilha era aquele silêncio! Podia gritar, e nem a si própria se ouvia! Ele consumia a sua voz avidamente, com fome dela. Pois, lá bem no fundo, amava-a. Amava os sons que não podia deter. Amava-a a ela, a única que o suportava, pois também o amava, ele que não a deixava escutar-se de tanto a querer ouvir. Ele que lhe ronronava aos ouvidos, e a consumia.

Ele, aquele silêncio da campina.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Maldição


Num vago raio (de remorso),

Gelo que era gelo sublimou

Esperanças tuas em martírios,

E o que era de pecado floriu.

Floriu e sorriu,

Sorriso reverso, esse esgar,

De milagres santos o cantar

Que acena, arauto sarcástico.

Então, chamas-lhe maldição,

Que a ti persegue por vis caminhos.

Não o vou negar, pois o é. Acertaste.

É maldição que em melodia murchaste.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Presentes


Doces, qual luar que enternece,

Digo-vos sonhos ou algo mais.

Mas que algo mais é sublime

Se sonhos o são em arco-íris

Vivos de magia viva?

Então, são mais que o sublime.

E não encontro resposta

Que de mais simples se eternize,

Pois só o simples o faz.

São somente meus amigos,

Sagrados, presentes ilustres que o Fado

Ilustrou, em tinta eterna, no coração.


Pois a simplicidade é imortal.

sábado, 22 de novembro de 2008

A Criança (um pequeno e resumido conto)

Um grito rompeu a noite, acordando-a do torpor negro, enquanto o seu veludo cobria São Petersburgo. Fora um grito de dor e alívio, um grito que se extinguiu na imensidão de uma minúscula habitação que se desfazia aos poucos com o passar inexorável dos anos. Quando Ele abriu os olhos, Ela cerrou-os. Oferecera-lhe o último fôlego num suspiro há muito preso no seu íntimo. Por fim, poderia descansar.

A parteira segurou a criança nos braços, observando os bracinhos débeis que se erguiam para a sua face. O pequeno ser parecia não sentir o frio que retinia em cada partícula de ar, e os olhos, de um cinzento expressivo, estavam abertos e miravam-na com uma curiosidade que nunca antes vira noutro recém-nascido. Não se surpreenderia se, quando crescido, se tornasse num rapazinho inteligente. Mas a um plebeu não era dada escolha. Ou trabalhava, ou mendigava. Essas eram as regras no Império dos Czares.

Embrulhou-o num trapo branco, onde o limpou do sangue e dos resquícios de líquido amniótico. Mal deu atenção ao corpo da mãe. Os vivos tinham prioridade, apesar daquele só o parecer estar, por fitá-la tão atentamente. Não fizera qualquer ruído ainda. Era normal que não o fizessem, quando nasciam em pleno Inverno, mas isso acontecia por nascerem mortos. Mas aquele não. Era tal a vivacidade do seu olhar de prata, que sentia um arrepio percorrê-la quando os olhares se cruzavam. Parecia consciente da sua presença, julgando cada um dos seus gestos. Felizmente deixá-lo-ia no orfanato no dia seguinte.

Após trajar a morta convencionalmente, para que, quando fossem buscar o cadáver, não se ressaltassem com os restos sangrentos do parto, saiu para a álgida frescura, iluminada por candeeiros a gás. As botas rústicas deixaram pegadas na neve que se acumulava lentamente fazia uma hora. Quem a quisesse seguir, fá-lo-ia facilmente, porém ninguém palmilhava as ruas numa noite como aquela, pelo menos alguém vivo não o faria.

De manhã, a parteira, com o bebé bem ajustado aos seus braços, avançou decidida até ao orfanato da cidade. O que realmente desejava era ver-se livre do encargo que transportava. Como era possível um bebé tão minúsculo não chorar? Não se assustar com tal mudança que era o aconchego no ventre da mãe e a crueza do mundo? Não parecia correcto.

Bateu com força às altas portas e esperou o que lhe pareceram ser dez minutos, até que alguém se dignasse a abrir-lhe a porta.

- Outro? – Inquiriu uma mulher com frieza, sem estender os braços para receber a criança.

- Sim, outro. Nasceu de madrugada – respondeu, retribuindo o tom, enquanto tomava a iniciativa de se livrar da criança.

A governanta pegou-lhe em contragosto, mostrando uma enorme aversão. A parteira não compreendia como é que uma pessoa daquelas trabalhava num orfanato atafulhado de miúdos. Lamentava por eles, mas nada podia fazer. Aliás, ela encarcerara lá uma boa parte dos órfãos que ajudara a nascer.

Vagamente, o sorriso do menino presenciou-a, de olhos cinza com uma pinta de carvão no centro. Bonito, mas de forma alguma amoroso, muito pelo contrário.

.~.~.

A parteira percorreu o espaço entre o casarão e a entrada, numa pequena corrida. Tinha mais que fazer que ficar na conversa com a governanta Voska. Encostou o portão quando saiu e desceu a rua. O frio entranhava-se-lhe pelo esqueleto, obrigando-a a esfregar os braços incessantemente, desde que largara a criança. Olhou para as mãos sem luvas. Estavam azuladas de frio. Inspirou e expirou com dificuldade. Deveriam ter diminuído uns dez graus, subitamente. A brisa soprou forte, levando dos seus cabelos pretos, o chapéu que a protegia do frio. No mesmo instante, o olhar tornou-se vítreo, e a parteira tombou na direcção que o vento seguia, toda ela azul. À sua frente, o par de pegadas que era o seu e que seguira para o orfanato, estava acompanhado por outros, de pés mais pequenos e descalços, a que ninguém viu dono.

.~.~.

Dez anos depois:

Ivanov observou a governanta Voska ser levada pelas forças superiores, por de trás de um arbusto do pátio. Não sorria nem chorava. Voska era acusada do assassínio de todas as crianças do orfanato que, ao longo de dez anos, foram morrendo, ou desaparecendo, uma a uma. A última que desaparecera, fora um sossegado rapaz de dez anos, magro e pálido, porém, as poucas pessoas que o conheceram, notavam sempre algo de estranho no seu olhar, ou nas poucas palavras que dizia. Era frio e inteligente, mais do que seria recomendado para aquela altura, não obstante do seu aspecto enfezado. O nome do pobre desaparecido era Ivanov, ele que observava através das folhas perenes que o resguardavam. Deixou que todos se afastassem, para sair do seu esconderijo. Esfregou os olhos, como faria qualquer criança com sono, e bocejou.

Apesar de tudo, estava com fome, muita fome. Mais tarde, iria ter com a repugnante governanta à sua cela, antes de a fuzilarem pelos seus hediondos crimes. E aí, devorar-lhe-ia a alma. Não poderia deixar que a desperdiçassem.

O olhar cruel brilhou uma última vez, antes de se extinguir no próprio ar que respirava. Só um par de pegadas, quase invisíveis, mostrava que uma criança descalça, saíra através do portão fechado a cadeado e descera a rua em direcção às almas que se movimentavam atarefadas no centro da cidade. Mas ninguém se apercebia desses pormenores e, entre tantos vivos, ninguém daria por falta de um ou outro. E ele tinha fome.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Donde derivam as palavras?


Donde derivam as palavras
Que se elevam em suspiros?
Não o sei eu, tu sabes?
Aquele ponto e contraponto
Que corre vago e saltitante
De sentimento em amor,
De raiva em clamor,
De doçura em cinismo,
De sonho em realismo.
Então, não sabes?
Mas deveis sabê-lo!
Mais tu que ninguém.
Pois as falas, não escreves,
Pois as sentes. Não entendes?
Tu criaste tais ditos,
Não eu e tenho-o dito.
Não resguardes do subtil,
Conto esse de embalar.
Dá-mo, que te imploro,
Prostrado em suplícios
Por não o ter e possuir,
Não o beber ou sentir…

.~.~.

O carvão treme-me, indistinto
Na mão que implorava milagres
Ou, quiçá, mais do que isso.
A dúvida estremecia a seu ritmo…

E se não soubesse o desdito
Ler palavras sem sentido
Que ditava ao papel?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Questões ao Vazio



«Que brilho é esse em tua face, que desliza doce?»
Sal é ele e não doce,
É amargo de salgado,
É cadente e inacabado.
Rebelde ribeiro que se amansa
Na secura de um dia quente.

«E porque seca ele, se decai em pureza?»
Porque o abandonou a certeza.
Falta não mais faz .
Desprezo o que de impuro perfaz
Lágrimas minhas que se esvaem
No oculto da alma.

«Desdita criatura, que dizes de cruel sobre ti?»
Sobre mim? Não existe tal aqui.
Vazio, sim, eu sou o Vazio!
Incomensurável esse teu desvario,
Engano imperdoável, indigno,
Confusão em que te diluis.

«Sois louco por tal clamar...»
Não, não sou, louco és tu por amar,
Fúteis palavras, doces encantos.
E depois desfazes-te em prantos,
Bates portas, fechas janelas
E prendes-te na liberdade.

«Que mentiras vis me atiras?!»
Mentiras? Vê antes as que crias!
Eu sou o Nada, não as crio,
E sou o tudo desse teu desvario.
Abraço-te, mas não compreendes,
E foges, louco, de mim.

domingo, 16 de novembro de 2008

Cai...


Decomposto.
Cai espírito de alma
Melíflua, penada,
Em nada.
Cai.
Não te ergas.
Rompeste o putrefacto
Roeste tendões para te livrares
Cego da cegueira da carne
E caíste.
Não te sustém o corpo,
Pois esse morreu
E está morto.
E continuas a cair.
Não encontras o fim.
Cai do infinito,
Cai nesse teu limbo.
Grita, esperneia sem pernas,
Nada contra a corrente,
Mas cai.
Não há volta, não há força
Nada há, para ti.
Só abismo caótico,
Duvidas de contorces análogos,
E mais espíritos que caem.
Caem por cair,
Caem, por não mais existir.
Mas tu existes.
Por isso cai
Não quero eu que existas.
Adeus,
E longa queda almejo,
Meu caríssimo Deus.

Insanidade


As asas bateram plenas
E, num resquício de dor,
Desfaleceram puras plumas,
Nobres aquelas que apenas
Floriram de murcha flor.

Nomeio eu isso de doença,
Peçonha consumista de essência
Que rouba almas de loucura;
Germe de culta presença
Crescente, essa, a tua demência,
Diga-se etérea e de vil cura.

E veneno é, de beleza doce
Dada, da vida para a morte.
Vê-la escrever a sangue
Sentença tua precoce
Teia e aranha do Fado e da Sorte.

Murcharam assim plumas,
Voaram, por fim, pétalas,
Além deuses suseranos.
Destino incerto é rumo que rumas
Nesse voo que desertas...
Oh! Feliz insano!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Rascunho de um Sorriso


Inconscientemente, peguei na minha velha caneta de tinta permanente azul, enquanto fitava um ainda mais velho caderno de páginas amareladas que encontrara no sótão da minha avó. As folhas estavam já carcomidas pelo tempo, apesar de desconfiar que eram uns bichinhos rastejantes que por lá havia que davam um empurrãozinho bastante forte ao apetite voraz do dito. Mas isso não passava de um pormenor que, de momento, não me era chamativo. Algo mais se remexia inquietamente na mente, picando-me sem compaixão e levando-me até à frente daquele caderno fútil, aos olhos dos vulgares mortais.

Levemente, bati com a caneta na têmpora direita, organizando palavras que mais tarde poderiam formar frases. Porém, tudo não passava de uma possibilidade. Revirei os olhos, fitando os cantos da sala onde me encontrava, mas ela não me inspirava, demasiado branca para poder acalentar a paz que era devida à cor. Por que não um sorriso? Sim, um sorriso! Era isso mesmo que queria que aquele papel ostentasse. Não um sorriso fingido, de onde não se distingue a verdade da mentira, mas um sorriso construído em palavras, um sorriso que ninguém poderia revogar ou contestar, um sorriso puro. Era esse o sorriso que tanto almejava.

Pousei a ponta metalizada da caneta sobre o papel, deixando que uma pinta se estriasse em curvas e contracurvas, por um diâmetro reduzido, antes de iniciar uma escrita rápida e floreada. As letras sucediam-se, palavra a palavra, espelhando aquilo que o meu espírito encantado engendrava, organizava e tentava planificar. A página preencheu-se, quase por magia, de seguida a folha e, por fim, todo o caderno, naquela letra miudinha e esguia de quem escreve direito por linhas tortas. Eu sabia o que queria, e era aquilo que estava ali, descrito em ínfimos pormenores.

Contudo, levei a caneta aos lábios e mordisquei-a, algo decepcionada com a verdade incondicional do que escrevera. Não passava aquilo de um mero e esmerado rascunho, elaborado num minuto eterno. Pois o que eu queria era a Realidade. Desejava um espelho em imagem das palavras. Alguém deveria sentir aquilo, alguém deveria possuir aquele sorriso que de inocência renascia do mais profundo e obscuro ser. Mas quem poderia ser?

Soltei um suspiro cansado, pousando a caneta e fechando o caderno com algum lamento. Da capa, sorria-me a fotografia de uma criança. Talvez tivesse sido aquela a minha inspiração espontânea e de que nem dera conta. Mas, inspiração ou não, nada me fazia crer que aquele fosse um sorriso verdadeiro. Mas as minhas palavras sim, essas eram sinceras, não obstante de serem um esboço do que poderia vir a ser um sorriso.

Talvez uma imagem valha mais que mil palavras mas, de momento, só estas palavras me sorriem.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Sereia



Qual deusa de intempéries
Sopras de dentro vento teu,
Folgo insano de rebelde,
Esse doce canto que a mim impele,
A devaneios loucos de Romeu.

Bailas vinganças, minhas ditas,
À voz mansa do destino
E hesitas dardejos de esperança,
Inocente, és qualquer criança,
Em perdido desatino.

Ao que a natureza negou
Cicatrizes de mão estendeste,
Aberta de cruel desventura.
Mão que finou tortura
Simples, do nó que prendeste.

Mas que prisão é esta agora?
Sei-a corrente e presa em mim,
Claustro de misericórdia a tua.
Prevejo, visão minha nua,
Horrores que me trespassam, espadachim.

Pois espada arguta é essa,
Com qual danças, sereia.
Romeu sou eu, caído,
Quiçá, por ti perdido
Nos negros rochedos da areia.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Outono e Primavera


A frescura verde do dia escorrera das árvores, qual seiva que se destila em sem fim fragmentos num Outono precoce. O chilrear melodioso das aves tentava buscar essa verdura que segundo a segundo se desvanecia, no entanto, não esperava ela por eles, não se achegava aos seus cantares vivos para os acolher.

Fugia,
Cada vez mais distante,
Cada vez mais débil,
Cada vez mais esguia.

Muitas desistiram da sua aventura chilreante, de buscar tom aquele que se esvaiu, e nenhum sabia para onde. Cansaram-se e partiram, para, quem sabe, num qualquer dia regressar e averiguar, que destino inglório era aquele que sem dó se abatia, em cada folha que admiravam tão ou mais que os deuses sem nome que as regiam.

Fugiram,
Cada vez mais distantes,
Cada vez mais débeis,
Cada vez mais esguias.

Porém, persistente a saudade ficou, e muitos, muitos dias mais tarde, cada uma delas regressou, ao seu lar que as abandonara inexoravelmente. E qual foi a sua surpresa quando, no horizonte, lhes acenaram braços verdejantes e convidativos à brisa quente do entardecer! Estranho fenómeno aquele, o daquelas árvores que cantavam ramalhares doces e amenos e tão chamativos! Conheciam-nas! Tinham elas voltado à vida, ressuscitadas dos confins da terra. A vida corria novamente nelas, e tão viva! A frescura verde do dia regressara às árvores, aquela frescura verde só sua!

Regressara bela!
Cada vez mais próxima,
Cada vez mais viva,
Cada vez mais ela!

E regressaram aves minhas!
Cada vez mais próximas,
Cada vez mais vivas.
Regressaram deusas andorinhas!

sábado, 8 de novembro de 2008

Disperso do Fado



Escuto lamento que se percute
Passo ante passo, cantando,
Qual sonho disperso entre
Daninhas ervas sem fado.

Lamento de não ver a vista
Que por horizontes acenava,
Sem folgo levada acenando,
Incansável e pequena na brisa.

Culpa destes toscos pinheiros
Que em labirintos me confundem,
Afastando do longe para o longínquo
Aquela por quem oiço e chamo.

Boiça inculta, esta, meu entrave,
Vertes cegueira ao que de mim
Em pontas de pés cansados se ergue
Num vislumbro do impossível!

Foi-se a voz que clamava o nome
Só dos deuses conhecido.
Foi-se para não mais voltar
Ao silêncio que abandonou, por fim.

Decaio só, entre ti, sentindo,
Vida natura que te embala
Em gemidos que germinam.
(Mas os sonhos nascem nesse embalar)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Frio



Frio é o que me perpassa em mil flechas simultâneas, neste preciso mas indeciso momento. Nada sinto, para além deste respirar desesperado, que incendeia vapores que se escapam inevitavelmente dos meus lábios semiabertos. É a energia vital que se esvai, pois quimicamente, nada é o frio e nada é o calor. Simplesmente uma transferência de energia. E a falta de energia que existe no ambiente, suga a minha sem qualquer autorização, devora-me sem consideração, cruel e sem compaixão. Há muito que deixei de saber o que é o movimentar, os meus dedos são pura pedra sem vida, arroxeados, de sangue coagulado que se desleixou da sua função.

É-me impossível erguer deste glaciar onde me encerraram comigo própria e com outros que não consigo já distinguir. Todos eles roxos ou azuis. Que estranha cor para definir um humano, nunca antes me fora permitido ver tal, mas agora que o vejo, os meus olhos cor de gelo encerram-se para não mais os ver.

O cansaço toma, finalmente, conta de mim, enquanto os meus dentes terminam um batimento marcado, um contra o outro. Aquele calor que o meu corpo cedia ao ambiente que me avizinhava, retardava-me o metabolismo, até que este, por fim, parasse. Retirava-me o meu, e só meu, calor e deixava-me fria, tão fria… e sem vida.
[Dedicado à primeira lei da termodinâmica xD]

domingo, 2 de novembro de 2008

Outono


Em tons de castanho, melancolia,

E num brilhar de Sol silencioso,

Permanece murcho o mundo

No seu decaído absurdo.

O verde espontâneo levou-se,

Do despontar etéreo que restou?

Oh! Cai tudo, nada fica.

Dormem sós, dormem esperando,

Braços despidos e entristecidos.

Dormimos assim nós,

De olhares atentos aguardando

O renascer da vida.