quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O Lago

Deslizaste, com uma suavidade algures de surreal, o sentido do tacto, na superfície que te espreitava sem curiosidade, atentando ao frio gélido, aos beijos que saboreavam ternura incompreendida e inquirindo questões aquando a reflexão, aquando a reminiscência do perdido irreflectido que abandonado se largara de afeições e ali mergulhara, manto de abstinência do real, onde adormeceu.

Vagarosamente, cerraste as pálpebras que pesavam os anos do mundo, deixando de fitar aquele que te olhava desinteressado, como se nada fosses para além do passar da brisa tardia à sua janela envidraçada. Entreabriste os lábios e chamaste pelo seu nome, irreconhecível à voz da razão, amante da solidão e perdido também ele nos confins imersos dos seus domínios. Mas ele ignorou-te. Repetiste, mais alto que o tom dos deuses, mais forte que o ribombar das ondas tormentosas que se envolvem em danças ditas terríveis no seu amor. Ele voltou-te as costas e tu choraste. Porém, ninguém mais o fez. Seria aquilo a impiedade que te reservara o derradeiro cabo que tentaras ultrapassar?

Oh, não acredito. Tenta ir mais longe. Mergulha nele e alcança-o, invoca doce a esperança dos mitos, a candura dos céus que te perscrutam. Leva contigo o poder do Astro Rei, e a bondade da terna Rainha. Clama novamente nome o seu e clama o teu, une a vontade com o querer, confia e acredita e alcançá-lo-ás no fim do tudo, na fronteira do inconstante com o intemporal. E aí, olhar-te-á ele, reconhecendo a macia tez da brancura imaculada, as plumas rubras da bravura passada e mar profundo de negro, algures inexplorado, algures por encontrar, no azul do teu olhar.

E estendes-lhe a mão de coração aberto, agora reconhecido o encoberto do espírito teu.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Fada

Chamem ritos
Deuses proscritos,
Pós mortos que os convido!
Celebro natura gente dos céus,
Canto fábulas aos teus
Crentes em que acredito.

Realço-lhes a beleza
E não duvido, na incerteza,
Infinita que terão de desconhecida!
E da morte não sabem elas,
Além da vida que descrevem
Ou aquando a queda a profundeza.

Conto conto tonto
É este que pesponto
À crença vossa, corrupta!
Não o sabem, sei-o eu
Mentira é esta a falada
Não a cantada a contraponto.

Pois sagazes
São palavras perspicazes,
Não as do meu pranto.
Pois as canto em dor sentida
Aquela sofrida que chora
Local tristonho onde ora jazes.

Chora pela calma
Essa que na desalma
Roubou lembrança a do mundo.
Meu desdito defunto
Roubaste beleza a da fada
E do mundo certeza a da alma.

sábado, 27 de dezembro de 2008

O Sol



Nasce Sol crescente
Em algures horizontes distantes.
Corre disposto a dar luz,
Cruzando incontidos instantes,
A que a aurora te conduz.

Palmilha, avançando lento,
Caminhos que percorres dentro e fora,
Incansáveis trilhos do mar
Esses em que quente na demora
Te conténs em parar.

E, por fim, nesse teu distante,
Vislumbro nascer que deslumbra,
Sonho e sorriso de amar.

E abro os braços, expectante,
Ao teu raiar que vislumbra
Alento meu, o d'almejar.



(Hum... chamemos a este poema uma prenda de Natal atrasada para todos os meus mais que queridos amigos ^.^
Sim, é uma prenda de pouca qualidade, eu própria admito... *snif*)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O Tronco do Carvalho Ancião

A firmeza a que te recostas foi rendilhada em chagas de sabedoria; pespontada a dourado que o tempo deixou, algures perdido em confins sem retorno; e, por fim, enrugada em folhos de belo traje de salão de baile, rico de simplicidade, onde despontam esmeraldas e florescem safiras, sob um sorrir que se ergue tão longínquo, onde só os grandes se atrevem a ir.

Tacteias cada encruzilhada que se lhe inscreve, seguindo, trôpego, trilhos que não constam nos mapas da tua memória. Pois esses labirintos murmuram caminhos para outros mundos, não avisando escarpas ou montanhas, mas clamando candeias que te iluminam, se assim te destinou o fado. E segue-las de olhos fechados e espírito aberto, por caminhos de terra batida e raízes que te afagam o corpo com desejo de contigo ficar. Contudo continuas a ziguezaguear, seguindo as luzes bruxuleantes e esquecendo olhos que te espreitam, escondidos do negro que se perde sob os passos que caminhas sem caminhar.

De súbito, paras o teu avanço e escutas o silêncio que te acompanha. Não o sentes sussurrar palavras indistintas? Sim, sentes. No entanto, não acreditas que o silêncio faça tal. Assim sendo, quem mais te guiaria por entre a escuridão de uma alma que envolve o tempo e o conhece como ninguém? Só aquele a quem as dádivas dos deuses foram concedidas, companheiro e guardião ancestral que vive, viveu e viverá, observando e escutando, vida pulsante a que te entregas, adormecido.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Vitória (Sobre o Tempo)


Derradeiro o teu canto soou alto

E rompeu véus cegos que te cobriam.

E gritaste. Fúria tua a do tempo,

Tanto aquele que passou.

Passou e esvoaçou.

Céu vivo que o engoliu.

E riu-se, gritando glória,

No devir da liberdade leda do esvair.

Glória a nossa, a da vitória.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A Bola de Neve

A bola branca escorregou, ligeira,
Ladeira abaixo, sem parar.
E cresceu com o tempo do escorregar,
Cada vez maior e mais densa,
Saltitando aqui e acolá,
Batendo em ramos enfeitados,
Chocando com fitas florescentes
E batendo de frio, entre-dentes,
Aquele arcaico chocalhar.
Por fim parou a sua queda
E como crescera para o espanto dos demais!
De bola pequenina passara a prenda
Adormecida sobre as agulhas do abeto,
Ou pinheirinho pequeno.
Alguém a segurou entre as mãos
Tão minúsculas que desapareciam
Por entre laços e laçarotes.
A bola ficou contente ao sentir-se aconchegada.
E já não de neve mas de papel,
Acreditou na magia do Natal.




(Hum... nunca escrevi nada tão... enfim...)



Fechadura



Curioso, espreitaste devagarinho
Pela fechadura inanimada,
Espreitaste algures o negro
Ninho do Nada, que escondido
Adormecido de sozinho,
Com o Tudo sonhava.

E veio-te o cheiro a bafio,
Aquele do tempo a passar.
Subtil perfume de rosas velhas,
Trigueiro sabor do rio,
Rumo ao passado antigo
Da madeira a crepitar.

Então escutas um lamento,
Som soturno de sonante.
Qual suspiro de cansaço,
É canto vago do momento,
Morto de esperanças vivas,
Esse clamor expectante.

Pede-te a chave que não tens,
E tentas em vão encontrar.
Ficou perdida nas sombras,
Fora do tempo onde manténs
Memória encoberta de antiga
A dessa chave milenar.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Escarpa



Revejo rotas distantes percorridas,
Baixios densos de pantanosos,
Paisagens desertas de denegridas,
E altos que se elevam, grotescos,
Acima do abaixo do que ainda virá.
Arrependo-me mas continuo, sem ver,
Sempre para cima, espreitando
O que de baixo, cego, me espreita
Com finda fome de comer.
Arrepio-me e vacilo.
Os dentes estropiados esperam-me
Baixo, tão em baixo do percorrido.
E pergunto aos céus que me acenam,
Surdos santos ao meu apelo:
«Como ousei fazê-lo?
Desafiar gravítica força dos deuses,
Dada tormenta de crentes?»
Pois sim, desafiei-os,
Guerra aberta ou vão esforço.
Diria-me insano, não fosse o querer voltar.
Mas não voltei…
Escorreguei,
Escarpa abaixo, fragoso trilho.
Caí perdido sobre a boca em brecha
Daquele meu desafio.


(ultimamente não tenho andado mesmo nada inspirada...)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Inferno (Divagações)

Reinas num paraíso, vasto de pequeno, infinito de sentimento, entre fronteiras do coração. A coroa de flores ornamenta-te de saber, aquele que possuis e ofereces, generosa, mas ninguém recebe. Temem-no. Que lhes murmura ele de tão assustador? Falará de monstros cruéis, vis desumanos desditos, infernos de mil planos e recantos, onde poderão habitar? Não… simplesmente sussurra pedidos de amor e compaixão. E que coisa horrível a consideram! Para eles o sofrimento é santo, a agonia é divina e o martírio terapia! Ah! Elevam os mártires a deuses! Eu também elevo, pobres deuses coitados que não conhecem o sorriso, pelejam por outro deus, dado a vigores do horrendo. E isso desilude-te. Lamentas por eles, choras por eles, mas não deverias fazê-lo. Eles ouvem-te e contudo ignoram-te. Correm de braços abertos para as chamas e queimam-se, esperando a salvação! Oh… Não me peças paciência que este egoísmo repugna-me. Sofrer propositadamente acreditando na piedade e chamar bondade a oferendas de segunda ou terceira intenção? Bem lhes desejo uma viagem para o Inferno e acredito que ele os aguarde ansiosamente. Que vão, neste mundo não fazem falta, estragam-no e destroem-no, o reino do teu coração

sábado, 20 de dezembro de 2008

Pagãos



Ambos fugimos, perdidos.
Em fogo perpétuo queimados
Quando nascidos, desamados,
Pois aos deuses o abandono é fútil
Acto que desabrocha flor sim, flor não.
Dizem-no vulgar, eu chamo-o vil,
Acto servil do coração.

Sim, servil chamo-o eu
Aquele acto perpetrado.
Não o sabem, sei-o eu do Fado
Farto que os controla vivo e renascido.
É ele Deus, digo e repito,
Amor nosso, funesto amigo.

E, em glória, ergue montanhas,
Mantos onde hoje enterra
Vida e alma doce, aquela que fizera.
Pranto é seu, o dos pequenos,
Esses sim, seus proscritos.
Bichos tolos, tão terrenos,
Os dos deuses desditos.


(note-se que não critico o paganismo)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Céu Nocturno


Vislumbro vista de céu distante,
Negro mar navegado.
Aportaste já em terra nossa, navegaste,
Nomeado, correntes do fado,
E não naufragaste.

Porém, pontos que luzem lá longe,
Caminham perdidos de cansados.
Procuram mas não encontram
Trilho teu, encontrado,
A que os deuses t’achegaram.

E continuarão rumo fora,
Correndo marés de areia,
Algures labirintos por lavrar.
É terra selvagem, esquecida teia
Onde não sabem navegar.

Temes por eles, alma de alento.
Não temas que um dia chegarão,
Vindos de algures na brisa amena.
E com o Deus Vento no coração,
É cantiga sua, a cítara serena.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Síndrome da Fantasia (Parte III - A Floresta)

O crepúsculo aproximava-se por de trás de nós, cobrindo a imensidão do deserto palmilhado, com um sopro ténue mas persistente, que nos acompanhava qual guardião de reino distante, aquele a que chegávamos, por fim. O humano que me acompanhava permanecia comigo, de alma e coração, e maior surpresa não poderia existir! Eu que imaginava que ele se perderia nos confins exóticos além-mar! Mas não, continuava a meu lado, com aquele seu olhar imperscrutável e pouco definido. Reparo, estupefacto, que nunca antes o olhei nos olhos e agora que deles tenho um vislumbro, noto o verde de natura que deles brilham. Deveria ter-me questionado quanto à sua pessoa, inquiri-lo das suas origens e gostos. Das suas crenças, aquelas que parecia não ter. Porém, o que estava feito, feito estava. Voltar atrás seria quebrar marés do Deus Vento e decepção certa para mim. Atentei ao que se me deparava e esqueci passados próximos, talvez erros impensados.

Vês folhagem alta que se ergue até céu finito e o ultrapassa em grandeza, caminhando sem descanso até às estrelas longínquas? Esta é a Floresta Sagrada, aquela de que te falei ao princípio da viagem, quando não crias sequer em simples Filhas do Mar. O que dizes? Não, não são pessoas com barbatanas, não digas blasfémia tal! Nunca compares os filhos dos elementos com medíocres humanos, esses que vivem para si e do seu egoísmo. Mas não discutamos assunto intrincado esse, que se me revolta o coração. Antes, observa riqueza esta do Mundo nosso que se esconde de nós! Conheces agora o desconhecido e sabe-lo belo. Perigoso, mas belo. Contudo, para onde caminhamos agora, não há perigo que te espreite. É o doce lar dos sábios vivos imortais, amantes da Mãe Natura. Não escutes agora o Vento, atenta à melodia singela que nos chega do ramalhar dos braços que nos acolhem. E nota naquelas luzinhas esvoaçantes que nos aclamam! Não! Não são pirilampos, impropério descrente dos deuses! São inocentes Fadas, Filhas das Flores que nos recebem alegres de contemplar humanos que lhes chegam do longe inalcançável. Dizes que não vieste de longe inalcançável nenhum? E ousas afirmar ainda que eu é que sou o insano!

Os nossos pés exaustos pisaram terra firme, abandonando areias traiçoeiras e desgostosas. Aquele par de almas não tinham elas tomado para suas. Os pequenos seres luminosos achegaram-se a nós, bruxuleando por entre os troncos da orla da Grande Floresta e, para meu espanto, rodearam o meu companheiro que sorriu como se de família tratassem. Os seus olhos esmeralda brilharam de magia e, num repente perceptível, mudaram para azul, depois para castanho e de seguida para mel, chegando ao cinzento e mergulhando novamente no esverdeado doce de planta recém-nascida. Senti lábios meus formarem exclamação sem voz, mas ele pareceu ouvir e sorriu-me.

«Vem», convidou. E eu fui, guiado pela mão. Da sua voz pendia o sabor da eternidade e, enquanto avançávamos cada vez mais para o âmago de tão vasto reino, apercebi-me das diferenças subtis que o distinguiam de mim e de outros vulgares humanos. As orelhas formavam um pequeno bico na ponta, o cabelo era mais sedoso que a seda que os bichinhos teciam, a voz era meiga, qual ribeiro manso que serpenteia por vales imensos e a aura emanada era pura, essa que guiava a minha para algures indefinidos de loucura insana. E como eram belos!

Por fim, encontrara o meu paraíso. E jamais dele abdicarei. Que fiquem o sãos no seu mundo de enganos, perpétuas vidas sem vida que os engolem. Talvez aqueles vis espíritos do deserto se entretenham com eles. Não que acredite que as suas almas tenham o que consumir. Não desejo indigestões seja a quem for.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Síndrome da Fantasia (Parte II - O Deserto)

O navio atracou no mar do deserto, lançando âncora sobre as areias frescas da manhã. O Sol acabara de nascer e estendia os seus vagos e etéreos raiares corpusculares numa aurora que respirava esplendor. Desci rapidamente para o solo mole e algures movediço, inspirando o ar quente que ainda estaria para vir. Porém, nesse ar pendiam ínfimas gotas dos cinco elementos sagrados. Podia sentir o Fogo que não queimava, mas aquecia; a Água que não afogava, mas hidratava; o Ar que não asfixiava, mas respirava; a Terra que não soterrava, mas nascia; e a Vida, essa que não matava, mas vivia. E tudo isso numa simples inspiração.

Também sentes? Não sentes?! Oh… Já me pergunto o que farei aqui contigo e porque razão me continuas a seguir se nada consegues vislumbrar, com ou sem o olhar! Responde-me porquê. Não queres responder? Ah! Criatura pérfida… deixas-me então na expectativa? Como quiseres então. Continuarei o meu caminho, até às florestas além deserto do mar. Se quiseres, segue-me. Mas depois não te queixes caso os elementos não sustentem essa tua ignorância e insensibilidade, e desfaleças aos muitos e muitos, pois aqui não esperes que seja aos poucos e poucos. Se Eles acharem que não mereces continuar, não continuarás. Não te importas? Bem, louvo a tua coragem, mas padeço pela tua insensatez. Almejo luz para o teu espírito, e que ele te saiba encaminhar, pelos trilhos cerrados do tudo e do nada.

Continuei em frente, seguindo o meu instinto que, por sua vez, seguia aquele doce manjar que pairava qual perfume das fadas. E ele seguiu-me também, inconsciente e descrente humano. Não havia ali qualquer sereia que o encantasse, mas seres muito mais revoltos que adoravam banquetear-se de mentes sãs, tornando-as insanas, que sublimavam almas humanas ao ponto de as cobiçarem unicamente para si. E o quanto encantava uma exótica serpente! Sim, era um local dito perigoso. E a fraca brisa que o Deus Vento nos enviava, avisava-nos de tal. Mas o meu companheiro não o escutava, virando de vez em vez, a cabeça para o navio que abandonava entre a imensidão. Pobre ignorante.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Mar Infinito



Remo e relembro ária fresca e distante,
Relembro os dias em que se encantavam os deuses.
Sorriam de alento serenos, por vezes,
Floriam vivos vindos de além-mar finito
E cantavam também comigo.

Relembro ave em chamas que se erguia
Em etérea glória, finda de eterna, fogosa.
Lágrimas suas, milagres meus perdidos.
Relembro plumas negras de vermelhas
E continuo a remar pelo mar finito.

Relembro céus de veludo, pintados a tinta e carvão,
Pincel, guache e tela, lá em mundos milenares.
Relembro utopias, vivas lendas de coração
Felino, heróico de heresia e amares,
Relembro e remo com destino à imensidão dos mares.

Relembro a graça ninfa do bailar
De maré e canto e melodia do marulhar.
Relembro prece e pedido, não do remo o manejo,
Mas descanso dito dormente,
Esse que aqui desejo.

E remo e volto a remar,
E na lembrança guardo infinita a esperança
De aquele mar um dia acabar.
Relembro o dia em que era finito,
Mas quando se tornara infinito de alcançar?

Síndrome da Fantasia (Parte I - Mar Alto)


Escutas o soprar do vento nas velas que se hasteiam? Ele fala, sabias? Conta histórias do mundo ao Mundo, cantadas em furores e fulgores que só ele sabe enfatizar. Não te rias, é verdade. Quando toca na tua pele, transportando no seu corpo areias de desertos longínquos, conta-te as histórias dos grandes magos que secaram lagos gota a gota, que separaram os mares em dois, que plantaram flores nas nuvens e dançaram com fadas nos mundos distantes que nos tocam. E se mergulhares nestas águas que nos rodeiam, verás sereias que nos espreitam curiosas e tímidas, aquelas das lendas que encantavam marinheiros e os faziam naufragar. Olha! Penso ter visto um pouco do seu cabelo flamejante ondular na maresia! Mas não te preocupes, não nos querem elas mal, estão só curiosas de ouvir também o Deus Vento que sopra manso, falando de florestas míticas onde se ama e venera a natureza. E sabes quem as habita, correndo alegres por entre troncos macios e nodosos, descalços e sempre belos? São os elfos, quem mais poderia ser? Eles que falam a língua da Mãe Natureza e sofrem quando ela sofre. Muitos pensam que se extinguiram ou abandonaram para sempre este mundo, desgostosos dos actos feitos e desfeitos que muitos infligem. Mas eu digo-te que é mentira. Nos confins inexpugnáveis, cantam à natura gente que os ouve. E digo-o porque os ouvi um dia. Se escutares esta brisa que enfuna as velas do teu barco, dir-te-á que concorda comigo. E chamas-me louco? Oh! Lamento por tal ouvir. Mas não irei discutir tal desavença ou falta de crença contigo. Prefiro ouvir as histórias, o canto belo que sopra doce no assobio do vento. Quanto a ti, entretém-te com a arte de navegar. E se vires alguma sereia acenar-te, aproxima-te. Ela só quer conversar. E talvez, quem sabe, te enamores dela e aqui fiques, banhando-te na maré do desconhecido. Mas nada temas, pois é singelo e belo. Só se esconde por pensar que não simpatizarás com ele.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Chuva



Sorvo chá em charcos
Que a chuva encheu.
Chapinho neles, chamando-te,
Para neles chapinhares,
Chance tua de brincares,
Artista d'alegres amares!

E abres chapéu-de-chuva
Colocas cachecol ou xaile,
E sais rua fora, chocalhante,
Guizos esses, chinfrim!
Chegas aos saltos à chuva
De chucha na boca, criança!

Oh! Mas achegas-te ao charco,
Escorregas e cais!
Corres choroso, chamando
Pela mãe, qual chaleira
Em chamas que se extinguem
Ao chuvisco da manhã.

Então, fecho à chave lembranças,
Trechos são estes passados,
Algures perdidos de achados.
Já não chapinho à chuva
Já não choras, criança.
Já não te chamo, esperança.

sábado, 6 de dezembro de 2008

O Caminho das Fadas



Ouve, deusas tuas que vês,
Pequenas e doces
No Passado das vozes.
Perdidas somente em sonhos
Clamam de profundo encanto
Na natura de todos.

E dizes que não.
E digo que sim.
Caminhas do errado,
Em frente, sempre em frente.
Infância, distância de trás,
Simples sentido de crente,
Calçada verde de paz.

É esse trilho que não crês
Que cobre o mundo do encanto!
Não te encantes, não vês
Vaga a doçura do tudo,
Beleza nossa nativa
A do mundo desnudo.

Pudesses tu crer,
Poderias viver.
Mas não crês, não vives.
Não te baniram, baniste-te.
Lamento, e deusas minhas também.
Lamentam, pois partiste
Para o mundo de ninguém.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Metamorfose



Sobre as ameias do rio
Espreita dentro, olho fora,
Sorriso doce de demora,
Brilhar ardente de frio.

E pensasse água em fogo pardo,
Seco da sede que o encalça
Espreita escondido da vidraça
Nítida, palpitante bardo.

Torna então escamas em plumas,
Pronto de asas abertas,
Voa distante, distâncias certas
Em canto seu das dunas.

E olha-o espantado, é mágico
Tesouro que te roubas em alma.
Quere-lo, voar nadando em salva
Sonhos de tão fim trágico.

Não o queiras, é dele as vontades,
Donde nascem espigas do mar,
É peixinho contente a nadar,
De voar não prende saudades.

Pois o faz, vivo em vivências
Mago metafórico de metamorfoses!
Sente-o, é puro de vozes
Rico de conscientes inconsciências.

Doravante, meu caro, doravante,
Dormirás pleno na água que voa
Desse corrido rio que entoa
Canto algures distante.

Pois saberás peixe que sonhou
E a quem Liberdade livraste.
Podes não voar, mas amaste,
Ser esse que nadou e voou .