domingo, 22 de março de 2009

Acróstico


Arderam no promontório ventoso,
Sílfides da brisa que num dia distante cantou.
Algures escuro, que se varreu, tempo fora,
Sangue de água o seu, e o meu moroso de se apagar.

Digo martírio não esquecido
O de aquele dia passado.

Manchas. Chuvas. Fogos. Brumas.
E não as encontro, Deusa!
Uma a uma caíram, e eu caí com elas.

Porque o que sou, o que resta e chama,
Agora no seco vazio se esvai.
Seria luz?
Seria vida?
Amor dito e estrela erguida,
Dos céus cerúleos da magia.
Oh! Que esse Sol murchou…

Eram tudo, que era meu e vasto
Sem limites de vastidão.
Quão crescente era ele, o Astro Rei,
Urdido em calor de amor à Lua.
Esse rei e essa rainha, esses deuses!
Credos virgens de sonhar,
Imos do uno, agora ardidos.
Deuses meus, e minha vida,
Ora do mundo cansados, ora por ele, esquecidos.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Deus do Desconhecido

Nos altos que se erguiam, espinhosos, de Sol poente e Luar crescente nas mãos, pairava o Deus do Desconhecido. O que sabia, não sabemos e o que entendia, desentedemos. Mas era tudo, esse de que nada conhecemos.

Os seus braços, sempre abertos, com o poder sustido de Atlas, amparavam o Mundo e o Universo. Porém, por vezes, oscilava, ora para diante, ora para trás, como quem hesita em cair, quem pondera e perfaz ponto a ponto um padrão novo que aos poucos se desfaz. Que não mais querem os humanos saber do Deus do Desentendido. É errado querer conhecer o não sabido, se a entrega é vã, se é desperdício e morte, o que os espera escondido.

E não escutam o chamamento. Escolhem por si só. É louvado o poder, mas ouçam o que chama por vós! Que o domínio do não sabido é perigo que espreita armado e raposa matreira de bosque encantado. Procura, mas não subestimes. Anseia, mas não descures do murmúrio que serpenteia, vale a baixo, dos picos erguidos, do fim do mundo. Sussurro cadente do desejar imponderado, veneno que os naufraga no abissal fundo gelado.

Mas paz, que não é ele o inimigo! Se estenderes as mãos, dar-te-á o Sol e a Lua e o Coração. Dar-te há o Mundo e o Universo. E, nessa altura, serás tu o Deus do Desconhecido. Que o desejo é forte, mas não pretendido, quando o tiveres contigo. Pois o conhecer é encargo divino, peso que vergará o mais forte vivo até o oculto se ocultar, até o Sol se pôr e o Luar murchar.

E quando tudo souberes, conhecerás o Mundo, e abrirás as mãos… e esse Mundo cairá.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Despedida

Nas vagas suaves da maresia,
Perdeu-se ao luar dançante,
Onde viu, algures no marulhar,
Rosa perdida que o guiava.
E escondida no distante,
Viu-o partir, da beira-mar.

Vela, à noite erguida,
Proa, no escuro, indefinida,
E popa, só, em despedida.

O vento soava doce,
Ronronando, que o acompanhava.
Ai de mim, que era o fim,
Aquele que avistava ao longe.
E só eu, no meu adeus, esperava
Que quisesse ele esperar por mim.

Mão, que acenava, erguida
Olhos, de cor distante, indefinida,
E voz suave, mas não de despedida!

Pés descalços na fria areia,
Que ele por mim chamava!
Na espuma e fúria do impensado
Corri água adentro, insana,
Corri sem adeus, que a palavra
Era dura, finita e só meu pecado.

Fui, nos seus braços, erguida
E alma a minha, indefinida,
Deu à triste terra a despedida.

(Au revoir!)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Grão de Areia

Veio numa onda alta que me arrebatou nos seus braços frios e húmidos, e eu voei no canto do seu marejar, na sinfonia arejada de um tom de dentro de água.

E depois, não mais vi o céu e as aves que por ele nadavam de plumas secas ao vento forte. Vi somente o mundo inteiro que se escondia, a vida de tons estranhos e formas exóticas e ouvi-a cantar. Aquela enxurrada que me levou até confins de ao pé de mim, de cabelos em seda revolta da cor do tudo e do nada, cor tamanha e intocada que só os deuses sabiam pintar. E ela sorriu-me, musa ou ninfa da terra perdida, lábios doces de estrela esquecida e de arco-íris o olhar que a mim amava, efémera a vida que afogava.

Oh! Não me era destinado ver tamanha beleza, a que me oferecia, sua riqueza! Cerrei, então, os olhos e adormeci na sua melodia de mar, para não mais acordar. Que sou ínfimo grão de areia…

Adeus, minha sereia!

sábado, 14 de março de 2009

A Grande Pequena História

Era uma vez uma história pequenina, tão pequena que ninguém a via. Mas que queria ser vista. Saltava insistente por cima das cabeças, escorregava ligeira, por entre as multidões, e postava-se diante delas, mas para o mundo, era tão e simplesmente invisível. E ela chorava. E amaldiçoava todas as outras histórias que eram conhecidas e amadas, apontava as que eram odiadas e clamava ser injusto! Pois, só porque era pequenina, ninguém dela sabia.

Então, um dia, decidiu crescer. Pegou num lápis e escrevinhou em si letras sem sentido e frases perdidas, ilustrou loucura e pintou-a da cor do impossível desconhecido. Mascarou-se e tornou-se outra e, a partir desse instante, passou a ser vista, passou a ser falada na boca das multidões, enquanto se bamboleava pelas ruas onde quem a via passar acenava descrente e clamava: É doida a história que ali vai, é dita sem sentido e impossível de existir!

Mas eu disse que não. Não era doida, era sã. Cheia de um pouco do mundo, ilustrando-o como visão de algo mais. E que algo era esse? Oh! Era algo belo! Riscos que se entrançavam, uma língua distante que só poucos compreendiam: a linguagem do coração, a fala dos sentidos, o canto dos sentimentos e o toque do ignorado. Era, somente, diferente, como outrora. No entanto, agora um diferente notável, um diferente apontável. Um diferente que marcava e escrevia por cima do escrito. E que ficaria na história, pois não permitiria eu que apagadas fossem essas letras ditas de loucura. Pois loucos eram aqueles os que olhavam a superfície que os reflectia num mar de frases desditas…

E digo-vos mais. Uma história pode contar muitas outras histórias, ficando o interpretador por sua própria conta e risco. É um jogo perigoso. E aquela história pequenina que se tornara grande contava muitas, e dessas muitas, algumas matavam sem compaixão, outras torturavam, de tão cruéis que eram, e outras ainda, eram fénixes que se erguiam renascidas da cinza de um mundo cadente. Eram flores que floriam e murchavam, num simultâneo bailado onde uma cor era única e a mistura de todas. E chamavam eles isto de loucura! Eu chamo de Visão. Que o Pequeno escreve Grande!

E tudo isto para dizer que o escrever é imortal, que as palavras são o reflexo dos mundos e que todos o podem fazer com o querer que transmuta e revolve o certo e o errado, que abole os conceitos e as leis. Que chama a magia e a razão e as envolve num misto doce do que é a verdade.

Por isso, ofereço-te este conselho de loucura… escreve, que a tua escrita é o mundo.

Dedicado ao Kiko ^^

sexta-feira, 6 de março de 2009

Partiu...

Conspurcou…

Quanto do sangue derramado
Fulgiu rubro de rubi,
Jóia e pertence quebrado
Quando desdito caiu,
E estilhaço estéril, se apagado,
Tornou a vida que o partiu.

Sagrado…

Nascer que o vento,
Nos braços areosos de chagas
Abertas, aos mundos de sustento,
Sussurra vida, a do sorrir.
Destrono em embalo, que tormento…
O de o ver partir.

Não amou…

Dito fugaz (ó tristeza!)
O suave seu alento,
Privou-se pronto da certeza
Somente em torsos quebrados.
Quebrou sonhos, e se delicadeza
Foi, escondeu dos vidros os estilhaços.

E eu chorei…

Não mais o cantar foi pranto
O do sorrir, pois ele partiu.
Desceu fundo, tão fundo, conquanto
Era o descer para além finito,
Perdeu-se estrela de encanto
No seu ponto indistinto.

E conspurcou o sagrado,
Caindo tão aquém do possível,
O braço cadente do Fado.
Não amou e eu chorei,
Era seu, só seu o pecado,
Onde, sentada, por ele esperei.