domingo, 30 de março de 2014

Sombra

Erlkönig, Julius von Klever (1887)


Encolheu-se no seu canto escuro. Tinha medo, medo que a vissem, medo que a pisassem e interferissem com o seu ser mutável.

Olhou em redor, muito quieta. Nos céus, dois pares de asas recortadas rasgaram a noite, intrometendo-se entre ela e o luar que era seu pai e mãe, gerador de um fruto sombrio. Estremeceu, parte de si esvaindo-se, substituído por qualquer coisa igual mas diferente. Mas o morcego depressa desapareceu e, com sorte, manter-se-ia igual a si.

Então, os olhos negros escancararam-se. Cavalgando abaixo das estrelas, uma horda de terríveis nuvens armadas de chuva e relâmpagos aproximava-se, empurrada por um vento que se ergueu dos confins da noite. O coração invisível parou, enquanto juntos lhe pilharam o luar. E, na escuridão, ela desapareceu.

Quando as nuvens se afastaram para paragens desconhecidas, uma entidade ressurgiu naquele mesmo lugar. Era ela e não era. Porque as sombras são mutáveis e efémeras.

Cem Palavras: desafio de escrita criativa (Noite)
Versão estendida

Sem comentários: