sexta-feira, 25 de julho de 2014

Hoje, embala-me em ti


Hoje, embala-me em ti,
Gota de espírito de Verão.
Toma-me que sou Outono,
Melancolia e brisa extinta,
De folhas dispersas no chão.

Larva de sentimento que escava,
O que era contorce-se no coração,
Aprofunda e busca por nada,
Que nada é o que ficou,
Só aquele sentir, que é tão vão.

Abraça, canta e bane-a.
A dor que repica e ecoa é no mar
Escuma de lágrima e areia
Que em tempestade serena aguarda
Tua doce maré e teu embalar.

Sê berço do Presente, aconchego,
Meu, só meu, vasto mar.
Que nos teus braços adormeço,
Mergulho em ti e és sonho
De não mais acordar.


A Wooded Path in Autumn H. A. Brendekilde (1902) 


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Senta-te e aproxima-te do pensamento


Senta-te e aproxima-te do pensamento.
Observa-o ao largo, sem idade.
É tão demente que é são,
Alma tricotada a piedade,
E terrível besta sem coração.

Identifica-lo. Passo ante passo,
Cautela se é verdade que muta,
Conquanto indefinido. Olhar baço
De quem está e não está, permuta,
É brisa doce e suspiro de aço.

Então perde-te, na orla de floresta negra,
Onde o sopro tem perfume a maresia,
As folhas são de cor mil, oceano,
E o céu, teu, tão teu, é magia,
Mundo além, mundo arcano.

Imiscui-te. Idílico, vagueias
Onde o Nada, se labirinto, é escudo,
Compreensão de lâmina cega, espadachim,
Canto de quem tem o tom mudo,
Finito – quão finito? –, que não lhe vês fim.

Subsiste o complexo de raiz profunda,
Com e sem tronco, ignoto ao olhar.
Não o nomeies, é selvagem, etéreo, desnudo,
Do qual o grito, eterno rumorejar,
É o resto, e tão somente Tudo…

Faz do pensamento teu Lar.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Avizinha-te do pôr-do-sol


Avizinha-te do pôr-do-sol
E estende-lhe a mão.
Toca-lhe no raiar que se esvai,
Calor terno e sensação
De despedida ao partir.

Toca-lhe e pede
Para que não tarde em vir
No voo alto da aurora,
Ao escutar baixinho, só para si,
O bocejo da noite.


Golden Light of California, Albert Bierstadt

quarta-feira, 9 de julho de 2014

"Silêncio" sussurra o Vento



"Silêncio" sussurra o Vento,
No segundo em que tudo é ruído,
Tudo é denso e desatento.

Escuta-o a flauta que é seu soprar,
Escuta-o, que do silêncio
Nada mais irás escutar.

Não queiras Voar



Não queiras voar,
Que do voo vão é fogueira
Feita com penas de ar,
E insuflada a que se abeira,
De asas abertas, da ladeira,
Sem destino a rumar.


sábado, 5 de julho de 2014

Ladrão do Céu

Dark Phoenix
©Stephanie Pui-Mun Law, 2009




Estrelas…
Embalsama quantas houver no céu.
Esconde-as, é colheita do para-além,
Frutos vivos. Roubados são os espíritos,
Tão teus e de ninguém.

Que ninguém sabe que roubaste,
Segredo tão segredo, ao olhar
Cintilam alto no seu véu,
Espelho de jóia, é teu guardar,
Corvo eterno, ladrão do céu.