terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Livro "O Retrato da Biblioteca"


Bem, depois de algumas tentativas para editar o meu 1º livro, e de ter recebido "não's", "sim's mas com patrocínio do autor" e "Sim's, mas o contrato não apareceu até hoje", decidi publicar uma versão e-book, mesmo sabendo que não é muito apelativo para algumas pessoas.

Ao princípio pensei em vendê-lo por 2€, como preço simbólico, mas acabei por considerar deixar que fosse o leitor a decidir. Ou seja, leitura grátis para quem quiser (claro que ficava contente se recebesse qualquer coisa para comprar o passe :p)!

Podem ver informações básicas do livro aqui:
O Retrato da Biblioteca, Goodreads

E mais informações aqui: O Retrato da Biblioteca, página do Facebook

E, se estiverem interessados, basta mandarem-me uma mensagem :)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Aline (O Caderno dos 80 Temas - Kath)

- Parte III -

– Talvez seja mesmo melhor ir-me embora e deixar-vos aqui fechada, donzela – acabou por concluir, regressando para junto da janela. – Talvez outro cavaleiro não se importe de socorrê-la. E talvez esse outro cavaleiro deseje mais recompensas para além do vosso bem-estar.

O corpo de Amadis começou a esfumar-se no ar e foi levado pela brisa. Lá em baixo, o unicórnio soltou um relincho quando o seu legítimo dono o montou, afastando-se no horizonte escuro, poucos segundos depois.

Com um piscar de olhos, Aline regressou para junto da cama de dossel rasgado, após apanhar os binóculos do chão. Deixara a sua hipótese de fuga ir-se embora com o vento e ficara sozinha novamente, sem saber como sair. Um cisco inoportuno entrou-lhe para um dos olhos, levando a que uma lágrima se vertesse. Ou pelo menos seria essa a desculpa que a caçadora utilizaria se alguém lhe perguntasse a razão do seu choro.

– Amadis… – sussurrou, encolhendo-se um pouco sobre os joelhos. – Porquê que és um idiota?

A superfície lisa do espelho emitiu um brilho fugaz e a extremidade de um tabuleiro surgiu acompanhada por uma mão, que se preparava para pousar o jantar da caçadora. Ela lançou-lhe um olhar torto e não pensou um instante antes de arremessar novamente os binóculos. Desta vez falhou o alvo, conseguindo a mão escapar ilesa. Praguejou, chamando-lhe todo um chorrilho de nomes menos próprios em francês.

Ficou muito quieta, pensando em como tudo aquilo tinha começado. Não conseguia recordar-se perfeitamente, só sabia que um dia acordara e estava ali, deitada naquela cama, no cimo daquela torre feia e meia torta que cheirava a mofo. E lembrava-se de como o calor e o frio alternavam, com o nascer e o pôr-do-sol que aconteciam a um ritmo acelerado. Estremeceu e abraçou o próprio corpo, esfregou os braços para se aquecer, mas sabia que não iria sortir resultado. Era como se um demónio glaciar soprasse à janela e inundasse o quarto com o seu frio. Em resposta àquela sensação, os dentes começaram a tiritar.

Deixou-se então deitar na cama, sem se tapar. Quando adormecia, os lençóis brancos transformavam-se em fantasmas que a agarravam, e o melhor método para o evitar era dormir sobre eles. Tentara destruí-los à pancada e com virotes de besta, mas eles resistiram e ficaram somente esburacados.

Com um inspirar fundo, chamou a calma a si, para que pudesse dormir mais uma curta e longa noite. Se um dia apanhasse o Deus Hipno e os filhos, ensiná-los-ia a não se meterem consigo…

Um toque leve no rosto despertou-a, e não foi preciso mais do que isso para ela saltar da cama e afastar-se numa corrida, antes de sequer ver quem poderia ser.

– Minha donzela – começou o príncipe Amadis, ainda com a mão estendida perto do local onde a caçadora tivera a cabeça –, trouxe-vos auxílio, após uma árdua busca.

Os olhos da caçadora saltaram para uma figura diminuta, ao lado do vampiro. Por um momento pensou que era uma daquelas fadas que ele descrevera, até se lembrar que estas deviam ser cinco vezes mais pequenas. Era uma miúda maltrapilha, com a boca suja de chocolate e o cabelo desgrenhado. Ela retribuía-lhe a atenção com dois olhos muito expressivos que a escrutinavam de cima a abaixo, como se conseguissem ver para além de si.

– Uma criança... – constatou, fingindo-se pouco crédula. – Como é que uma criança me pode ajudar?

– Chamo-me Magda e sou bruxa – ripostou a miúda, num tom cáustico. – Respeitinho ou transformo-te numa lesma ranhosa.

Amadis afastou-se um passo despercebido, como para se certificar de que a ameaça não se dirigia também a ele por engano ou por arrasto. A suposta pequena feiticeira ignorou-o e aproximou-se do espelho, enquanto tirava o resto do chocolate do bolso do vestido de bainhas descosidas. Deu-lhe uma dentada enquanto observava as inscrições estranhas.

– Aqui diz que – começou, de boca cheia – “O pensamento frontal e maiúsculo reflecte o enigma: testemunha a esperança e sonha a terra adventícia”.

Aline e Amadis observaram a menina que saboreava o chocolate, enquanto pensava naquelas palavras enigmáticas. Nenhum dos dois compreendeu o que poderia querer dizer a frase.

– Ah, é fácil – acabou Magda por afirmar, voltando-se para a ex-princesa. – Tens de encostar a testa ao espelho.

O silêncio instalou-se entre eles, ao ouvirem aquela afirmação, só interrompido pelo relinchar impaciente do unicórnio.

– Encostar a testa ao espelho… e como é que chegaste a essa conclusão? Qual é mesmo a tua lógica? – Aline cruzou os braços sobre o peito. Algo que lhe dizia que a miudinha estava a tentar aldrabá-la.

Magda revirou os olhos, antes de apontar com o chocolate à inscrição do espelho.

– “Testemunha a esperança e sonha a terra adventícia”, se fizermos um acrónimo com isto, ficamos com a palavra TESTA. E depois ainda há esta parte do pensamento frontal, que também remete para “testa”, e a parte da reflexão. Tendo em conta que este espelho não reflecte o raio que o parta, talvez possa reflectir os teus pensamentos se encostares lá a cabeça – explicou.

A cabeça de Amadis acenou, parecendo ficar extremamente convencido com aquela explicação. Quanto à caçadora, fez um leve esgar de dúvida. Todavia não perdia nada em tentar. No máximo fazia figura de parva. Avançou até perto da superfície espelhada que nada reflectia e no momento a seguir já lhe tinha encostado a fronte. Nada aconteceu.

– Estou a fazer alguma coisa mal? – perguntou, pouco amavelmente.

– Hm… fecha os olhos – ordenou Magda, dando outra dentada no chocolate.

Com um ranger de dentes, obedeceu à criança. Sentiu-se igual: em pé, com a testa contra um espelho frio, a seguir os conselhos de uma fedelha gulosa. Contudo, instantes depois, um beijo leve mas frio tocou-lhe a bochecha.

– Amadis? – questionou, antes de ser acometida por uma vertigem brusca que lhe roubou o chão dos pés. A mente toldou-se com uma névoa negra e as costas bateram sem aviso, mas não sobre a pedra do quarto. Lembrava-lhe mais um colchão. A superfície do espelho tornou-se húmida, macia e moldável, mas continuou fria. Atreveu-se a abrir as pálpebras, hesitante, e viu o rosto dele próximo do seu. – Amadis?

– Sou eu – confirmou, com um sorriso terno. – Fico feliz por te ver acordada. Já te íamos levar ao hospital se a febre não baixasse.

Piscou os olhos, assimilando o que escutava. Hospital? Febre? Com cuidado levou uma mão até à testa, sentindo a toalha fria. Com que então era isso. Soltou um suspiro e não deixou de sorrir. Fora tudo um pesadelo.

– Sonhei que eras um príncipe encantado bissexual com um unicórnio, morceguito – comentou, fechando os olhos e não deixando de sorrir ao dizer aquilo.

– Por acaso, comprei um unicórnio de peluche para te oferecer, minha caçadora… como é que adivinhaste?

Aline riu-se baixinho. Aquele já era o seu Amadis.

FIM

16 - Aline

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Aline (O Caderno dos 80 Temas - Kath)

- Parte II -

– Pára de ser idiota, eu só quero sair daqui. – Voltou a olhar lá para baixo. Era mesmo um unicórnio que estava parado à beira da torre, a desbravar um arbusto com os dentes. Podia discernir perfeitamente o corno pontiagudo entre as orelhas.

– Ah, aquilo é uma cenoura – esclareceu Amadis, espreitando também lá para baixo. – Serve para ele andar mais depressa. Como está de noite, a minha nobre princesa não consegue ver muito bem.

A caçadora crispou a mão no binóculo, contendo-se para não o atirar janela fora, e respirou fundo três vezes consecutivas, antes de se voltar para ele.

– Vamos pôr as peças no lugar e falar como gente crescida. Eu não sou deste mundo, prenderam-me nesta torre através daquele espelho – apontou-o, sim tirar os olhos do seu príncipe vampiro com comportamentos estranhos. – És capaz de fazê-lo funcionar ao contrário?

Com uma expressão circunspecta, Amadis achegou-se ao espelho, observando-o mais de perto. Bateu-lhe com os nós dos dedos e depois desencostou-o da parede, mirando a parte de trás, onde só estavam uns arabescos elegíveis, fortemente cravados na superfície de metal.

– Hm… tendes mesmo a certeza de que não sois uma princesa louca? – Quis saber, só para se certificar da resposta. Foi nessa altura que os binóculos voaram na direcção da cabeça do príncipe.

Ao contrário do que qualquer um poderia pensar em relação a reflexos sobrenaturais, Amadis não os teve e o objecto acertou-lhe mesmo a meio da testa, não fosse Aline uma óptima atiradora. Com a dor súbita, ele levou uma mão à cabeça, mirando a donzela com todo um ar tremendamente magoado.

– Pensei que isso não doesse particularmente. – Notou a caçadora.

– Doeu-me na alma! Cada palavra, cada atitude tua, só servem para me destroçar… – Soltou um soluço, ameaçando desfazer-se em lágrimas.

– Mas tu és um príncipe ou uma princesa? É que estás a comportar-te como um maricas de primeira…

Ele abriu a boca para lhe responder, ultrajado com aquelas suposições.

– Para vossa informação, sou bissexual. E não vos atreveis a dizer que então sou princesa e príncipe ao mesmo tempo, senão deixo-vos aqui fechada para toda a eternidade! – Era uma ameaça a ter em conta, depois de o vampiro lhe ter adivinhado as próximas palavras.

Os braços de Aline cruzaram-se. – Não eras capaz. Eu conheço-te.

Não obteve nenhuma refutação àquelas palavras, apesar de ele ter tentado pensar em alguma coisa, antes de se embrenhar novamente nas inscrições místicas do espelho.

– Penso que está escrito na língua das fadas dos pântanos do sangue – confidenciou, de sobrancelhas franzidas. – Não sei como o ler. Mas…

– Fadas dos pântanos do sangue? – Interrompeu, não gostando da forma como lhe soava aquela denominação.

Amadis lançou-lhe um escrutinar muito sério, tão sério que parecia ter perante ela um novo vampiro e não o príncipe encantado do unicórnio.

– São terríveis criaturas, com não mais do que um palmo de altura. Vivem em pequenas comunidades criadas com bolsas de ar, abaixo da superfície das águas estagnadas. É aí que se canibalizam quando não encontram as suas presas favoritas: humanos. Infelizmente, muitos são os tolos que pensam nelas como meros contos para assustar as crianças, entrando nos seus territórios para serem devorados. Quando a presa passa perto dos seus lares, elas trepam até à superfície e agarram-na pelos pés. A pessoa pensa que ficou presa no pântano mas, quando olha para baixo, já a restante comunidade lhe sobe pelo corpo, chegando rapidamente à pele descoberta do rosto e começando a devorá-la rapidamente. Algumas dirigem-se aos olhos, outras entram-lhe pela boca. É uma morte terrível, nunca ninguém sobreviveu.

Aline levara uma mão ao pescoço, engolindo em seco, até escutar a última frase.

– Então… como é que tu sabes isso?

– Bem, eu já passei no pântano, a bem da verdade. Ia com dois companheiros humanos. Eles foram devorados, mas eu não. As fadas tentaram fazê-lo contudo, quando a primeira me mordeu a ponta do nariz, percebeu que o meu corpo não era humano e partiram em retirada. E aquela dentada doeu. – Levou uma mão à ponta do nariz, afagando-o.

– Devias ter mais pena dos teus companheiros do que do teu nariz. Era bem-feita se te tivessem mordido a ponta de outra coisa. – Notou, num tom azedo.

Amadis arrepiou-se visivelmente, acabando por largar o espelho e preferindo não voltar a comentar o que aquela donzela mal-educada e desrespeitadora estava para ali a insinuar.

continua...

16 - Aline

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Aline (O Caderno dos 80 Temas - Kath)

- Parte I -

Era uma vez, numa torre alta que rompia as nuvens, uma princesa de nome Aline. Ela era diferente das donzelas restantes daquele reino remoto – não trajava qualquer vestido, mas uma roupa pouco típica da época deste conto: jeans, uma camisa e ténis práticos. Na sua expressão podia ler-se o mau humor de viver enclausurada num quarto sem portas, e à sua volta via-se como já expressara o permanente estado de espírito através dos pratos e copos partidos, o dossel da cama rasgado e uma desarrumação que meteria respeito à criança mais rebelde. Porém, por entre tudo aquilo, um espelho alto mantinha-se intacto. Atípico, pensam alguns, que imaginariam que aquela seria a primeira relíquia a ser estilhaçada por entre os ataques de fúria que consumiam a princesa mais vezes do que o recomendável. Mas vou contar-vos um segredo: nem o golpe de um ogre seria capaz de quebrar o espelho, e esta não é a sua única particularidade. Quem se aproximar o suficiente para espreitar por ele, não verá o próprio reflexo. Mas não se assustem, não foram transformados em vampiros sem darem conta. A verdade é que, por entre todas as paredes unas, aquela é uma das únicas formas de se entrar na torre. Quem quisesse sair teria de usar a janela, e não era recomendável fazê-lo porque a aterragem não estaria munida de simpatia.

É então este o cenário que temos dentro da torre da princesa Aline. Sei de antemão que se estão a perguntar quando virá o príncipe para a salvar. Digo-vos, ele aproxima-se celeremente, montado num corcel da mais pura brancura. Do cimo da torre, a donzela escutava-o e preparou-se. Pegou na besta, já montada ao seu lado, e aproximou-se da janela. Ela achava que deveria ser mais algum tarado a pedir-lhe para lançar o cabelo. O seu cabelo era castanho e dava-lhe pelos ombros, estava longe de ter aparência de Rapunzel.

Ninguém gritou por si, para que espreitasse, no entanto deixara de escutar o galope, o que significava que o cavaleiro tinha parado. De súbito, ele apareceu à janela e Aline deu um salto, disparando o virote que falhou o alvo, cravando-se numa das falhas entre as pedras da parede.

– Hey, Hey! Por favor, princesa, venho em paz! – Disse ele de imediato, não fosse ela voltar a disparar. Mas ela não voltou.

– Amadis, és tu? – Mirava-o, incrédula. – E que roupas são essas?

Ele olhou para si mesmo, depois de ter descido do parapeito da janela. Tinha toda uma indumentária principesca, mas o que mais se realçava à vista era a capa lilás.

– São roupas normais, minha princesa. Como sabeis o meu nome? – Retribuiu o olhar. – Nunca vos tinha visto antes, e vós nunca me haveis visto. Sonhasteis comigo?

Aline franziu as sobrancelhas, desconfiada.

– Eu não gosto que gozem com a minha cara, Amadis, por isso acaba com as parvoíces…

Ele abanou a cabeça, sem compreender o que ela estava para ali a dizer. Começou a ponderar na hipótese de aquela princesa ter enlouquecido por todo o tempo que ali ficara fechada.

– Vim salvar-vos do vosso cárcere, bela donzela – declarou, abrindo os braços. – Vinde comigo e levar-vos-ei de regresso ao reino onde pertenceis.

Ela ponderou por um pouco, mas nunca considerando agarrar-se a ele.

– Tu não me conheces, dizes. És deste mundo, então. E vieste salvar-me só porque sim? Não queres nada em troca, como casar-te comigo porque pensas que sou filha de um rei qualquer?

– Não estou interessado em riquezas, se é o que pensais. Nem a desposarei, se não for essa a vossa vontade – afirmou, com toda a dignidade. – Estou somente aqui para salvar a bela princesa.

– Eu não sou princesa – declarou, pousando a besta e tirando do bolso uns pequenos binóculos. Aproximou-se da beira da janela e espreitou lá para baixo. – Amadis, aquilo é um unicórnio?

– Não… não sois? – Perguntou, com uma ignorância inocente de quem nunca imaginara tal coisa. – Sois o quê, então? Uma bruxa disfarçada que me quis capturar?

Aline lançou-lhe um olhar de soslaio, algo ameaçador.

– Chamo-me Aline e sou caçadora de vampiros.

O príncipe só não empalideceu porque, na verdade, já era imensamente pálido. Mas felizmente não brilhava ao Sol.

– Então… foi tudo preparado para me capturar e matar? Foi isso? – Amadis recuou um passo. – Que jogo vil e cruel. Subi a esta torre para vos salvar e recebo uma estaca no coração! Aquele virote estava embrenhado em água benta, não estava?!

A suposta princesa semicerrou os olhos, revelando a sua tão típica falta de paciência para aturar conversas daquele género.

Continua...


16 - Aline