- Parte II -
– Pára de ser idiota, eu só quero sair daqui. – Voltou a olhar lá para baixo. Era mesmo um unicórnio que estava parado à beira da torre, a desbravar um arbusto com os dentes. Podia discernir perfeitamente o corno pontiagudo entre as orelhas.
– Ah, aquilo é uma cenoura – esclareceu Amadis, espreitando também lá para baixo. – Serve para ele andar mais depressa. Como está de noite, a minha nobre princesa não consegue ver muito bem.
A caçadora crispou a mão no binóculo, contendo-se para não o atirar janela fora, e respirou fundo três vezes consecutivas, antes de se voltar para ele.
– Vamos pôr as peças no lugar e falar como gente crescida. Eu não sou deste mundo, prenderam-me nesta torre através daquele espelho – apontou-o, sim tirar os olhos do seu príncipe vampiro com comportamentos estranhos. – És capaz de fazê-lo funcionar ao contrário?
Com uma expressão circunspecta, Amadis achegou-se ao espelho, observando-o mais de perto. Bateu-lhe com os nós dos dedos e depois desencostou-o da parede, mirando a parte de trás, onde só estavam uns arabescos elegíveis, fortemente cravados na superfície de metal.
– Hm… tendes mesmo a certeza de que não sois uma princesa louca? – Quis saber, só para se certificar da resposta. Foi nessa altura que os binóculos voaram na direcção da cabeça do príncipe.
Ao contrário do que qualquer um poderia pensar em relação a reflexos sobrenaturais, Amadis não os teve e o objecto acertou-lhe mesmo a meio da testa, não fosse Aline uma óptima atiradora. Com a dor súbita, ele levou uma mão à cabeça, mirando a donzela com todo um ar tremendamente magoado.
– Pensei que isso não doesse particularmente. – Notou a caçadora.
– Doeu-me na alma! Cada palavra, cada atitude tua, só servem para me destroçar… – Soltou um soluço, ameaçando desfazer-se em lágrimas.
– Mas tu és um príncipe ou uma princesa? É que estás a comportar-te como um maricas de primeira…
Ele abriu a boca para lhe responder, ultrajado com aquelas suposições.
– Para vossa informação, sou bissexual. E não vos atreveis a dizer que então sou princesa e príncipe ao mesmo tempo, senão deixo-vos aqui fechada para toda a eternidade! – Era uma ameaça a ter em conta, depois de o vampiro lhe ter adivinhado as próximas palavras.
Os braços de Aline cruzaram-se. – Não eras capaz. Eu conheço-te.
Não obteve nenhuma refutação àquelas palavras, apesar de ele ter tentado pensar em alguma coisa, antes de se embrenhar novamente nas inscrições místicas do espelho.
– Penso que está escrito na língua das fadas dos pântanos do sangue – confidenciou, de sobrancelhas franzidas. – Não sei como o ler. Mas…
– Fadas dos pântanos do sangue? – Interrompeu, não gostando da forma como lhe soava aquela denominação.
Amadis lançou-lhe um escrutinar muito sério, tão sério que parecia ter perante ela um novo vampiro e não o príncipe encantado do unicórnio.
– São terríveis criaturas, com não mais do que um palmo de altura. Vivem em pequenas comunidades criadas com bolsas de ar, abaixo da superfície das águas estagnadas. É aí que se canibalizam quando não encontram as suas presas favoritas: humanos. Infelizmente, muitos são os tolos que pensam nelas como meros contos para assustar as crianças, entrando nos seus territórios para serem devorados. Quando a presa passa perto dos seus lares, elas trepam até à superfície e agarram-na pelos pés. A pessoa pensa que ficou presa no pântano mas, quando olha para baixo, já a restante comunidade lhe sobe pelo corpo, chegando rapidamente à pele descoberta do rosto e começando a devorá-la rapidamente. Algumas dirigem-se aos olhos, outras entram-lhe pela boca. É uma morte terrível, nunca ninguém sobreviveu.
Aline levara uma mão ao pescoço, engolindo em seco, até escutar a última frase.
– Então… como é que tu sabes isso?
– Bem, eu já passei no pântano, a bem da verdade. Ia com dois companheiros humanos. Eles foram devorados, mas eu não. As fadas tentaram fazê-lo contudo, quando a primeira me mordeu a ponta do nariz, percebeu que o meu corpo não era humano e partiram em retirada. E aquela dentada doeu. – Levou uma mão à ponta do nariz, afagando-o.
– Devias ter mais pena dos teus companheiros do que do teu nariz. Era bem-feita se te tivessem mordido a ponta de outra coisa. – Notou, num tom azedo.
Amadis arrepiou-se visivelmente, acabando por largar o espelho e preferindo não voltar a comentar o que aquela donzela mal-educada e desrespeitadora estava para ali a insinuar.
continua...
– Pára de ser idiota, eu só quero sair daqui. – Voltou a olhar lá para baixo. Era mesmo um unicórnio que estava parado à beira da torre, a desbravar um arbusto com os dentes. Podia discernir perfeitamente o corno pontiagudo entre as orelhas.
– Ah, aquilo é uma cenoura – esclareceu Amadis, espreitando também lá para baixo. – Serve para ele andar mais depressa. Como está de noite, a minha nobre princesa não consegue ver muito bem.
A caçadora crispou a mão no binóculo, contendo-se para não o atirar janela fora, e respirou fundo três vezes consecutivas, antes de se voltar para ele.
– Vamos pôr as peças no lugar e falar como gente crescida. Eu não sou deste mundo, prenderam-me nesta torre através daquele espelho – apontou-o, sim tirar os olhos do seu príncipe vampiro com comportamentos estranhos. – És capaz de fazê-lo funcionar ao contrário?
Com uma expressão circunspecta, Amadis achegou-se ao espelho, observando-o mais de perto. Bateu-lhe com os nós dos dedos e depois desencostou-o da parede, mirando a parte de trás, onde só estavam uns arabescos elegíveis, fortemente cravados na superfície de metal.
– Hm… tendes mesmo a certeza de que não sois uma princesa louca? – Quis saber, só para se certificar da resposta. Foi nessa altura que os binóculos voaram na direcção da cabeça do príncipe.
Ao contrário do que qualquer um poderia pensar em relação a reflexos sobrenaturais, Amadis não os teve e o objecto acertou-lhe mesmo a meio da testa, não fosse Aline uma óptima atiradora. Com a dor súbita, ele levou uma mão à cabeça, mirando a donzela com todo um ar tremendamente magoado.
– Pensei que isso não doesse particularmente. – Notou a caçadora.
– Doeu-me na alma! Cada palavra, cada atitude tua, só servem para me destroçar… – Soltou um soluço, ameaçando desfazer-se em lágrimas.
– Mas tu és um príncipe ou uma princesa? É que estás a comportar-te como um maricas de primeira…
Ele abriu a boca para lhe responder, ultrajado com aquelas suposições.
– Para vossa informação, sou bissexual. E não vos atreveis a dizer que então sou princesa e príncipe ao mesmo tempo, senão deixo-vos aqui fechada para toda a eternidade! – Era uma ameaça a ter em conta, depois de o vampiro lhe ter adivinhado as próximas palavras.
Os braços de Aline cruzaram-se. – Não eras capaz. Eu conheço-te.
Não obteve nenhuma refutação àquelas palavras, apesar de ele ter tentado pensar em alguma coisa, antes de se embrenhar novamente nas inscrições místicas do espelho.
– Penso que está escrito na língua das fadas dos pântanos do sangue – confidenciou, de sobrancelhas franzidas. – Não sei como o ler. Mas…
– Fadas dos pântanos do sangue? – Interrompeu, não gostando da forma como lhe soava aquela denominação.
Amadis lançou-lhe um escrutinar muito sério, tão sério que parecia ter perante ela um novo vampiro e não o príncipe encantado do unicórnio.
– São terríveis criaturas, com não mais do que um palmo de altura. Vivem em pequenas comunidades criadas com bolsas de ar, abaixo da superfície das águas estagnadas. É aí que se canibalizam quando não encontram as suas presas favoritas: humanos. Infelizmente, muitos são os tolos que pensam nelas como meros contos para assustar as crianças, entrando nos seus territórios para serem devorados. Quando a presa passa perto dos seus lares, elas trepam até à superfície e agarram-na pelos pés. A pessoa pensa que ficou presa no pântano mas, quando olha para baixo, já a restante comunidade lhe sobe pelo corpo, chegando rapidamente à pele descoberta do rosto e começando a devorá-la rapidamente. Algumas dirigem-se aos olhos, outras entram-lhe pela boca. É uma morte terrível, nunca ninguém sobreviveu.
Aline levara uma mão ao pescoço, engolindo em seco, até escutar a última frase.
– Então… como é que tu sabes isso?
– Bem, eu já passei no pântano, a bem da verdade. Ia com dois companheiros humanos. Eles foram devorados, mas eu não. As fadas tentaram fazê-lo contudo, quando a primeira me mordeu a ponta do nariz, percebeu que o meu corpo não era humano e partiram em retirada. E aquela dentada doeu. – Levou uma mão à ponta do nariz, afagando-o.
– Devias ter mais pena dos teus companheiros do que do teu nariz. Era bem-feita se te tivessem mordido a ponta de outra coisa. – Notou, num tom azedo.
Amadis arrepiou-se visivelmente, acabando por largar o espelho e preferindo não voltar a comentar o que aquela donzela mal-educada e desrespeitadora estava para ali a insinuar.
continua...
16 - Aline
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