De espada em punho,
armado,
Cavalga de coragem
desfraldada.
De trilho em trilho,
negro bosque,
Busca célere por sua
amada,
Bela dama, donzela
doce,
Dos seus braços apartada.
Chama-o a que é
encantada,
Sortilégio, feitiço e
magia que a prendeu,
Voz de melodia e
rosnar… nada,
Que o trilho é finito
na estrada,
Tão finito que se
perdeu
Junto à cabana
incendiada.
Abandona o corcel; é
pranto
Que lhe consome o
peito a arder.
É força efémera, no
entanto,
A flor que renasce do
perecer,
Cinza que incendeia, Fénix
que ateia
Imortal esperança de
a reaver.
“Cavaleiro de coragem
viva
E bondade audaz”
disse a flor,
Falando sobre a brisa
que a envolvia,
Queimando a sua vida
com o calor
Que o incêndio
deixara na terra,
Tanto que a matava de
dor.
“Sou a voz e o
silêncio do Bosque,
Escuta-me e atenta:
Além há uma besta que
sente,
Ferida no peito, tão
doente.
Cura-a, mas sabe,
então,
Que tem da tua dama o
coração”.
De fragilidade
esvaiu-se a flor,
Sem lhe dar tempo de
a questionar,
Mas se terrível besta
roubara de seu amor
O coração a palpitar,
Não lhe tinha
qualquer favor,
Somente a vida para
lhe tirar.
Caminhou bosque a
dentro,
Passos pesados a
esmagar
Gravetos, pedras,
pequenas vidas,
Com somente raiva a
trovejar,
Até à clareira onde jazia
A terrível besta a
matar.
Era gigante e imenso,
Dragão ancião, Senhor
do Ar,
De cujas escamas o
brilho denso
Lembrava o das
lâminas e do mar,
Onde mais do que
tenso
Era o seu respirar.
Aproximou-se,
empunhando a frieza,
E de dedos crispados
na morte.
Passo ante passo, que
era certeza,
Que o dragão teria
nenhuma Sorte.
Roubara-a o futuro
quando lhe tirara
Dos braços a sua
terna consorte.
Contudo o espanto
roubou-lhe o ar,
Ao chegar-se mais
perto
Para o dragão poder
espreitar.
Tremendo de medo, de
certo,
Ali estava frágil,
tão frágil, a donzela
Que morta acabara de
julgar.
Recolheu-a, sem a
besta acordar,
E tomou-a nos braços.
As lágrimas eram
pérolas a rodar
No rosto ebúrneo e os
cabelos baços
Emolduravam o
desesperar
Que contorcia tão
belos traços.
“Mata-o” sussurrou
contra o seu ombro
Os soluços
embargando-lhe a voz,
O corpo estremecendo
de assombro.
“Mato-o, antes que
mate cada um de nós,
Queimando-nos até
sermos cinza
Com o calor que
incendeia, fogo atroz”.
Não havia como
discordar.
Apartou-a dos seus
braços e afastou
Sua presença para a
resguardar.
Foi quando o dragão
despertou,
De orbes fendidos,
azul profundo de lago,
Onde a sua alma foi
mergulhar.
O corpo flutuou na
corrente
Que era a memória
daquele olhar.
Uma canção
embalava-lhe a mente,
Sem palavras vãs, só
o seu tocar
Tão íntimo de quem
sente
Que há algo mais a
recordar.
“É um feitiço,
mata-a!” gritou a voz,
E ele despertou.
Fechou os olhos e a
espada atroz
Caiu, cortou e roubou
O que era o antes, o
agora e o após,
E a canção terminou.
Atrás de si ela riu,
Uma gargalhada que
cresceu,
Dominou os bosques e
fugiu
Com a sua dona que se
perdeu
No covil de quem agiu
Em maldade e venceu.
Desvaneceu-se aos
poucos,
Sortilégio, feitiço e
magia… ilusão.
Só uma dama frágil,
de cabelos soltos
Havia ali, e não um
dragão.
Cego, tão cego, ao
azul daquele olhar
Que reconhecera em
vão.
Caiu junto dela e
abraçou
O corpo que vertia o
rio da vida.
Caiu e não mais a libertou,
Que era de eterna
despedida,
Um abraço onde também
ele deixou
Partir a própria
vida.
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St. George Slaying the Dragon, Hans von Aachen |