quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Vaza o sonho, ao longe


Vaza o sonho, ao longe,
Maré de imaginário, oscilação,
Que ora mergulha em si,
E vaza em perpétua direcção,
Para longe, tão longe, imensa,
A distante imensidão.

Ali é cerne aragem e torvelinho,
Correntes mil que agitam,
Volvem o consciente espírito,
E, sagazes, do íntimo cogitam
Oceanos, mares e rios
Donde os sonhos fluíram.


Diary of Discoveries - Vladimir Kush

domingo, 30 de novembro de 2014

Sonho o Inverno no teu cabelo



Sonho o Inverno no teu cabelo
Níveo, gota a gota, que derrete
Íngremes picos, frondoso gelo
Na Primavera que te acomete.

Conténs em ti a semente dita
Ser, em repouso e hibernação,
Latente, como quem hesita
Em abrir o coração.

Tão pétreo e frio,
Tão desprovido à despedida,
Toco-te o rosto, de mão estendida.

E abraço, abraço esse frio,
Que em toda a emoção escondida
Não há vazio, há vida.


sábado, 29 de novembro de 2014

Quando argumentam, as farpas rasgam



Quando argumentam,
As farpas rasgam com verdades,
Magoam e ferem a sangue
Se são susceptibilidades
O que te enche o peito.

Imolam o mesquinho da mente
Em férreo fogo, gume sagaz;
Retaliam, palavra a palavra,
Tuas, pois cada uma é capaz
De te ser íntima e derrubar.

Ao preconceito brindam,
Com veneno no vidro impregnado.
Quando o copo se partir,
Será corte e ardor danado
O da Razão.

domingo, 23 de novembro de 2014

É vazio o que enche



É vazio o que enche
O som das palavras idas,
Hirtas no significado feito
Só de letras caídas,
Sonâncias de eco mudo,
Mito que se permuta e ressoa
Naquele que é tão surdo
E Infinito.


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Desabrocha, Flor de Outono

Fonte: Pinterest



Desabrocha, flor de Outono,
Pétala a pétala. Suave e quente
É o tom que toca o olhar morno,
Qual aconchego do que é ente
De coração sentido.

Desabrocha à brisa fria,
Ensinando-lhe então o sorriso,
Quando és só melancolia,
Passo de dança entre folhas
De estação caída.


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Só assim irá Florir



Do correcto, o descontente
Revolve a terra.
Insinua que é demente
O dito que se quer escrever,
Insiste e grita, desmente
A verdade que rente
Desponta ao amanhecer.

A voz é tão alta que cega
Os ouvidos e ensurdece
A mente que se agrega,
Sem consciência, sem ser,
Néscia, tanto que renega
Apego ao que era
Opinar e saber.

E di-la daninha, a verdade,
Que daninha seja se persistir.
Que nomeie a raiz de profundidade,
E as folhas de perseverança.
O caule que persista à vontade
De vergar à sagacidade
De quem mata a esperança.

Só assim irá florir.


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Sorri

Pintura de Edward Robert Hughes

Sorri, antes que te caiam,
Uma a uma, as pérolas de marfim;
Esboça esgar, pinta nos lábios,
Sem carvão, sorriso para mim.

Livra-te da ironia, quero pois
Erguer singelo, não o decair;
Trejeito meigo, senão efémero,
Aquele que é teu sorrir.

Só, ele é candeia e luz, alumia,
Só, é brilho de tesouro, epifania,
De ser e não ser, estar e não estar.

Sorri, que é bússola de conceito
Esse tão teu trejeito,
Que me guia e quer tomar.





domingo, 7 de setembro de 2014

Ledo o sorriso que é Sol


Ledo o sorriso que é Sol,
Sob a sombra que o quer cegar,
Ledo o gesto que é flor
Ao vento agreste, tempestade,
Cujo intento é arrancar
Raiz, florir, sua vontade.

Ledo o toque que é sonho,
Sob o lento decair do Tempo,
Leda a palavra que aconchega
Ante a censura que a rasga,
Tão cruel, que é tormento,
E contudo não se apaga.

Leda a lágrima que é mar,
Sob as vagas do Mundo,
Leda porque é d'alento e mágoa,
Fruto que a vida deu,
Reflexo do que é fecundo
E do que faleceu.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Hoje, embala-me em ti


Hoje, embala-me em ti,
Gota de espírito de Verão.
Toma-me que sou Outono,
Melancolia e brisa extinta,
De folhas dispersas no chão.

Larva de sentimento que escava,
O que era contorce-se no coração,
Aprofunda e busca por nada,
Que nada é o que ficou,
Só aquele sentir, que é tão vão.

Abraça, canta e bane-a.
A dor que repica e ecoa é no mar
Escuma de lágrima e areia
Que em tempestade serena aguarda
Tua doce maré e teu embalar.

Sê berço do Presente, aconchego,
Meu, só meu, vasto mar.
Que nos teus braços adormeço,
Mergulho em ti e és sonho
De não mais acordar.


A Wooded Path in Autumn H. A. Brendekilde (1902) 


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Senta-te e aproxima-te do pensamento


Senta-te e aproxima-te do pensamento.
Observa-o ao largo, sem idade.
É tão demente que é são,
Alma tricotada a piedade,
E terrível besta sem coração.

Identifica-lo. Passo ante passo,
Cautela se é verdade que muta,
Conquanto indefinido. Olhar baço
De quem está e não está, permuta,
É brisa doce e suspiro de aço.

Então perde-te, na orla de floresta negra,
Onde o sopro tem perfume a maresia,
As folhas são de cor mil, oceano,
E o céu, teu, tão teu, é magia,
Mundo além, mundo arcano.

Imiscui-te. Idílico, vagueias
Onde o Nada, se labirinto, é escudo,
Compreensão de lâmina cega, espadachim,
Canto de quem tem o tom mudo,
Finito – quão finito? –, que não lhe vês fim.

Subsiste o complexo de raiz profunda,
Com e sem tronco, ignoto ao olhar.
Não o nomeies, é selvagem, etéreo, desnudo,
Do qual o grito, eterno rumorejar,
É o resto, e tão somente Tudo…

Faz do pensamento teu Lar.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Avizinha-te do pôr-do-sol


Avizinha-te do pôr-do-sol
E estende-lhe a mão.
Toca-lhe no raiar que se esvai,
Calor terno e sensação
De despedida ao partir.

Toca-lhe e pede
Para que não tarde em vir
No voo alto da aurora,
Ao escutar baixinho, só para si,
O bocejo da noite.


Golden Light of California, Albert Bierstadt

quarta-feira, 9 de julho de 2014

"Silêncio" sussurra o Vento



"Silêncio" sussurra o Vento,
No segundo em que tudo é ruído,
Tudo é denso e desatento.

Escuta-o a flauta que é seu soprar,
Escuta-o, que do silêncio
Nada mais irás escutar.

Não queiras Voar



Não queiras voar,
Que do voo vão é fogueira
Feita com penas de ar,
E insuflada a que se abeira,
De asas abertas, da ladeira,
Sem destino a rumar.


sábado, 5 de julho de 2014

Ladrão do Céu

Dark Phoenix
©Stephanie Pui-Mun Law, 2009




Estrelas…
Embalsama quantas houver no céu.
Esconde-as, é colheita do para-além,
Frutos vivos. Roubados são os espíritos,
Tão teus e de ninguém.

Que ninguém sabe que roubaste,
Segredo tão segredo, ao olhar
Cintilam alto no seu véu,
Espelho de jóia, é teu guardar,
Corvo eterno, ladrão do céu.

domingo, 15 de junho de 2014

Há Flores que Caminham



Há flores que caminham.
Sensíveis são os dedos de pétalas,
De ouro o cabelo, corola-de-rainha,
O busto de verde vestido é elegância,
As folhas asas do que se adivinha,
E as raízes pés descalços e substância
Que aviva, ávidas de dança, bailarinas,
Pares do áureo sopro que é Vento,
Vontade de ser semente e rebento
Lançado ao mais além, voo incerto,
Do que é viver.


quinta-feira, 12 de junho de 2014

Há quem não sonhe



Há quem não sonhe,
Só, nos braços de alguém,
Consciente da consciência que tem
O não ter utópico do mundo
Que viaja ao ser profundo,
Confim de paisagem distante
E tesouro de um sorriso privado.


sexta-feira, 6 de junho de 2014

Gota a gota, há chuva


Gota a gota, há chuva,
Corpo feito de bruma
Líquida, condensada,
Suspiro de nuvem caiada,
Cal de cinza, impura;
E o frio, sanguessuga,
Sonda a lã do prado despido,
Balido que foi, balido ido,
Que não demora a entranhar
Fundo, que te rouba o ar.


domingo, 1 de junho de 2014

Olvido o Cardo e a Rosa



Olvido o cardo e a rosa. Ego,
Não há quem deseje vida trajada
De espinhos, espelho externo,
Que a compreensão vendada
Não compreende. Eterno
Será o cego, será nada,
Que nada é o que enxergo.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Há Cansaço



Há cansaço,
Onde os muros são cinza,
E o vento leve, tão leve,
Pesa o mundo.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Hoje hão-de ir e ficar



 Hoje hão-de ir e ficar
Resquícios do que é passar,
Qual onda que vai e vem,
Vem e vai mais além,
Levando e trazendo o mar,
Concha, areia, escuma e naufragar;
Que se erodida do que não tem,
Sedimenta memória de ninguém.


Miranda - The Tempest (1916), by John William Waterhouse

sábado, 3 de maio de 2014

Espírito do Ar

©Stephanie Pui-Mun Law, 2014



Sois alma de canto doce,
Sois sonho e sonambular,
Sopro do vento que dança,
E flor por desabrochar.

Sois só o que é seda branca,
Sois suave de tricotar,
Lagarta esguia, tão cândida,
Na crisálida que é teu lar.

Sois sombra do mais subtil,
Floresta virgem e ramalhar,
Asas de íris e utopia efémera,
Sois, sim, espírito do Ar.

domingo, 30 de março de 2014

Sombra

Erlkönig, Julius von Klever (1887)


Encolheu-se no seu canto escuro. Tinha medo, medo que a vissem, medo que a pisassem e interferissem com o seu ser mutável.

Olhou em redor, muito quieta. Nos céus, dois pares de asas recortadas rasgaram a noite, intrometendo-se entre ela e o luar que era seu pai e mãe, gerador de um fruto sombrio. Estremeceu, parte de si esvaindo-se, substituído por qualquer coisa igual mas diferente. Mas o morcego depressa desapareceu e, com sorte, manter-se-ia igual a si.

Então, os olhos negros escancararam-se. Cavalgando abaixo das estrelas, uma horda de terríveis nuvens armadas de chuva e relâmpagos aproximava-se, empurrada por um vento que se ergueu dos confins da noite. O coração invisível parou, enquanto juntos lhe pilharam o luar. E, na escuridão, ela desapareceu.

Quando as nuvens se afastaram para paragens desconhecidas, uma entidade ressurgiu naquele mesmo lugar. Era ela e não era. Porque as sombras são mutáveis e efémeras.

Cem Palavras: desafio de escrita criativa (Noite)
Versão estendida

sexta-feira, 28 de março de 2014

Vazio


Ele grita, grita tão alto,
Tons que assombram,
Conquanto vozes de ninguém.

E rompe o peito sem ter
Carne, osso, alma a romper.

Dizem-no nada;
Dizem-no por dizer.

Pétala apartada da flor,
Imaginário que é rio
De leito seco. Vazio.

domingo, 23 de março de 2014

E se as cores sangrassem?



E se as cores sangrassem?
Se fosse mar e dilúvio
A paleta que é vida além
Tela tisnada a pincel
Com guache de ninguém?

E se a chuva fosse tinta?
Se cada gota pintasse,
Ao toque molhado
Dos seus dedos sem fim,
Viçosos verdes de prado?

Seria guache, seria tinta, seria cor,
Seria dilúvio, mar, chuva e gota,
Seria pincel, seria dedos,
Seria vida de além e mundo
D’eternos segredos.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Sê Ínfimo e o Infinito Tal



Sê ínfimo e o infinito tal,
Filho dos meandros e dos pequenos
Que são eternos do que é menos
E restos d'infinitesimal.

domingo, 16 de março de 2014

Metamorfose

Spring Delight, Vladimir Kush 

Observei-a um último instante. Ela estava viva. O seu riso tímido brotava a cada brisa solta que a tomava nos braços, a cada doce ave que lhe pousava nos ramos frágeis, a cada despontar ligeiro que espreitava o mundo. Eram rebentos de si, seiva da sua seiva, vida da sua vida, um multiplicar frágil com que beijava o ar e tentava alcançar o céu. Com um abraçar ao mundo, interrompera a nudez do seu ciclo e dançava nos novos tons.

Num derradeiro sorriso de despedida, dei vontade à metamorfose e fluí entre partículas, absorvido pela terra. Alimento seu, parte dela.

Cem Palavras: desafio de escrita criativa (Primavera)

sábado, 8 de março de 2014

Hoje há quem tenha o Amanhã


Hoje há quem espreite tímido
Por entre as gotas da chuva ida,
Há quem se esconda ao sol
Que de intenso olvida,
Há quem flutue, fátuo,
Na nuvem que navega o céu,
Há quem seja fumo no nevoeiro,
E indistinto no seu véu.
Hoje há quem tenha o Amanhã
Mas seja o que o Ontem viveu.


Na Dušičky, Jakob Schikaneder (1888)



domingo, 16 de fevereiro de 2014

São não ditos



O que eram, o que são,
Os ditos que vão,
Os que eram por ser,
Sem sentido,
Os que juraram morrer
Contigo?
São ditos por dizer,
São não ditos.


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Ouve o sonho que sussurra


Ouve o sonho que sussurra
Aos ouvidos da madrugada;
Escuta e estranha moldura
De som que te enquadra,
Dedos alvos d'alvorada,
Suspiro doce d'aurora
Que ansiosa te aguarda.


Roman Campagna, Thomas Cole (1843)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Sentai-vos e Escutai o Bardo



Sentai-vos e escutai o bardo.
Na sua voz fala a Lenda,
No seu tom canta o Mito.
Distante, tão longe e perto a verdade,
Que em pensamento hesito.
Encanta a palavra, o verso, a rima,
Encanta tão longe que acredito.


O Espadachim



Só porque sim,
Porque o “era” deixou de ser.
Trespassado a pena, o espadachim,
Tomado em braços sem os ter
Tombou nos braços de mim,
Letra fria, caligrafia negra d’escrever,
Tinta em sangue, tão carmim.


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Aroma a Amora (acróstico)


Ainda o Sol passeia;
Respira o toque do seu doirar.
Ontem eras cor de floresta que anseia
Mil tons do que encandeia
A essência do maturar.

Amadurece.

Amanhã tuas bagas serão
Murmúrio de negra veste,
Olvido do sangue que ungiu coração.
Retorna ao toque de ser silvestre,
Aroma doce, que és Verão.


Amoras Silvestres, foto de Carina Portugal


















28 - Amora

sábado, 25 de janeiro de 2014

Volta quando Voltares

Girl Standing at the window, Salvador Dali (1925)
Volta quando voltares,
Que no regresso se esvai
Saudade densa que é nuvem
Plúmbea e chuva que cai.

Não permitas que se atrase
Ou seja perda que se desfez
O espírito que tomou caminho
Um passo de cada vez.

Que te espera o que ficou,
Mutável porém de essência sua,
Só, na unidade que faz a multidão,
Só e de alma nua.

Espera-te na cadeira do Tempo,
Mãos no regaço, de olhar além.
Apega-se ao triste tom grisalho,
Quiçá à espera de ninguém.


27 - Reencontro