O crepúsculo aproximava-se por de trás de nós, cobrindo a imensidão do deserto palmilhado, com um sopro ténue mas persistente, que nos acompanhava qual guardião de reino distante, aquele a que chegávamos, por fim. O humano que me acompanhava permanecia comigo, de alma e coração, e maior surpresa não poderia existir! Eu que imaginava que ele se perderia nos confins exóticos além-mar! Mas não, continuava a meu lado, com aquele seu olhar imperscrutável e pouco definido. Reparo, estupefacto, que nunca antes o olhei nos olhos e agora que deles tenho um vislumbro, noto o verde de natura que deles brilham. Deveria ter-me questionado quanto à sua pessoa, inquiri-lo das suas origens e gostos. Das suas crenças, aquelas que parecia não ter. Porém, o que estava feito, feito estava. Voltar atrás seria quebrar marés do Deus Vento e decepção certa para mim. Atentei ao que se me deparava e esqueci passados próximos, talvez erros impensados.
Vês folhagem alta que se ergue até céu finito e o ultrapassa em grandeza, caminhando sem descanso até às estrelas longínquas? Esta é a Floresta Sagrada, aquela de que te falei ao princípio da viagem, quando não crias sequer em simples Filhas do Mar. O que dizes? Não, não são pessoas com barbatanas, não digas blasfémia tal! Nunca compares os filhos dos elementos com medíocres humanos, esses que vivem para si e do seu egoísmo. Mas não discutamos assunto intrincado esse, que se me revolta o coração. Antes, observa riqueza esta do Mundo nosso que se esconde de nós! Conheces agora o desconhecido e sabe-lo belo. Perigoso, mas belo. Contudo, para onde caminhamos agora, não há perigo que te espreite. É o doce lar dos sábios vivos imortais, amantes da Mãe Natura. Não escutes agora o Vento, atenta à melodia singela que nos chega do ramalhar dos braços que nos acolhem. E nota naquelas luzinhas esvoaçantes que nos aclamam! Não! Não são pirilampos, impropério descrente dos deuses! São inocentes Fadas, Filhas das Flores que nos recebem alegres de contemplar humanos que lhes chegam do longe inalcançável. Dizes que não vieste de longe inalcançável nenhum? E ousas afirmar ainda que eu é que sou o insano!
Os nossos pés exaustos pisaram terra firme, abandonando areias traiçoeiras e desgostosas. Aquele par de almas não tinham elas tomado para suas. Os pequenos seres luminosos achegaram-se a nós, bruxuleando por entre os troncos da orla da Grande Floresta e, para meu espanto, rodearam o meu companheiro que sorriu como se de família tratassem. Os seus olhos esmeralda brilharam de magia e, num repente perceptível, mudaram para azul, depois para castanho e de seguida para mel, chegando ao cinzento e mergulhando novamente no esverdeado doce de planta recém-nascida. Senti lábios meus formarem exclamação sem voz, mas ele pareceu ouvir e sorriu-me.
«Vem», convidou. E eu fui, guiado pela mão. Da sua voz pendia o sabor da eternidade e, enquanto avançávamos cada vez mais para o âmago de tão vasto reino, apercebi-me das diferenças subtis que o distinguiam de mim e de outros vulgares humanos. As orelhas formavam um pequeno bico na ponta, o cabelo era mais sedoso que a seda que os bichinhos teciam, a voz era meiga, qual ribeiro manso que serpenteia por vales imensos e a aura emanada era pura, essa que guiava a minha para algures indefinidos de loucura insana. E como eram belos!
Por fim, encontrara o meu paraíso. E jamais dele abdicarei. Que fiquem o sãos no seu mundo de enganos, perpétuas vidas sem vida que os engolem. Talvez aqueles vis espíritos do deserto se entretenham com eles. Não que acredite que as suas almas tenham o que consumir. Não desejo indigestões seja a quem for.