quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Phoenix

Perhaps there is a strange moon,
Here, in the sky which calls you.
Only the bravest can reach it soon,
Entering the stars, knowing the dark blue.
No one talks about it, it's a mystery,
Imaginary legend that comes true.
Xmas flows on the wings of theory,

However, you are a Phoenix and you fly
On the wings of eternity.

You are immortal and free...
Stardust that will reborn.

(Um presente de Natal para um amigo)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Pirilampos


A noite encobre-se de cobertores,
Mantas pintadas de sonhos pardos
E lanternas que luzem tremores
Ao cantar do vento nos escuros prados.

Escuta-se dos pequenos o ciciar,
Escondidos na Natureza.
Se espreitares, vê-los a brilhar
Para o caminho da incerteza.

Que eles guardam trilhos de fada
E túneis de gnomos reis.
Para o povo da terra encantada
São chamados "soldados fiéis".

Para ti, que os vês tão belos,
São somente presentes de iluminar.
Pirilampos pequenos de singelos,
Caídos um dia do veludo estelar.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Caderno dos 80 Temas - Kath

Mergulhei as mãos profundamente. Era tinta a que via,
tanta que se mesclava na mente solta como um véu
que adere às paredes enrugadas. Tanta que escorre
pelos vales entre os dedos. Tanta que era,
imensa.

Quando olhei para ti, tinhas perdido os tons
rosados. Tinhas perdido o calor
de um ser acordado. Eras
cadáver.

E a tinta era vida. Era suspiro
que segreda à noite. Que
sacia.

Retratar-te-ei como ela. E ao teu espírito,
rubro.

10 - Rubro

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Teias


Escuta o eco surdo das árvores,
Ao correres por entre elas,
Em busca do coração.
Firmes, sente, presos nos trajes,
Os dedos das almas alvas
Que te buscam em vão.
Corres, sob um trilho submerso,
Presa às teias de sangue,
Essas guias de solidão.
E cada brusco repuxar de teia
É denúncia à rainha cega,
Que te sente na sua mão.

(Capítulo XVI do Prín)

sábado, 29 de outubro de 2011

A Bênção da Floresta

Perdido. Sir Ludovic estava completamente perdido numa floresta pintada de branco mas que, daí a menos de uma hora, seria terrivelmente negra. Quase conseguia pressentir os uivos do anoitecer, que lhe farejariam o rasto, esfomeados, sedentos da sua carne e sangue. E, por essa razão, não poderia parar.

A cada passo, as botas enterravam-se na neve gélida dificultando-lhe a jornada, como se também ela lhe conjurasse um destino fúnebre. O ar saía-lhe da boca condensado, revelando o quão grande era a diferença de temperatura entre o corpo e o ambiente em redor. E a mão que segurava a besta já mal conseguia mover os dedos, deixando que Ludovic pusesse em causa a utilidade que teria em caso de um ataque surpresa. Matá-lo-iam e o cadáver devorado até aos ossos seria depois encoberto por algum nevão.

Fizera mal em pensar nisso. Como se as nuvens lhe escutassem a mente, deixaram escapar pedaços congelados delas próprias e a neve começou novamente a polvilhar a região. Mas o tom cinzento do céu agoirava uma noite árdua. Se parasse para descansar, congelaria e não voltaria a acordar.

Como adivinhara, menos de uma hora depois de as trevas se instalarem na floresta, escutou o chamamento dos lobos que partiam em busca de alimento. Mas existiam criaturas mais temidas que os membros de uma alcateia, seres feitos de sombra que rastejavam aos pés das presas e as engoliam, e mesmo as próprias árvores dizia-se que atacavam as pessoas por falta de nutrientes junto às raízes. Quem nunca fora ali pensaria que eram só descrições de loucos e trapaceiros, mas Ludovic preferia não arriscar essas ideias ou subestimar a Floresta.

Vagueou durante horas, na mais densa escuridão, sem mostras de aproximação de um único predador. Tentou que os passos fossem silenciosos, que o vento disfarçasse a sua presença e que o frio inutilizasse o faro dos inimigos, tal como lhe congelava o nariz. No entanto, numa situação de cegueira como aquela, era inegável a sensação de estar a ser observado.

De súbito, deixou de conseguir mover as pernas, como se estas se tivessem enterrado num lodo muito espesso. Praguejou interiormente. Fora capturado por um Pesadelo de Sombra, um ser que rastejava sem se escutar e que era feito de escuridão. Quando capturava uma presa, não deixava qualquer vestígio dela. Sem precisar de muita pontaria, Ludovic apontou a besta para baixo e carregou no gatilho, quase não se importando que pudesse acertar nos próprios pés. Felizmente, não foi o caso. Um guincho de dor baixo destilou-se da consistência pouco material da criatura, no entanto ela não lhe libertou as pernas, insistindo em tê-lo como refeição. Voltou a carregar a besta, porém o monstro começou a absorvê-lo, enterrando-o em si. Quanto mais tentava fugir, mais desaparecia.

Foi quando sentiu como que duas serpentes a envolverem-lhe os pulsos e a puxarem-no. Numa ocasião normal, tal não teria resultado, porém a criatura deixou-o ir, libertando-o das suas mandíbulas sem dentes e ainda assim mortais. Ficou pendente no ar, sem ver nada em seu redor, sem saber o que se passava na realidade. Mas aquilo que o agarrara movimentava-se também, sentia-se balançar no ar como um fantoche.

- Larga-me… - rosnou, puxando os braços com força. – Maldição… maldição! Maldita floresta do demónio!

A constrição em redor dos seus pulsos aumentou, como se o ser que o prendia não tivesse gostado da ofensa. Pouco tempo depois, sentiu as costas baterem de encontro ao tronco de uma árvore, no entanto este não se manteve rígido e imóvel. A madeira começou a ganhar uma concavidade, para a qual era empurrado gradualmente. Antes de poder fugir, a concavidade acabou por se fechar, como se o tronco da árvore o tivesse comido. Berrou até a garganta arranhada ser incapaz de fazer muitos mais sons. Só quando o silêncio em redor foi mais forte é que a escutou, uma voz que lhe sussurrava, vinda da madeira da árvore, pairando junto a si.

“Nobre cavaleiro, descansai, estais seguro” dizia, num tom suave, feminino, lembrando-lhe uma fada. Talvez fosse mesmo uma. Ou um espírito que o quisesse matar, mas era impossível fugir, de qualquer forma. “Ele não te poderá alcançar aqui. Dorme nos meus braços, nada temeis da floresta. Os corações puros serão poupados”.

- Quem és? – Quis saber Ludovic, piscando os olhos na escuridão. – O que queres de mim? Sê sincera!

Estranhamente, sentiu um leve estremecer no interior da árvore, como se ela se ressentisse com a aspereza. Como se fosse demasiado sensível, tal e qual uma donzela.

“Não vos desejo mal, cavaleiro. Quero apenas auxiliar na demanda que vos leva para longe da floresta, e nada peço em troca”, sussurrou.

- Quem és, então? – Repetiu, franzindo as sobrancelhas.

“Ninguém. Perdi o nome há muitos anos atrás”, respondeu apenas, deixando-se depois cair em silêncio.

Ludovic não fez mais questões. A parte lógica da sua mente dizia-lhe para desconfiar daquele ser. A parte emotiva queria confiar na voz frágil da árvore. Em todo o caso, tentou manter-se atento. Porém o sono, naquele aconchego estranho, chegou depressa e tomou conta de si, embalando-o no interior do tronco.

Foi a brisa fria que o despertou, como um estalo forte. Tremeu e abriu os olhos, deparando-se com o manto branco que cobria o solo da floresta. Ainda estava encaixado na madeira, mas apressou-se a saltar dela, observando depois aquilo que o ajudara na noite passada. Era simplesmente uma árvore despida, os ramos tão nus quanto um bebé que chega ao mundo. O vento agitava-os, dando-lhe um estranho aspecto de aceno à despedida.

- Obrigado – sussurrou, com sinceridade. Fez uma leve vénia antes de partir. O Sol nascera há pouco tempo, por isso ainda teria luz durante várias horas. Tinha de as aproveitar.

Caminhou incansavelmente, ignorando o estômago que o torturava. Por vezes olhava para trás, pensando escutar algum rastejo furtivo, mas nada via. Sentiu que a noite chegou demasiado depressa, e com ela o predador voltou a atacá-lo sem hesitação. Ludovic pensou que não se safaria dessa vez, todavia novamente a Floresta o auxiliou, novamente a árvore mais próxima de si o incorporou, salvando-o. Desta vez não esperneou nem esbracejou, deixando-se simplesmente levar.

- Obrigado, novamente – disse, já no interior do tronco. Pousou uma mão na madeira macia e um pouco morna. – Continuo sem compreender porque me ajudas, mas devo-te a vida e gostaria de retribuir.

“O único contributo que desejo é que continueis a viver”, disse a mesma voz da outra noite. “A vida é sagrada”.

- Na verdade não sei se duro muito mais – declarou, com uma certa ironia. – Não sobrevivo da neve. Mas agradeço o t… seu esforço.

Repensou o modo do tratamento para alguém que o salvava pela segunda vez sem pedir nada em troca.

“Posso alimentar-vos, se o permitir, com a minha seiva de reserva”.

- Seiva…? Como? – Mal colocou a questão, escutou a madeira mover-se e uma extensão criada pela árvore tocou-lhe os lábios. Para eles escorreu primeiro uma gota doce, em modo de prova. Ludovic tomou-a, agradecido. Pouco depois bebia avidamente todo o espesso líquido que lhe era dado. Mas depressa acabou a sua refeição.

- Quero sinceramente agradecer-lhe. Deixai-me, por favor – implorou, fazendo uma festa na madeira, já que a árvore não tinha mãos. Já lhe dera tanta salvaguarda…

“Um beijo”, foi o que a árvore disse, ainda mais baixo, como se pudesse ser censurada e tivesse a esperança de que ele não a escutasse.

- Um beijo? – Estava impávido. – Desejais o beijo de um homem?

Não houve resposta para a sua questão. A árvore estava arrependida do que ousara dizer. Ludovic ponderou por um pouco sobre qual poderia ser o significado de tudo aquilo.

- Dar-te-ei um beijo, quando sair daqui – declarou. Seria tolo se não desse ouvidos à cautela. Existiam tantas histórias que descreviam o final trágico a que um beijo poderia levar…

A árvore não voltou a falar e o ambiente no interior do tronco pareceu tornar-se algo pesado, soturno. Ele tentou não pensar no assunto e, pouco depois, adormeceu.

Vários dias passaram, durante os quais a dormida na árvore se tornou regular. Ela foi sempre educada e nunca mais tocou no assunto do beijo. Ludovic acabou por se descobrir a falar com ela, contando-lhe a sua vida pouco amável e trabalhadora. O espírito que habitava as árvores foi sempre um ouvinte atento.

Até ao dia em que a noite caiu e as luzes da povoação já se conseguiam distinguir por entre os troncos da floresta agora menos densa. Olhou indeciso para as árvores em seu redor, perguntando-se qual delas escolher, para falar. Acercou-se do tronco mais próximo.

- Árvore? – Perguntou, por falta de nome mais específico. Nada aconteceu. – Preciso de falar contigo. Responde-me, por favor.

A única resposta que obteve foi a do vento, soprando álgido e insensível. Foi então até outra árvore e tentou falar com essa também. Aconteceu o mesmo. O espírito parecia já não estar ali. Ludovic sentiu-se como que abandonado e um vazio estranho preencheu-o. Era só uma árvore, não era? Porque haveria de se sentir assim? Na verdade, durante aqueles últimos dias, não a considerara tanto como uma planta mas como uma donzela. Aconchegara-o no seu corpo como se fosse uma, dera-lhe um carinho que há muito não sentia vindo de alguém, e de modo tão desinteressado! E agora parecia ter desaparecido. Abanou a cabeça, tão desiludido como se fosse uma verdadeira mulher a deixá-lo para trás, fugindo para os braços de outro, talvez um viajante perdido que necessitava do seu auxílio.

- Prometi-lhe um beijo – sussurrou para si, com a mão apoiada no tronco. – Espero que ela o sinta.

Aproximou os lábios do tronco repleto de nós, e pousou-os levemente na casca áspera, por alguns segundos. Quase que esperava sentir outros lábios corresponderem àquele beijo, mas tal não aconteceu.

- Adeus – sussurrou, fazendo uma última festa no tronco, antes de voltar costas. Os passos que o levavam para longe eram lentos, em comparação com aqueles que já caminhara.

Quando abandonou a floresta, olhou para trás, como última despedida. No entanto, as sobrancelhas ergueram-se quase de modo próprio ao ver uma jovem a observá-lo da fronteira que separava a floresta das restantes terras níveas. O cabelo preto, comprido e desalinhado emoldurava-lhe o rosto delicado e muito claro. A cor de safira do seu olhar alcançava-o, mas não se moveu para ir ter com ele. Era uma imagem triste e solitária, de pés descalços, dentro de um vestido branco que se camuflava com a neve, lembrando um fantasma a adejar na brisa. Fora o beijo que a fizera surgir?

Ludovic hesitou só por um segundo antes de dar meia volta e correr para ela. A donzela desconhecida piscou os olhos, sem compreender porque corria ele para si daquela forma e abrindo os braços ao mesmo tempo. Nunca ninguém lhe fizera aquilo. A maioria fugia quando a via. Sentiu-se abraçada de modo um pouco bruto mas terno e encolheu-se contra aquele corpo forte, estremecendo de frio pela primeira vez em muito tempo.

- Vem para minha casa, estás tão fria – notou Ludovic, sem a largar. – Vem comigo, quero agradecer-te por tudo.

Ela abanou a cabeça, sem dizer uma palavra. Dentro da sua mente escutou a voz feminina com que a árvore sempre lhe falara.

“Não posso ir. O vosso beijo foi o suficiente, nobre senhor”.

- Não aceito – declarou com firmeza. – Diz-me o porquê de não poderes.

Apartou o abraço para a poder fitar nos olhos. Estes desviaram-se dos seus, sem lhe dar resposta. Ficaram um pouco mais brilhantes, revelando as lágrimas que tentava conter. Ludovic agarrou-lhe o rosto com ambas as mãos.

- Fica comigo, deixa-me cuidar de ti. O que te prende a este sítio? Permite-me que quebre essas correntes – implorou. Lembrava-lhe tanto uma criança perdida. A donzela abanou a cabeça simplesmente. – Então… fico contigo na floresta.

Os olhos azuis da jovem abriram-se muito, completamente estupefacta ao ouvir aquilo.

“Porque… porque farias isso?!”, quis saber, sem abrir os lábios sequer. Talvez fosse muda.

- Porque, de agora em diante, és a senhora do meu coração – respondeu, encontrando-lhe os lábios para um novo beijo apaixonado, observados pela noite e pela neve de Inverno.

Nenhuma das suas palavras mentia e assim quebrou-se o encantamento que prendia aquela jovem donzela à floresta, aquele que a fazia vaguear de árvore em árvore, como uma guardiã e prisioneira que espera a hora de partir nos braços de quem ama. Na aldeia receberam-nos de olhares desconfiados, contudo, com o passar dos anos, a estranha jovem que não falava integrou-se. Não obstante isso, a Floresta continuou com todas as suas lendas. Aquela era só mais uma para juntar ao folclore da região. Uma história de amor entre um cavaleiro e uma donzela encantada sem nome.

sábado, 22 de outubro de 2011

O Caderno dos 80 Temas - Kath

Lembras-te dos dias em que o céu chorou?
Estendeu os seus dedos das nuvens e tocou
Tons molhados sobre os secos pintados de pó.
Ouve novamente esse choro ao longe, ele chama-te.

01 - Leto

Canta, canta, que os sonhos sobem
Aos céus da madrugada.
Toscos, pintam-nos de pontos que sorriem
Amor gentil e olhos de prata.
Riem-se as estrelas que não sabem ler,
Inveja é a delas por não sonhar!
Noite adentro, os sonhos são o teu saber
Ansioso e com asas de voar.

02 - Catarina

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Um Dom

Através da janela suja por dentro pelas dedadas de tinta fresca, espreito o mundo. Espreito e vejo a sujidade que macula o exterior que definha a cinzento profundo. Depois, miro a tela vazia. Idealizo os sonhos de esperança, sementes da imaginação, da utopia e do sorriso de uma criança. Então, de paleta e pincel na mão, descrevo os sonhos com linhas e cores do coração, que vão de ínfimas a infinitas. Assim, a pintura não tem fim mas, a cada instante, há uma brisa que se liberta fresca da tela, há uma borboleta frágil e esvoaçante que se precipita aos ziguezagues para a janela. Há um riacho que traz até nós a melodia das ninfas e se verte aos meus pés, tentando escapar-se por debaixo da porta. Há um perfume a prado e Primavera que flutua no ar, há a inspiração da Natureza e do seu amar. Há um pouco de tudo. Pois quem não quereria o poder de um deus para ilustrar o Universo com a própria mão? A este chamar-se-ia o Dom Artístico da Criação.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Espelho Mágico

Espelho mágico, espelho meu,
Aqui me tens de Pedra Filosofal na mão.
Diz-me então o que ganho eu,
Ao entregar à imortalidade o coração.

"Ganhas o que de precioso há mais:
A Vida que se prolonga para o infinito.
Viverás até aos anos se tornarem demais,
Até que o passar dos dias se torne maldito."

Espelho, tais palavras assustam.
Essa vantagem é tremenda e desmedida.
E já que os meus ouvidos te escutam,
Conta-me então a desvantagem dessa vida.

"Seres eterna enquanto os outros são vento
Que vai e não volta jamais.
É assim a perda da vontade e do alento,
E de tudo o que neste dia amais."

Não me agrada então viver
Para além daqueles que me são queridos.
Espelho, sê dócil quando te vier ver
E reflectires as rugas felizes de ter amigos.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A Princesa de Chinelos

(Algo parvo para variar...)

Nobres cavaleiras e mui belos donzelos,
Eis-me aqui, perante vós, calçada de chinelos.
Que desonra para mim, admitir tais factos,
Mas a feiosa da bruxa roubou-me os sapatos!

A maldita, com a sua verruga no nariz,
Quis tirar-me o direito legítimo de imperatriz!
Imaginem só como ficou meu pobre coração,
Quando dei conta do roubo, entre a desarrumação.

Mas a coroa de flores oferecida pelas fadas,
Em troca de cogumelos e muitas empadas,
Prova a ascendência real das minhas veias,
E de tudo o mais, incluindo também as meias.

Mas que dor atroz... Meias sem sapatos...
Quase que preferia beijar mil e um sapos!
Mas irei falar com minha mãe, a suserana,
E a velhaca da bruxa sofrerá a dor desumana.

Pois quem no trono se está a sentar,
Tem gosto por sangue e cabeças a rolar.
Apresento-vos a Rainha de Copas, mãe minha!
Tende cuidado, que ela é mãe galinha.

E como bem vedes sou então princesa,
Do País das Maravilhas, com certeza!
Nobres cavaleiras e mui belos donzelos,
Não vos atreveis a fazer troça dos meus chinelos…

(Para um passatempo)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Uma Esfera do Caos



Seguro nas mãos o mundo.
Descrevo-o como esfera imperfeita,
E cada contorno desnudo,
É um sonho que me deleita.

Quantos não são, então,
Os sonhos que habitam em si?
Infinitos, por coração
Que vive escondido de mim.

Encobrem-se nos sussurros mudos
Dos bosques feitos de pedra
E nas alturas dos muros turvos.

Pensam voar e não voam, não.
Caiem e deslizam pela superfície
Das rugas e contornos do que são

E rasgam a mente, definham
A Utopia em sonhos maus...

Que estas mãos agora sustinham
Somente uma esfera do caos.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

No Ninho Escutam o Vento


As aves sonham com o voar,
Quando no ninho escutam o vento.
Sonham com o voo do libertar
E a inspiração que por dentro
É chama e ardor quente,
O aconchego e um sussurro,
Que se esconde no Presente
E se reflecte no Futuro.

Pois um dia saberão voar.
Será o sonho fundado
No querer ser e no indagar
Daquilo que foi Passado.
E escutarás o suspiro d'alento
Da penugem daquele ninho.
Que foi um etéreo momento
Do seu íngreme caminho.

sábado, 23 de julho de 2011

A Tapeçaria do Mentir

Sou sussurro na alma do ente,
Que mistura o melífluo com o fel.
Sou sonho doce e inocente,
E pesadelo de teias tricotado,
Que implanta o que é semente,
E colhe os frutos do enganado.
As minhas agulhas choram de fingir,
E cada palavra é uma malha dada,
Na tapeçaria ténue do mentir.
Mas a malha perdida é falhada
E a presa acorda e escapa do enlaço
Com que fora enganada.

(Capítulo XV do Prín)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A Alma dos Mil Nomes


Escuto o uivar do Vento que se adensa nos céus nocturnos, tocando a Deusa que se ergue pálida no veludo negro. E ao que escuto dou significância, uma diferente daquela que dou ao Mar trovejante cuja escuma se empluma até à areia fina, trazendo notícias das profundezas: as batalhas dos reis tritões, as conquistas das sereias, o gorgolejo dos afogados.

Mas foram ambos, Vento e Mar, que um dia me contaram do Seu aportar à minha terra. Na verdade, aportar não seria o termo correcto, que não existe qualquer porto ou cais, somente a praia que se alarga e sitia a ilha, até alcançar o perímetro dominado pelos rochedos íngremes e de presas afiadas. O diálogo entre os Filhos da Natureza suscitou-me curiosidade e, com passos leves de pés descalços, deixei o bosque, abeirando-me da margem. Segui a percepção que a areia transmitia, localizando pouco depois o corpo transportado nos braços das águas – embalo que lhe fora fatal.

Ajoelhei-me à sua beira e estendi a mão para tomar percepção do que ali estava deitado. Toquei-lhe o rosto agora sem expressão, atentando aos traços firmes que falavam por si: era um homem. Os meus dedos deslizaram um pouco, sentindo-lhe os lábios semi-abertos dos quais não se vertia qualquer respiração, e seguiram um trilho que desceu pelo pescoço, parando somente ao alcançar o peito. Confirmava-se, o coração caíra no cansaço e deixara de bater. No entanto, o espírito ainda não quisera abandonar a prisão que era o corpo de alguém que estava impossibilitado da execução de uma projecção astral. E isso talvez fosse um Sinal.

- Ceri omorirê ê vulian sa nimanarhiô… - sussurrei, debruçando-me junto ao ouvido do homem.

Pouco depois, o corpo estremeceu sob o toque da minha mão. Ele sentou-se subitamente, acometido por uma tosse que tentava expelir toda a água salgada que se entranhara pelas vias respiratórias ao tentar tomá-las como domínio. Aguardei que se acalmasse primeiro, pousando ambas as mãos no colo, enquanto escutava a vida correr-lhe novamente nas veias.

Quando a tosse quis cessar, o Vento murmurou-me ao ouvido com uma leve brisa: “Ele está a olhar para ti…”. Sorri face àquela constatação. Já o tinha sentido. Na verdade, não me era difícil sentir os olhares dos outros, crescera a aprender fazê-lo.

- Sê bem-vindo à minha ilha, jovem do mar – cumprimentei, aguardando a libertação de uma torrente de questões que estariam presas na mente dele. Mas o homem ficou em silêncio e quase me perguntei se seria mudo, até que por fim ganhou voz.

- O teu cabelo é feito de neve?

Não, não era a pergunta que esperava escutar. Estava errada. A primeira questão deveria ser outra.

- O meu cabelo não tem cor, tal como a neve não tem. Mas não são feitos da mesma essência – afirmei-lhe. Ele deixou-se cair novamente em silêncio, antes de uma nova questão, desta vez um pouco menos estranha.

- És uma sereia?

- Não sou uma sereia. Não tenho barbatanas sequer. – Desta vez sorri.

Ele moveu-se, como quem espreita para confirmar o que lhe dissera.

- Não, não és… - A respiração dele aproximou-se do meu rosto, observando-me mais de perto. – A noite não me está a enganar. És cega. Os teus olhos são quase tão brancos quanto o cabelo.

Não deixei de sorrir. Aquele estranho homem tinha razão. Porém, apesar da afirmação, as perguntas ainda não tinham atingido a recta final.

- Que palavras estranhas me sussurraste ao ouvido? Não as compreendi, mas senti-as como uma onda que percorreu os músculos, quando pensei que nunca mais seria capaz de os mexer.

- “Que reencontres o sopro da vida…” foi o que te disse, chamando-te à consciência. São as palavras da Deusa.

- Oh… és uma Deusa? – Havia espanto na voz enrouquecida. Mas nada mais que isso.

- Não. Sou a Alma dos Mil Nomes, somente uma serva que cuida da ilha, protegendo e auxiliando os seus habitantes.

- Porquê mil nomes e não um?

Soltei um suspiro. Aquele humano parecia ter retrocedido até à infância. Normalmente só os pequenos faziam tais perguntas em momentos tão inusitados quanto aquele. Acabara de ressuscitar e, apesar de tudo, parecia pôr esse facto de lado.

- Porque cada ser me chama por aquilo que pensa que devo ser chamada – expliquei. – Não tenho um só nome mas, na verdade, todos os nomes formam um único, impronunciável. Podes nomear-me como te aprouver. Mas isso é acessório, existem coisas mais importantes a discutir. Lembras-te como foste ter ao mar?

Senti-o acenar e desviar o olhar para as águas.

- O navio onde seguia prisioneiro foi atacado por uma criatura das profundezas. Uma enorme serpente branca de dentes afiados que quebrou e engoliu o navio. Pensei que fosse morrer… e morri realmente, não foi? Mas encontraste-me e trouxeste-me à vida, mataste-me e ressuscitaste-me.

Entreabri os lábios sem que nenhuma palavra se escapasse, completamente emudecida. Como percebera ele a verdade do acontecimento? Que percepção mística o poderia habitar?

- Os teus olhos são iguais aos da serpente. O teu cabelo é tão branco como eram as suas escamas brilhantes donde escorriam ribeiros de água quando se elevou para silenciar o navio corsário. E és estranhamente bela. Uma libertação, um golpe violento que antecede a paz.

Dei-me conta que as palavras do homem não eram nenhuma percepção mística, mas a visão de quem via além, de quem queria alcançar outro patamar dentro da alma. E este estranho náufrago subira vários ao longo da vida.

- Como te chamas? – Acabei por perguntar, procurando a mão dele com a minha. Encontrei-a facilmente e explorei-a, sentindo as calosidades e a aspereza que a vida lhes provocara. Mas também a gentileza que se escondia sob elas.

- Espírito Sem Nome. – E consegui perceber um sorriso naquela resposta, um sorriso doce como o luar. – Enquanto tiveres mil nomes, não terei nenhum.

- Então, Espírito Sem Nome, vamos até um sítio onde possas descansar e alimentar-te. Depois encontrar-te-emos um nome.

Levantei-me da areia e levei-o pela mão, aquele novo habitante da ilha.

(Conto para o Fórum Mundo Marillier
exactamente 1000 palavras xD)

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Um Coração nas Tuas Mãos


Quando, ao segurares nas mãos o coração de alguém,
Te esqueceres a quem pertence;
Quando perderes a sensibilidade do toque
E deixares de sentir o seu palpitar,
Lembra-te que ainda é um coração,
Vivo ao morto.

Lembra-te que te foi oferecido
Não por ser indesejado, mas por te desejar.
E por isso, não feches a mão.

Trata dele e tenta revivê-lo,
Porque apesar de não ser o coração que vive
Latente no teu peito,
Não deixa de ser teu pertence
A alma nele contida.

Um ente que te acarinha
Sem mesmo sentires.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Partícula


Dust in the Wind..., by Skategirl

Estilhaçou-se a partícula d'armadura,
A que forçava a união das juntas
A que prendia as conjecturas
Nos braços mortos da solidão.

Atingiu-a fulgor ressequido
Rumante das tochas forçadas,
Ao silêncio da escuridão.

Perdeu-se assim do caminho.
Um passo nas sombras
Que não a encontras,
É a queda de uma divindade.

Um passo no inconsciente
Que ela é demente.
E esqueceu-se da liberdade.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Mundo Perdeu o Sentir

A chuva devora o mundo mudo,
De mil maneiras tingidas sem cor.
A Terra devora o rio de chuva surdo,
E seca do mundo o tacto da dor.

Insensível é ele, então.
Sem sorrisos, sem gritos,
Sem coração.

E quem o vê com peito
É cego de defeito.

Que o mundo perdeu o Sentir.

sábado, 23 de abril de 2011

Sem título

Como uma ave que canta
Ária de sentimento e sabedoria,
Tisnaste no papel de seda
Istmo, promontório e vereda
Acesa no sonho que alumia.

Singraste e calcorreaste
Olvidada montanha e campina.
Finda a viajem em porto seguro,
Içaste velas e saltaste o muro:
Azul é o céu que se te destina.

Abres, então, asas e foges
Levada na brisa de semente.
Ares os teus serão clareira,
Orla, bosque soltos na corrente.

Gostarias então de lembrar
O que para trás se deixou.
Narrar o semeado nos vales,
Contar sobre o que ousou
Amanhecer na noite caída.
Lendo, lembrança é assim dita,
Vista no espelho do passado.
Eterno pensar repensado,
Semente crescida, és Vida…

(Acróstico para uma das fitas que tenho de escrever xD)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Por Pintar


Quando o sonho é horizonte
Onde perdes o olhar,
Quando o horizonte é tela pintada
De sonhos somente d’outros
Pela tua prisão de sonhar,
Sabes que é semente a solidão
Que pinta retratos evasivos
Em cores de coração.
Que o último contorce-se indeciso
Segurando na mão o pincel de indagar.
Que a resposta não está no pintado,
Mas no que ficou por pintar.

(3ª tentativa de poema para o capítulo do Prín, escrito durante o pequeno-almoço num bocado de papel rasgado... nada como um input de deprimência matutina para acabar com as dúvidas. Este é o escolhido! xD)

sábado, 2 de abril de 2011

Sonho Eterno, Mas Já Não Teu


Sparrow, by Rock My Life

Sonhaste que eras pardal
Que vagueava solto no cantar perdido,
Calcorreando os céus d’ouro do olhar.

E, de súbito, vês-te cair.
Em rodopio vertiginoso varres o horizonte,
De modo vertical.

Feneces no suspiro dos que pisam,
Dos que pisoteiam sem sapateado sincrónico
A calçada morta.

Soltas um último pio mas não acordas.
E o sonho continua eterno,
Mas já não teu.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Espírito Sem Cor


Sopraste tintas no dispersar
Da tua imaginação,
E pintaste mundos de sinergia,
Sonhos que são tua companhia
E reflexos vivos do coração.
Então bailas em bicos de pés,
Solitária nos campos criados em flor;
Cantas à compreensão surda
E semeias fragmentos de Amor.
Porém o que é cego ao sentido
Esborrata a branco e, desentendido,
És um espírito sem cor.

(Substituição de um dos capítulos do Prín, dedicado a Dederyeh)

quinta-feira, 3 de março de 2011

4 Mini-contos


Nessa noite, foi só um truque de magia que correu mal… Da cartola de que me munira durante o espectáculo para o rei e a sua corte, o coelho branco espreitara sem vontade de sair e mergulhara nas entranhas mágicas do poço sem fundo, o que me envergonhou profundamente. Amaldiçoei o animal e disse com estas mesmas palavras: que o que me envergonhou acorde morto na amanhã do próximo dia! Não sabia eu que tão simples sentença surtiria tamanho efeito… Foi assim que todo o país passou a ser controlado por uma corja de nobres mortos-vivos, pois o meu sentimento de vergonha fora devido a quem observava o meu fracasso e não ao que me levara a fracassar. Incapaz de desfazer a teia criada com uma intenção mal destilada pelas palavras, fugi para os confins remotos da cartola mágica. Fosse para onde fosse, o jantar seria assado de coelho branco.
*
Chamo-me Florya. Nasci quando os raios de Sol tocaram as pétalas da primeira flor que desabrochou. As asas nas minhas costas igualam-se às das borboletas que um dia existiram. Sou a primeira e última fada que o mundo conheceu. Todas as que vieram depois de mim foram já levadas na brisa entristecida. Caíram ao ver perecer a vida amada, suicidaram-se para não deixar vingar o ódio que perverte a alma. Porém era meu destino permanecer, ver crescer os desertos e os reflexos de mentiras que suprimiam a Natureza, e acabar com esse falso sonho de assassinos. Cresci entre eles, aprendi com eles e parte de mim transformou-se neles para compreender. Mas não compreendi o porquê da troca da vida pelo metal, por flores mecânicas com perfume de veneno. E por isso acabei com o Tudo, deixando o Nada. Hoje sou pó que restou. Eles são as cinzas mortas do egoísmo.
*
Estendi a mão, permitindo que nela perecesse um daqueles flocos de neve que se precipitavam dos céus. Derreteu-se, formando uma ínfima poça de água e sangue. Levei-a junto ao rosto, cheirando-a primeiro e depois provando-a. Era aquela a prova de que necessitava. Um sorriso aflorou-me aos lábios e voltei-me para aqueles que aguardavam, expectantes. Mostrei-lhes a mão como prova do que iria dizer de seguida.

- Tem gosto de anjo. Eles finalmente estão a cair dos Altos, faltam-lhe as asas que os sustentam! É chegada a hora de escrevermos o nosso próprio destino, filhos do Inferno e da Terra!

Observei de olhos rubros e fascinados e reacção daqueles que seguiam um demónio e a mentira que lhes contava. Subir ao céu naquele momento seria um mero suicídio. Mas era disso que Ele precisava, agora que não lhe sobrava uma única pluma de anjo. E eu dar-lhe-ia as almas que desejava escravizar e devorar para o paraíso do seu estômago. Que não era diferente dos Outros.

- Partamos à conquista! – Gritei, sendo acompanhado por um urro grotesco de apoio. Feito isto, invoquei a passagem até ao portão dos céus, para o qual os idiotas correram de armas em punho, mergulhando nas entranhas de Deus, perante a minha expressão maldosa. Fiz uma vénia à enorme boca devoradora de almas e voltei à Terra para resgatar mais crédulos e deixar os cépticos reconstruírem um mundo pós-apocalíptico.
*
Luzes cruas e artificiais precipitavam-se sobre a planta. Fora feita de uma única célula proveniente da sua mãe, também ela nascida daquela forma de reconstituição. E apesar da sua clara efemeridade, era diferente de todas as outras. Na sua extremidade superior segurava uma flor fértil, prestes a desabrochar. Um formigar correu as pétalas, forçando-as a abrir uma a uma e perecerem à vontade de outrem, revelando o que se desenvolvera no ovário, protegida do exterior pela cúpula de interior em veludo. Espreitou curiosa, o corpo humanóide perfeitamente delineado numa escultura de mulher minúscula. Nas costas amparava duas asas por abrir raiadas a rubro.

Todo o processo foi monitorizado por um cientista que pulou da cadeira e correu até ao laboratório. Porém, quando abriu a porta e os seus olhos caíram sobre o pequeno ser, este desfez-se em cinzas. Que o olhar humano queima e mata uma fada filha da Natureza.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Mensagem , Fernando Pessoa - Brasão, Os Campos



(Juro que vou estrangular o Movie Maker por comer caracteres nas fichas...)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

5 sentidos na Água


Magic River, by Gilad

Oiço o tímido tilintar gotejante
Estilhaçar-se no trilho irregular.
Oiço e escuto a voz sonante
Da chuva e do seu cantar.

Vejo ao longe a una multidão
De partículas, que se precipita.
Escorrega pelo leito do coração
No rio fluído que leva a vida.

E sigo-o, correndo vales,
Degustando o sabor da beleza.
Que se estende em mil abraçares
Ao estuário longínquo da certeza.

E certa é a sua chegada,
Diz-me o perfume que não engana.
Regressado nessa madrugada
À que a si se chama: maré mundana.

Paro então, de pés descalços n’areia,
Sentindo a essência fria e líquida,
Sentindo espuma viajada até minha beira,
O sussurro da água distraída.

Que o Mar fala de tudo o que é,
De tudo o que foi e de tudo que será.
Escuto, diviso e cheiro essa sua fé,
Tacteio e saboreio a vida que me dá.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Ler


Book, by Blind Man Photo

Uma palavra escuta-se ao ouvido do pensar.
É sentida com um vislumbre de desatenção,
E observada quando o não saber
Chama a atenção do coração.

Explora-a assim, e às que a seguem,
Em modo de as conhecer.
Saltando de linhas, degrau a degrau,
No seu perene desentender.

Porém hesita e recua aquele saltitar.
Que no ver passar, a curiosidade
Brincou às cócegas com o espírito
Desejando sua a insanidade.

Retorna então ao início e inicia.
Mas que recomeço é esse do recomeçar?
É o entender o desentendido
Que só a leitura sabe pintar.

Que somos cegos à primeira frase
Até nos chegar a palavra perdida.
Que ler, para quem sente a leitura,
É viver vivo outra vida.

Natureza do Amor (Algo lamechas II... nhe!)


Bajo la raiz, by NuriaMM

A “Natureza do Amor” tem o fogo
Que se empluma desnudo,
Recriando a cor do que é o amor
Pintado em telas do Mundo.

É com essa cor que pintaste
As mil e uma do meu coração,
Que és o carinho da vida minha
O calor de que se traja a paixão.

Um sonho de tintas esborratadas
O qual só tu sabes pintar.
És artista abstracto e matizaste
A vida e a vontade de sonhar.

E eu retribuo com o canto
De versos tímidos do florir.
Que o idílico é o teu alento,
Os teus lábios, e o teu sorrir.

Então, que nos ramos se adensem
As flores que despontam no coração,
Para se colherem, que amadurecem,
Os frutos da nossa estação.

Pois as raízes se aprofundam
E prendem a si da terra o fervor.
Que sejam esses os alicerces vivos
Do nosso eterno amor.

Algo lamechas... nhe!

Quis um dia meu olhar contemplar
O que a Evolução fez de perfeito,
O que é Sol e estrela do pensar,
E anseio no meu peito.

Quis um dia minha alma sentir
Sentimento semeado ao vento,
Vontade tonta de sorrir,
A que sinto com teu alento.

Que és meu licor aquecido
Nos abraços densos da paixão,
O embriagar do que chamo espírito,
O embalar do coração.

Chamo-te “Mundo”, que és o meu,
Por entre um beijar ao inato.
Mundo e universo de Galileu
Que és o céu… e o que faço?

Escrevo-te versos toscos, desnudos
Do que é fútil ao beijar.
Que nestas quadras estamos juntos
E pinto nelas o amar.

Aquele que te pertence, esborratado
Em cores do amanhecer e d’aurora.
Que é tua a beleza do sonhado
Onde perdi a solidão de outrora.

(Não gosto de poemas deste género xD)

Lince Ibérico (Acróstico)


Lince, by Griffin

Lembrança de gato há muito perdida,
Inato desconfiado, olhar arguto de intenção felina.
Nuances selvagens da Ibéria são essas das pupilas
Cor de liberdade, cor do passado das vidas,
E da esperança de um dia.

Imiscui-se o mistério na tua pelagem
Banhada do sonho de garras afiadas.
És pequeno e doce de cerne selvagem,
Rumor, que no bosque voas sem asas!
Istmo do querer prevalecer, teus rosnares
Cantam o ser de mim e, no meu coração,
Oiço o lince Ibérico em extinção…

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Nos Bolsos do Tempo


Flown With the Wind, by Vladimir Kush

Albergo a voz inconstante do pranto, nos alforges roubados.
Fugiram nos bolsos do Tempo que corria célere,
Num corrupio de dança ousada, sapateado louco de dia de chuva
E canoro canto de rouxinol enrouquecido.

Mas vi-os saltar, de súbito, na lama esborratada do trilho sinuoso,
Que, ao longe, tropeçou Ele num pedaço caído d’alma.
Quem perdia pedaços de si, sem se aperceber que desfaleciam
Donde a vontade se esquecia de viver?

Quedei-me a observá-lo, apanhando os restos deixados no caminho
Contido dos que gritavam sem se ouvir.
O vento restolhava aos Seus ouvidos e apanhou-o também
Conservando-o nos alforges de caminhante que coleccionava o mundo.

Depois saltou a fronteira e precipitou-se do limite do que era para o que será.
Franzi as sobrancelhas, que o deixara de ver por entre as folhas crespas.
Fora consumido pela visão matreira, levando o furto de um dia,
De mãos untadas no sangue castanho da terra.

Quem sabe, construiria um novo castelo de cartas, para além do que vi.
E quando pronto, libertaria o vento guardado no bolso fundo de fim do mundo,
Sopraria o pranto unido no calor do cerne para, na distância do inalcançável,
O perecido pedaço d’alma se encontrar com o apartado.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Pontos Negros

A neve caía, atapetando os escombros que se amontoavam nos recantos assombrados. Almas pintadas de cinzento espreitavam sob os ramos despidos de vida das árvores que floresciam espíritos desnutridos. Nada mais havia para comer. A vida, na sua essência mais clara e radiosa, murchara e perdera as suas pétalas enraizadas no cerne do coração. Contavam-se os dias que tinham passado desde o Fim. Um, dois… na verdade, eram somente segundos que se prolongavam, arranhando o que ainda suspirava, esventrando o que gritava. Não por quererem, que o Tempo nada mais quer senão decorrer no seu apressado corrupio. Porém, quem o obrigava a prolongar-se indefinidamente, como se parado num momento grotesco de um retrato surreal? Os atentos conheciam a resposta, viam-na olhá-los na sua mortandade desfalecida. Que muitos eram os olhos que abarcavam o horizonte, aproximando-se, sequiosos. Os crocitares encheram o céu em uníssono, qual canto de outro mundo. Que se não havia vida para devorar, a morte seria alimento para os corvos. Enquanto os segundos adensassem o seu trilho no Presente, aquele momento perduraria.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Cântico do Mar


The Mermaid, by Howard Pyle (1910)

Cessou a sinfonia.
Quem ceifou à sereia a vida,
O cântico daquele dia
À beira-mar?

Foi barco que aportou,
De pés pesados e alma una.
Que quem aqui voltou
Não mais irá retornar.

Que foi da alma colhida
O cerne da paixão,
O cerne de uma vida,
A brisa do meu amar.

Vai longe o desejo.
Do querer ser o que era
Quedou-se somente almejo
E a questão do sonhar.

Que é a musa perdida.
Mas serão minhas as palavras,
Que num adeus de despedida
Afastarão de nós o Mar?

(Parte integrante de um conto intitulado "O Cais do Poeta")

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O Dia


Seabird Mimicry, Tom Chambers

Um fim se avistava
Na maresia que o olhar alcança.
O perfume que emanava
Insurgia o som da Esperança.
Era o grito que urgia
Pela madrugada daquele dia.

“Que dia?” perguntou o Ente
D’uma alma que eram várias unas.
E respondi eu, dito demente,
Sussurro que varreu da alma as brumas:
O dia cego do Anjo e do Fado,
Que o proclamaram Deus e Diabo.

E esconjurou-me com palavras,
O ouvinte que ouvia o paladar.
Que se desvirtuaram almas amargas
Num trôpego passo do meu bailar.
A corda partira-se e fugira
Do acorde que do Ente emergira.

Mas que bailado era o meu
Na sinfonia desse dia!
Um sopro de vida de Romeu
Um suspiro de Julieta que se perdia.
E uma caravela rumando ao largo,
Era chegada a vinda do Aventurado.

(Parte integrante de um conto intitulado "Uma Alma Lisboeta")

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Flor do Deserto


No horizonte era uma flor. Com passos suaves de pés descalços, Hely aproximou-se daquela gigantesca maravilha de pétalas lilases que despontava do meio do nada. Nas suas costas, duas asas azuis tremeluziam sob o Sol escaldante que atingira o zénite. O calor era imenso, porém a pele ebúrnea, incapaz de senti-lo, continuava fresca qual ribeiro dos montes. Querendo ser mais célere, a fada abandonou a locomoção do Homem e tomou para si a das aves, dos morcegos e dos dragões, subindo nos céus e avançando para a pequena maravilha que se agigantava perante o olhar. A ânsia metamorfoseou-se em choque, ao deparar-se com o longe, agora perto. As mãos de dedos pequenos e singelos tocaram na superfície metálica da outrora planta. Recolheu-os de imediato de encontro ao peito, salvando-os de uma queimadura que lhe devoraria a pele. Aquilo não era a sua flor do deserto, não possuía a vida pulsante, nem a alma de um ser natural. Os olhos grandes e expressivos encheram-se de lágrimas face à desilusão. Quem colhera todas as flores do mundo e deixara apenas o espectro da vida? Hely sabia a resposta, mas não queria admiti-la…

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Essência de Liberdade


Potencial, by Puimun

A liberdade é um fio de cabelo
Que sufoca a independência
Do que se estende ao vento para voar.

Se lhe cortares o corpo que se adensa,
Removes a fuga e a interacção,
E será apenas uma árvore expectante
De que sejam pés suas raízes
E que seja a madeira um coração.

No entanto, continua retida ao físico
Da mente temerosa, escrava
Do que é ou pensa ser por sê-lo.

Cabelo ou árvore, a liberdade vive
Apreendida por querer o que será.
Que quando não o quiser
Ao erguer braços ao céu em fogo,
O seu corpo sê-lo-á.

E será pó polvilhado nas estrelas,
Que decairão a sua liberdade num refulgir
Do espírito prisioneiro do Tempo.

Conta os dias, e será água.
Conta os anos, e será morte ou vida.
Conta os séculos, e pensa.
Conclusão advinda é vasta e livre.
Essência reavida.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Vass Therna Cellor Heligire



E esta foi a prenda de Natal para o Fred, algo meio atribulado de se fazer, porque alguém se lembrou de brincar com o Sibelius 6

domingo, 2 de janeiro de 2011

Tinta de Vida

Esborratei a parede com tinta-da-china que não escorreu e observei como as linhas se emaranhavam e recriavam a teia negra das suas entranhas. Com cuidado, juntei-lhe um pincel e ajudei-a na reunião de cada gota de sangue obscurecido pela essência. E pouco depois tinha-a, mais corpórea que o sonho, mais viva que o retrato da Morte. Carinhosamente estendi-lhe a mão que ela, muito tímida, segurou na sua frieza. Os veios de tinta uniram-se com os meus vasos sanguíneos, quebrando-os e imiscuindo-se num reconhecimento de alma recém-nascida. Estendi a outra mão, e puxei-a da parede que a prendia para que fosse livre da tela onde fora tão bruscamente criada. Trôpega, contactou com o chão, a nova pintura onde se movia, não compactada de encontro a ele, mas corpórea. Parecia simplesmente estupefacta, enquanto eu sorria, apontando-lhe uma mesa ao meu lado, onde reunira todas as cores do mundo, todas as essências roubadas, todas as vozes, todos os gritos, todos os prantos e todos os sorrisos. Tudo para ela. Então, não esperou e precipitou-se, mergulhando nas tintas de Vida, ganhando a sua, misturando-se com a base de negro original. Observei a felicidade de que se ungia, enquanto perdia a minha. Pelas mãos que a agarrara escorriam o sangue, a pele, os sentidos, o pensamento. E no meu último olhar consciente, ela era uma sombra livre. Agora, serei eu o seu ser servente, um vulto capturado na liberdade de outrem.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Lágrimas do Mar

Três lágrimas pereceram no oceano
Lavado das angústias que suspira.
E correram por ele escutando
Velha cantiga, a do seu pranto,
Vontades levadas, vontades caídas.

O corpúsculo molecular que se adensa,
Da densidade da força se imiscui.
E grita no grupo desunido,
Que as lágrimas serão suas de suspiro,
E que entrecortada a respiração cessará.

Que não respiram já as ondas,
Superaram o seu langor do inspirar.
E no meu colo expiraram o sal da desventura.
A escuma que se abate perdeu a brancura,
Que agora são somente lágrimas do mar.

Confinadas ao eterno que adensa e evapora,
Lágrimas vertidas são hoje o mar da demora
Dessecado em alma e cristal carmim.

Ergue-se o vento e sopra o que foi desfeito,
O sonho é Fénix que te aquece o peito
E as lágrimas são flores que navegam o mar do fim.